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Tratamento da Esquizofrenia estimula convívio social de pacientes

Portadores de Esquizofrenia e familiares falam sobre preconceito e convivência dentro de casa

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Esquizofrenia é uma doença mental grave, caracterizada por perturbações profundas no pensamento que afetam a linguagem, percepção táctil e de si mesmo. Frequentemente inclui experiências psicóticas, como ouvir vozes e ver coisas que não existem realmente. O problema geralmente começa no final da adolescência e início da idade adulta, mas existe tratamento e é possível levar uma vida produtiva e integrada na sociedade.

É assim a vida de José Alberto Orsi, de 48 anos, engenheiro e diretor adjunto da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (ABRE). Na década de 1990, Orsi foi diagnosticado com um Transtorno Esquizoafetivo – significa dizer que ele tem um caso de perda de contato com a realidade, característico da Esquizofrenia, associado aos sintomas de transtornos afetivos, como Depressão ou Bipolaridade, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

O diretor conta que os primeiros sintomas de depressão crônica apareceram em 1994, num momento conturbado pessoal e profissionalmente de sua vida. Ele vivenciou o que contou ser uma “transição esotérica”, na qual passou por experiências extra corpóreas. Essa fase lhe custou alterações psíquicas profundas – Orsi chegou, inclusive, a tentar o suicídio. Um tempo depois foi morar no exterior e as coisas pareciam ter melhorado: até 1998, nada de crises depressivas ou quaisquer outros sintomas. Os amigos e familiares vibraram. A comemoração, porém, não durou muito tempo.

Relato do áudio por extenso (Imagem: Caroline Balduci de Mello)

Relato do áudio por extenso (Imagem: Caroline Balduci de Mello)

Depois desse episódio, a vida do engenheiro mudou: o diagnóstico do Transtorno Esquizoafetivo apareceu e confirmou algo já presente em sua família – sua irmã e seu pai, já falecido, também foram diagnosticados com Esquizofrenia.

A convivência com a família

Orsi afirma que a convivência com sua família é boa. “Moro com minha mãe, e me dou muito bem com ela. Minha irmã é divorciada e mora sozinha, mas passa o dia na casa de minha mãe. Às vezes entro em atrito com ela, pois não quer fazer nada, ficando a maior parte do tempo deitada ou assistindo televisão”, comenta.

Apesar de o diretor ter uma vida tranquila no que diz respeito à família, isso não se repete em muitos outros casos, como o de Bianca de Sales Santos, uma dona de casa de 25 anos que sofreu muito com o diagnóstico do pai, Edgar de Souza Santos, que descobriu ter Esquizofrenia quando ela ainda era uma criança. Em 1997, o pai de Bianca começou a sentir sintomas como cansaço e irritabilidade quando, no mesmo ano, descobriu o problema e iniciou o tratamento.

“A cada surto ele ficava mais agressivo. Se batia nas paredes, gritava, nos trancava… Em 2001 os surtos começaram a afastá-lo de minha mãe, o que resultava em mais alucinações, e por sua vez o impulso de me espancar. Eu tinha 11 anos quando ele trancava tudo, me batia muito e ligava o rádio bem alto para ninguém me ouvir gritar. Isso aconteceu repetidamente por 2 anos. Ele estava doente e o perdoei, porque mesmo após os traumas, na minha cabeça eu sei que havia ‘um motivo’”, conta.

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A audição de vozes inexistentes está no DSM (manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais) como sintoma da esquizofrenia (Foto: Bruna Malvar)

O restante da família acabava prejudicado também. Edgar ouvia vozes e, para tentar proteger todos, trancava-os em um quarto. A mãe de Bianca e seus dois irmãos não o enfrentavam por orientação médica – “o melhor era não contrariar”. Bianca de Sales Santos conta que, além de a doença interferir bastante no convívio dentro de casa, o gênio do pai era difícil: “Ele nos induzia aceitar de tudo, caso contrário parava com os remédios (…). Meu pai medicado é uma pessoa normal, faz de tudo”, explica.

