O desafio do descarte correto de lixo no Brasil
Mesmo com diversas iniciativas e a criação de uma lei, as taxas de descarte incorreto e reaproveitamento do lixo são alarmantes no Brasil
Você acorda cedo para ir à faculdade ou ao trabalho. Pega o pão no saco de papel. O suco ou o leite na caixinha. O sachê do chá ou o coador para o café. Prepara a primeira refeição do dia, joga todos os resíduos no lixo e sai.
De ônibus ou de carona, segue sua rotina. Faz uma pausa no meio da manhã para um lanche e gera mais lixo – o pacote de biscoito, o guardanapo do pão de queijo, o papel filme na fruta.
Na hora do almoço, o copo do suco e a embalagem da sobremesa, mais aquela parte da comida que não foi consumida. Tudo isso na mesma lata do restaurante.
Segundo a UNIFESP, cada brasileiro produz cerca de 1 quilo de lixo por dia. Esse valor, entretanto, é alterado conforme a realidade econômica do espaço. A cidade de São Paulo, a mais rica do Brasil, produz sozinha 17 mil toneladas diárias de resíduos.
E não é só a quantidade de pessoas que influencia o aumento na produção de resíduos. Dados do relatório Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, de 2014, mostram que o crescimento populacional entre os anos 2013 e 2014 foi de 0,9%, enquanto o de produção lixo, 2,9%.
Com esses números, é possível perceber o papel do consumo na quantidade de lixo descartado.
A especialista em gestão de meio ambiente e sustentabilidade, Nelí Aparecida de Mello-Théry, explica que o “consumo é sempre crescente e resulta da necessidade de criação dos novos produtos”.
Como consequência, o descarte de coisas velhas gera conflitos quando se pensa em reaproveitamento de matérias primas e preservação do meio ambiente. “Para haver sustentabilidade, é preciso haver parcimônia no uso dos recursos, um cuidado com a produção de resíduos e, em especial, com a condição humana no mundo todo. Enquanto apenas uma pequena parcela da população mundial tem acesso a muitos benefícios advindos do próprio ambiente, outra parte mais numerosa vive na pobreza extrema, sem nenhuma condição de acesso ao desenvolvimento”, conclui Nelí.
“É preciso haver cuidado com a produção de resíduos e, em especial, com a condição humana no mundo todo”
De 2005 a 2015, o poder de consumo da Classe C – que é maioria no país – aumentou em 71%, conforme a pesquisa do Instituto Data Popular. Em uma amostragem menor de tempo, a produção de lixo, entre 2010 e 2014, cresceu 10,36%. No mesmo período, a coleta seletiva passou de 57,6% para 64,8%. Ainda assim, 41,6% do lixo reciclável recolhido em 2014 foi parar em lixões ou aterros controlados, um descarte inapropriado que oferece risco à saúde da população.
Mas o que tudo isso significa?
“No Brasil, as pessoas acham que a coleta é um serviço invisível. A partir do momento em que eu coloquei o saco de lixo na porta da minha casa e ele foi coletado, não é mais problema meu”, afirma Carlos Silva Filho, presidente da Associação Brasileira de Empresa de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABELPRE).
Quando Carlos faz esta declaração, ele não se refere à uma camada social específica. Por mais que haja uma classe média-alta que se diz entendida a respeito do meio ambiente, o descaso com o destino do lixo é generalizado independentemente da condição social.
Ciente desta realidade, estratégias foram desenvolvidas pelo governo e também por ONGs com o intuito de conscientizar a população e as cooperativas para o melhor tratamento e deposição do lixo.
Em 2010, foi sancionada a chamada “Lei do Lixo”. Esta lei foi um esforço para compartilhar a responsabilidade sobre o material descartado entre todos os agentes envolvidos – governos, empresas, cooperativas e cidadãos.
No entanto, quatro anos após sua implementação, ela ainda se mostrava pouco eficaz. Segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, 1.559 cidades ainda tinham lixões a céu aberto em 2014.
A coleta de lixo nem sempre oferece o destino adequado aos resíduos. Somente 58,4% de todo o lixo recolhido em 2014 teve um descarte apropriado. Em 2015, o Repórter Unesp fez um levantamento sobre a coleta de resíduos em Bauru. A coleta regular atende 98,05% das residências da cidade. Contudo, isso não garante que todo o lixo coletado tenha um destino adequado.
A reciclagem é uma das soluções que sempre aparece em discussões sobre meio ambiente e produção de lixo. Mesmo reaproveitando os recursos, as iniciativas no Brasil ainda são poucas: apenas 64,8% de todo território brasileiro possui coletas seletivas. No nordeste e no centro-oeste, os projetos não atingem 50% dos municípios.
O Repórter Unesp organizou um infográfico explicativo com informações sobre o descarte de lixo no Brasil. Confira a seguir.
Se a ideia de gestão integrada dos resíduos não é suficiente, o que pode ser feito para vencer este desafio?
Para Nelí Aparecida, o primeiro passo é compreender que o alto padrão de consumo precisa ser alterado e pensar em novos formatos para o desenvolvimento sustentável. A pesquisadora comenta sobre a economia circular (cradle to cradle ou do berço ao berço, em português). O material que constitui o produto é de posse do fabricante e deve retornar à fábrica depois do uso. Desta forma, “todos os materiais transformam-se em nutrientes, em ciclos biológicos ou técnicos”.
Outra alternativa é buscar o descarte ideal para cada tipo de produto. De modo individual, é possível pensar em maneiras de implantar o consumo consciente no dia a dia.
Carregar as compras em sacolas reutilizáveis ou caixas. Guardar e transportar lanches em embalagens não descartáveis. Diminuir a aquisição de produtos industrializados e trocar o hortifrúti de supermercados pelas feiras, também são opções convenientes. O que não vale é jogar tudo no mesmo lixo sempre.
Repórter: Ana Carolina Moraes
Produtora Multimídia: Heloísa Monteiro Scognamiglio
Editora: Camila Nishimoto