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Rolezinhos evidenciam a segregação e desigualdade social no Brasil

Eventos aconteceram com frequência em 2014 e incomodaram a classe média brasileira, denunciando a segregação racial e a desigualdade social no país.

 

Shoppings se tornaram símbolo do consumo e segurança da classe média. Rolezinhos evidenciaram um abiente segregacionista (Foto: visitorx/Pixabay)

No fim de 2013 e início de 2014, adolescentes das periferias brasileiras combinaram encontros e passeios em shoppings de suas respectivas cidades. Esses encontros, alguns marcados pela repressão policial, geraram repercussão nacional. Os chamados rolezinhos evidenciaram a problemática social brasileira, o racismo enraizado no país e a faceta da segregação que o consumo pode promover.

Atualmente, o consumo está presente nas atividades mais simples relacionadas à sobrevivência humana, como alimentação, moradia e vestimenta, até as atividades mais complexas. Logo, promove a criação da identidade pessoal e social e da ideia de pertencimento a um grupo. Pode-se dizer que o consumo incorpora várias faces na sociedade, e uma delas é a diferenciação social.

Considerando essa ideia de consumo é possível relacionar os desdobramentos dos rolezinhos no Brasil com os problemas sociais do país. Porque os jovens escolhem shoppings para se encontrarem e se divertirem? Qual foi a opinião pública sobre os rolezinhos? A repressão policial e o impedimento de acesso ao local dizem o quê sobre o consumo e a sociedade brasileira?

Para entender como esses três questionamentos estão ligados, é importante pensá-los, de início, separadamente. Cláudio Bertolli, antropólogo e professor da Unesp de Bauru, explicou alguns pontos que levam os jovens a buscarem diversão em shoppings. Ele afirma que os jovens são “bombardeados com mensagens publicitárias”, o que desperta a ansiedade em possuir um conjunto de itens vistos em propagandas.

Nesse contexto, jovens da periferia saem de seus bairros onde, geralmente, esses produtos não estão disponíveis para o consumo para espaços nos quais existam. O que se deve levar em conta é que esses jovens saem de seus espaços habituais de convívio e vão para lugares onde, tradicionalmente, não são esperados.

Outro aspecto levantado pelo antropólogo é a segurança que os shoppings carregam como valor embutido. Além de ser um lugar versátil, onde há espaços para passear, comprar, comer se necessário, etc, são seguros. Pelo menos fazem com que as pessoas se sintam seguras. Isso, de certa forma, também atrai os jovens para lá.

Para saber a opinião popular sobre os rolezinhos na cidade de São Paulo, o instituto Datafolha realizou, em janeiro de 2014, uma pesquisa com 799 pessoas, com 16 anos ou mais. Elas deveriam responder à pergunta: “você é a favor ou contra a realização de ‘rolezinhos’ nos shoppings?”. Mais de 80% dos entrevistados foram contra. Acreditavam que o intuito dos jovens era causar tumultos, e não se divertir. A margem de erro é de 4 pontos percentuais para mais ou para menos. Veja no inforgráfico mais detalhes das pesquisa.

Fonte: DataFolha

 

Incômodo

Como evidenciado pelo Datafolha, os paulistanos foram, majoritariamente, contra esses encontros. A maioria concordou que os shoppings deveriam impedir o acesso dos jovens da periferia, além de serem a favor da repressão policial para que eles não pudessem ter acesso a esses locais.

Por que os frequentadores dos shoppings se sentem tão incomodados com a presença de jovens periféricos em seus espaços de consumo? O professor Bertolli explica que esse estranhamento é comum. São pessoas de diferentes segmentos sociais que não compartilham um código cultural semelhante disputando o mesmo espaço. “A classe média não se vê em jovens da periferia, por isso, aponta o outro (jovens periféricos) como o estranho, como aquilo que não faz parte e, portanto, não deveria estar ali”, afirma o antropólogo.

O consumo associado à identidade é um elemento importante nesta questão. A classe média não quer sua imagem associada ao mesmo consumo das camadas subalternas. Como reforça Claúdio Bertolli, o meio para impedir esses jovens de frequentar espaços destinados à classe média é agir com repressão. Impedindo-os, portanto, de estarem ali e causarem qualquer incômodo ou problemas aos habituais frequentadores.