Allana Zimmermann, uma estudante de Direito de 18 anos, também passou por situações complicadas ao lado de sua bisavó Joana Zimmermann antes de ter o diagnóstico desta ser diagnosticada. “Minha bisavó recém havia completado 86 anos quando foi diagnosticada com Esquizofrenia. Nós tínhamos acabado de descobrir que ela estava com o Mal de Alzheimer, então era tudo muito novo e confuso. Minha família nunca tinha lidado com isso, então inicialmente pensávamos que o que ela tinha era uma confusão mental por conta da doença”, conta.

Com o passar do tempo, a bisavó de Allana passou a sofrer alucinações visuais e auditivas. A estudante afirma que ela estava bem num momento e, de repente, começava a falar coisas sem sentido. “Todos os dias ela dizia que via homens de preto entrando no quarto dela e ordenando que saísse da casa. Tínhamos que tomar muito cuidado porque a bisa fugia, ia para a rua dizendo que a mãe dela (que morreu quando minha bisavó era adolescente) estava chamando. Ela chorava pedindo para a mãe vir buscá-la. Falava em extraterrestres e de bichos que andavam pelo corpo dela durante a noite”, explica.

Parentes distantes da família não sabiam lidar direito com a situação. “Queriam insinuar que ela tinha algum encosto no corpo. Era muita crendice. Não entendiam o que é a doença de verdade (…). A maioria da família resolveu se afastar. Minha bisavó sentia falta quando estava fora das crises”, comenta.

O preconceito

Allana conta que sua família mora em uma cidade pequena, onde as pessoas ainda acreditam muito no sobrenatural. “Dentro da própria família tinha gente que queria chamar um padre pra benzer a casa, porque pensavam que ela estava com ‘algo’ no corpo”, diz. Joana começou fazer o tratamento para a Esquizofrenia, associado ao de Alzheimer, mas infelizmente acabou sendo internada por uma virose meses mais tarde e veio a falecer.

Para José Alberto, existe ainda um forte preconceito social e profissional contra as pessoas que têm Esquizofrenia. Ele acredita que a “loucura” esteja associada à violência, mas avalia também que, aos poucos, os tratamentos psiquiátrico e psicoterapêutico estão fazendo avanços notáveis no que diz respeito a humanização do diálogo entre o profissional de saúde e o paciente. Já sobre a inclusão social, Orsi a considera ainda tímida, mas avançando, até mesmo na legislação, de acordo com ele.

“A perspectiva a médio/longo prazo, na minha opinião, é boa. A mídia, de certa forma, colabora com a desmistificação da esquizofrenia, apesar de demonstrar certo sensacionalismo quando ocorre quando crime e este é cometido por um doente mental”, comenta.

Para saber mais sobre como é viver com esquizofrenia, clique aqui.

Um serviço que ABRE mentes

A ABRE é uma organização sem fins lucrativos que visa à conscientização sobre doenças mentais e oferece apoio aos portadores. Em 1999, a Associação Mundial de Psiquiatria lançou um programa de combate ao estigma da Esquizofrenia, o Open The Doors. Ao final do ano de 2002, um grupo de familiares ligados ao Serviço de Orientação Esquizofrenia (S.O.eSq.) percebeu que não existia uma associação brasileira que tivesse como objetivo fundar uma rede nacional voltada especificamente para esta doença, e assim nasce a ABRE.

Desde então, a associação atua na defesa dos direitos das pessoas com esquizofrenia, ao mesmo tempo que estimulou a atuação em rede com outras organizações e instituições de saúde mental. A ABRE tem grupos de apoio presenciais e virtuais, além de promover encontros e produzir conteúdo para a internet.

Em Bauru, existem 3 locais de atendimento a pessoas com doenças mentais:

  • CAPSad Bauru
  • Rua Cussy Junior, 12-27
  • CEP: 17014-020 – Bauru – SP
  • Tel: (14) 3227-3287
  • capsad@bauru.sp.gov.br
  • CAPSI de Bauru
  • Rua Gerson França, 9-42 – Centro
  • CEP: 17010-260 – Bauru – SP
  • Tel: (14) 3227-2574
  • capsi@bauru.sp.gov.br
  • CAPS de Bauru
  • Rua Monsenhor Claro, 6-99 – Jardim Estoril
  • CEP: 17015-130 – Bauru – SP
  • Tel: (14) 3227-5022caps1@bauru.sp.gov.br

Reportagem: Caroline Balduci de Mello

Produção Multimídia: Bruna Malvar

Edição: Camila Padilha Trindade

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