Jornadas de Junho marcam a volta dos brasileiros às ruas
As manifestações de 2013 foram as maiores após 20 anos e deixaram como herança a cultura do protesto
Em 2013, uma onda de protestos atingiu o Brasil. Iniciada pelo aumento da passagem do transporte público na cidade de São Paulo, o mês de junho foi o que ficou marcado na história.
Protestos no país ocorriam desde fevereiro daquele ano em Porto Alegre. Foi organizado pelo Bloco de Luta por um Transporte Público (movimento que unifica organizações pela melhoria do transporte público). A mobilização reuniu cerca de 200 pessoas contra o novo aumento do preço da passagem na capital gaúcha.
Os protestos seguintes, que ficaram conhecidos como Jornadas de Junho, começaram no dia três de junho na capital paulista. Foram, inicialmente, convocados pelo Movimento Passe Livre (MPL). Em uma semana, ocorreram quatro grandes protestos: nos dias 6, 7, 11 e 13 de junho. Todos eles foram marcados por confrontos com a polícia militar.
Segundo Ilse Scherer-Warren, doutora em Sociologia e professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina, essa violência policial foi uma das razões da ampliação das manifestações. “A motivação para a mobilização se ampliou em termos de participantes e de abrangência territorial nas manifestações seguintes”, completa ela.
Grandes jornais, como a Folha de São Paulo, distinguiram três fases dos protestos. A primeira delas focou na tarifa e reuniu majoritariamente estudantes. Nesse primeiro momento, a mídia se posicionava contra as manifestações. Por consequência, grande parte da população também partilhava dessa visão.
Após repressões por parte da polícia, tanto a manifestantes, quanto a jornalistas, a segunda fase das manifestações arrastou multidões contra a baixa qualidade dos serviços públicos, a corrupção e outros problemas de ordem nacional.
Na terceira fase, ocorreram as manifestações mais radicais, que já não contavam tanto com o apoio da população. Esta fase foi marcada pela tática dos autointitulados “black blocs”, estilo de protesto que surgiu na Alemanha, na década de 1980. Ele é uma ação direta e de corte anarquista, que envolve medidas polêmicas como a depredação de patrimônio.
A juventude nas ruas
A impressão que ficou para algumas pessoas é que foi a partir de 2013 que o Brasil se revoltou e foi às ruas. No entanto, aconteceram manifestações populares significativas na história brasileira antes disso.
Alguns exemplos são as Greves Operárias no início do século 20; a Passeata dos 100 mil, em 1968, no Rio de Janeiro; o movimento Diretas Já, em 1984 e o dos Caras-Pintadas, em 1992.
Porém, esse período de 20 anos entre o impeachment do ex-presidente Collor, em 1992, e as manifestações de 2013 foi o que fez com que muitos brasileiros acreditassem na falta de engajamento político por parte da população.
Em entrevista ao Repórter Unesp, a jornalista Adriana Alves, autora do capítulo “Redes sociais e manifestações: mediação e reconfiguração na esfera pública”, do livro “Jornadas de junho: repercussões e leituras”, afirma que “a juventude, conhecida como geração Y, se engajou literalmente e fez história sobre a alcunha do ‘gigante acordou’. Desbravaram uma nova cena política desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor”, completa.
Quem compôs as Jornadas de Junho
Perguntamos a algumas pessoas que participaram de algum dos protestos das Jornadas de Junho o que as tinha levado para as ruas. O resultado você pode ver no infográfico abaixo.
Particularidades das manifestações de 2013
Adriana Alves, que soma o doutorado em Comunicação Social ao exercício do jornalismo, diz que as manifestações tinham características bem peculiares. “Era uma mobilização mediada por computador. Neste ínterim, uma nova esfera pública conectada toma as ruas com várias pautas reivindicatórias, não apenas por 20 centavos”, destaca a jornalista.
A internet foi um grande diferencial dessas manifestações. A princípio, a grande imprensa não tomou o lado do povo e não mostrava tudo o que acontecia. Ao contrário do que fez a Mídia Ninja, que transmitia em tempo real o que ocorria, sem cortes e edições. Esse fato, somado à força das redes sociais, fez com que as Jornadas de Junho ganhassem tantos participantes e abrangência.
A repórter da TV Tem de Araçatuba, Patrícia Dias, que na época acompanhou as manifestações em Nova Mutum (MT), reafirmou o poder das redes sociais, dizendo que “a cidade tinha cerca de 25 mil habitantes e, assim como em todo o país, a manifestação foi toda combinada pela internet. Mensagens circulavam pelo WhatsApp, havia eventos agendados no Facebook convidando as pessoas e dando informações sobre o ato em si”, explica ela.
“Os manifestantes perceberam que não precisavam de intermediários para reivindicar seus direitos ou lutar por causas que acreditam. Perceberam um potencial de comunicação que ainda não haviam experimentado”, completa Vinicius Carrasco, doutorando em Comunicação e estudioso de movimento sociais.
A divulgação nas redes é uma das particularidades desse movimento. Veja no vídeo abaixo algumas motivações e o perfil de quem participou das Jornadas de Junho.
Resultados positivos?
A repercussão nacional e internacional das manifestações levou o governo brasileiro a adotar medidas para tentar atender às reivindicações. O Congresso votou a favor de caracterizar a corrupção como crime hediondo, arquivou a PEC 37 e proibiu as votações secretas. Muitas cidades voltaram a cobrar os preços antigos das passagens, mas agora, anos depois, esses preços já extrapolaram novamente em diversos lugares do Brasil.
O caráter genérico das manifestações de 2013 foi criticado, apesar de esse ter sido um de seus diferenciais. Foi esse foco estendido que garantiu grande aceitação e engajamento da população.
“Os tempos são outros, são fluídos, líquidos, em que é mais fácil criar novas formas do que manter as anteriores. Estou com Bauman”, afirma Adriana Alves, defendendo a abrangência de pautas nas manifestações.
Vinicius Carrasco explica que as Jornadas de Junho deixaram como herança a experiência, do que ele chama de uma “cultura de protesto”. “Uma postura reativa da população que passou a acreditar, em termos, na mobilização popular, na articulação de ações políticas. Tudo isso através de atos de protesto e na utilização das redes sociais e mídias digitais como forma de ativismo. Assim como no exercício da cidadania como forma de ruptura contra a apatia política”, detalha o mestre em comunicação.
Além disso, a mobilidade urbana foi colocada de vez em pauta no cenário político. Introduziram na rotina de protestos a tática dos black blocs, ainda bastante questionada no Brasil. Mas, acima de tudo, expôs-se a insatisfação, descontentamento e indignação da população com o sistema político vigente.
Desde 2013, o Brasil se tornou palco de diversas manifestações. As principais foram contra a Copa do Mundo em 2014 (“Não vai ter Copa”) e os protestos contra o governo Dilma em 2015. Estes que culminaram nas manifestações a favor e contra o impeachment da presidente no mesmo ano e no ano seguinte.
“Tudo isso é, de certa forma, parte deste legado das manifestações de 2013. Legado no sentido de participação, engajamento e mobilização em prol da cidadania. Todas essas coisas que, até então, não se havia experienciado no país”, completa Vinicius Carrasco.
Reportagem: Jéssica Dourado
Produção Multimídia: Ana Carolina Moraes
Edição: Victor Dantas