Um dos argumentos mais recorrentes dos críticos aos rolezinhos era de que os jovens marcavam tais encontros para “tumultuar e fazer arrastões”. Roubos e furtos foram casos isolados. Os arrastões não aconteceram. O debate gerado na sociedade era sempre sobre o medo que a classe média tem de pessoas da periferia e o preconceito que se cria sobre o outro.

O direito de ir e vir estaria sendo violado em função de um receio dos habituais frequentadores dos shoppings? Ou os shoppings como empresas privadas têm o direito de escolher quem acessa seus espaços? Opiniões diversas se dividem quanto a essa questão. Para compreender a questão do ponto de vista da antropologia e pensá-la de maneira mais profunda, Cláudio Bertolli – professor de antropologia  da Unesp de Bauru – explica como os rolezinhos estão ligados ao consumo e à desigualdade social.

Racismo 

Os rolezinhos eram compostos, em sua maioria, por jovens negros. A violência que sofreram, tanto social, quanto policial, deve ser discutida também a partir do campo étnico. Alguns shoppings selecionaram quem ingressaria em seus espaços a partir da cor da pele e muitas das opiniões públicas a respeito dos rolezinhos eram de caráter racistas. Tais fatos  alertam a sociedade brasileira sobre a importância do debate sobre racismo em espaços públicos.

Juarez Xavier é professor de jornalismo da Unesp de Bauru. Ele chama a atenção para a necessidade de discutir o preconceito no país.  Reitera que o racismo não é apenas um problema de pretos e pobres e que é dever e responsabilidade de todos colocá-lo em pauta e desconstruí-lo.

Para pensar profundamente sobre o racismo no Brasil e como ele foi evidenciado a partir da reação popular aos rolezinhos em shoppings, Juarez Xavier concedeu uma entrevista ao Repórter Unesp.

 

A repercussão social dos rolezinhos que aconteceram em 2014 evidenciou que vivemos em uma sociedade racista. Porque eventos como esse têm o poder de trazer à tona a problemática social? 

Podemos dizer que a democracia racial em nosso país é um mito. Porque esse mito existe?

Há sociólogos que analisaram o impedimento de acesso desses jovens aos shoppings como um apartheid “a brasileira”. O senhor concorda?

Como relacionamos os rolezinhos à desigualdade social e à segregação racial?

Muitas pessoas defenderam o uso de violência contra os jovens. Podemos linkar esse fato com o racismo?

Qual é a importância em discutir o racismo nos rolezinhos?

Evidenciarmos como a história do nosso país gerou o racismo e submeteu a população negra, ou parte dela, à exclusão social tem importância na desconstrução do racismo?

Qual é a importância de políticas públicas para a desconstrução do racismo?

O que deve ser informado e discutido para que essa pauta ganhe força no debate público e possa gerar mudanças?

Ampliando a visão

Em agosto de 2000, na cidade do Rio de Janeiro, moradores da periferia, de rua e alguns integrantes do Movimento Sem Terra combinaram um ato de ocupação no Shopping Rio Sul. Foram com suas famílias e amigos passear pelo shopping, entraram nas lojas e fizeram um lanche na praça de alimentação.

Proprietários fecharam lojas por medo. Vendedores se recusavam a atendê-los. Frequentadores habituais dos shoppings não gostaram e a intervenção policial também se fez presente. Não houve roubos, nem depredações. Você pode conferir como se deu o evento e como especialistas o analisaram no documentário Hiato.

Esse evento está diretamente ligado aos rolezinhos de 2014 e a concepção social que se tem entre eles é muito semelhante. Fazer essa ligação torna a discussão mais ampla e rica e ajuda na reflexão de como a sociedade brasileira ainda não solucionou muito problemas sociais pendentes.

Repórter: Ana Carolina Ribeiro

Produtora Multimídia: Daniela Arcanjo

Editor: João Pedro Pavanin Del Arco

Agradecimento: José Guerreiro, operação de vídeo

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