O programa “Bolsa Família” como incentivo ao consumo
Programa de combate à pobreza atende cerca de 14 milhões de famílias em todo o país e movimenta o mercado de bens não duráveis
O Bolsa Família (BF) é um dos modelos mais bem-sucedidos de Programas de Transferências Condicionadas de renda (PTC) no Brasil. Foi lançado em 2003 pelo governo Lula. O programa é resultado da unificação dos projetos Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio-Gás. Tais políticas públicas articulam a distribuição direta de recursos e a promoção de acesso aos serviços básicos de saúde, alimentação, educação e assistência social às famílias cadastradas.
Além de atenuar os índices de pobreza e extrema pobreza do país, o BF tem o objetivo de dinamizar a economia. Auxilia o desenvolvimento da capacidade de seus beneficiários e a sua posterior inserção no mercado de trabalho. Apesar de todas as críticas e incertezas sobre sua eficácia, a iniciativa tem provocado uma significativa redução da pobreza absoluta e da desigualdade de renda nos últimos anos.
Entre 2004 e 2014, a taxa de pobreza extrema teve queda de 63%, segundo um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Já a desigualdade de distribuição de riqueza no país recuou de 0,495 em 2013 para 0,490 no ano seguinte. A medida é calculada pelo Coeficiente Gini (dado estatístico de medição da distribuição de riqueza cujos valores variam de 0 a 1, sendo 0 um país muito igualitário e 1 muito desigual).
O programa Bolsa Família gera outros efeitos positivos sobre a economia, por meio de um aumento real no Produto Interno Bruto. De acordo com dados divulgados em 2003 pelo Ipea, o BF tem um dos menores custos entre os programas de amparo social. Junto a isso, possui o maior efeito multiplicador no PIB brasileiro e na renda total das famílias.
O instituto aponta que cada R$ 1 transferido ao BF adiciona R$ 1,78 ao PIB e acrescenta R$ 1,98 no consumo final dos beneficiados. “Os financiamentos de bens duráveis e não duráveis aumentaram, sobretudo no Nordeste. Isso se deve ao incremento da renda e da geração de empregos, somados à facilidade de obtenção de crédito no governo Lula. Estes fatores movimentaram positivamente e em escala a economia de todas as regiões do país”, explica Milene da Costa, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Primo rico?
Um dos questionamentos que surgiram a partir de então foi se o programa contribuiu para a criação de uma nova classe média. A indagação surge especialmente levando-se em conta a diminuição da desigualdade na distribuição de renda e dos índices de pobreza absoluta. Sem olhar os dados e as informações, e seguindo uma lógica simples, a afirmação parece verídica. Com o aumento da renda de pessoas que recebem o benefício, tem-se como consequência o aumento do consumo e, portanto, uma possível ascensão social dos beneficiários. Contudo, a questão é mais profunda.
De acordo com um estudo de 2008 realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) em 229 municípios de todo o território nacional, o dinheiro do BF é gasto principalmente com produtos básicos, como alimentos (87%) e material escolar (46%) para as crianças. Confira os produtos alimentícios mais consumidos pelos beneficiários:
Os bens duráveis não constam nas despesas dessas famílias. Milene da Costa esclarece: “O consumidor que se tornou a ‘Nova Classe Média’ foi aquele que estava em um estágio inicial de consumo. Ganhava apenas para comer. Saltou um degrau, consumindo novos bens como casas, carros, escolas particulares, etc. Esse não é o caso dos beneficiários do Bolsa Família, que permaneceram no estágio inicial de consumo”.
O professor em História Social Maximiliano Martin Vicente acredita que o programa tenha ajudado na diminuição da pobreza. Em contrapartida, isso não contribuiu para a formação de uma nova classe média. Segundo ele, a criação de um novo grupo social só seria possível caso tivessem sido tomadas medidas de caráter estrutural. Incentivo à indústria nacional e o não envio de lucro para o exterior seriam o caminho. “Quando surge um projeto como o Bolsa Família, as pessoas pensam que a classe média aumentou, mas não. O que aumentou foi o consumo. Nós estamos em um grupo significativo de consumidores e não em uma nova classe média”.
Leia também: Rolezinhos evidenciam a segregação e desigualdade social no Brasil
A estudante Kerolayne Juliana, de 16 anos, tem uma filha de 10 meses e está recebendo o Bolsa Família há cerca de quatro meses. Além do benefício da filha, a estudante também recebe o “Bolsa Jovem”, por estar regularmente matriculada em uma escola. Os benefícios recebidos por ela somam R$163,00. Karolayne conta que utiliza o valor nas compras de alimentos e fraldas para sua filha. Ela também diz que o auxílio representou uma melhora na qualidade de vida da sua família. “Antes de receber o dinheiro do programa, minha mãe comprava o leite, a fralda, as frutas para minha filha, mas faltava dinheiro para comprar as coisas para dentro de casa”.
Dentro da casa de Adriana da Silva, que está desempregada e grávida de seu sétimo filho, o benefício representa a renda total da família. Ela conta que os R$280,00 mensais que recebe do BF ajudam na compra dos produtos básicos para alimentação da sua família. A mãe recebe o benefício há cerca de sete anos e antes da sua atual gravidez, trabalhava informalmente para complementar a renda dentro da sua casa.
Gisele Silva, de 35 anos, mora com seus três filhos e seu companheiro. Ela conta que o Bolsa Família reforçou a renda de sua família. “O auxílio me ajudou a comprar coisas em maior quantidade, como leite, bolachas e alguns lanches para os meus filhos levarem para a escola. Sem o benefício nós não passaríamos necessidade, mas a situação ficaria muito apertada”, explica a mulher que trabalhava como faxineira e perdera o emprego um dia antes da nossa entrevista.
As três beneficiárias entrevistadas pela reportagem residem em Bauru, interior de São Paulo, no bairro Jardim Nicéia.
Repórteres: José Felipe Vaz e Thaís Modesto
Produtora Multimídia: Daniela Arcanjo Rodrigues
Editor: João Pedro Pavanin Del’Arco