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A gestação e a microcefalia: a intermitente relação entre mães e a doença

A doença atinge em sua maioria mulheres jovens inseridas em um contexto socioeconômico desfavorável

Em 2016, foi registrado um surto de Microcefalia pelo Brasil, com maior incidência na região Nordeste. Desencadeado pelo Zika Vírus, milhares de mães viram seus filhos nascendo com a má formação, não causada por uma ocasionalidade, mas por um agente patogênico.  O surto, além de atacar diversas crianças no país, surpreendeu mães que pouco conheciam a doença. O Repórter Unesp falou com especialistas, sobre o problema, e com mães de microcéfalos, sobre como é ser mãe de um portador.

A doença

A Microcefalia é uma situação neurológica de caráter raro, na qual a cabeça e o cérebro são consideravelmente menores do que se comparados com crianças sem a doença e com a mesma faixa etária e sexo. Os ossos da cabeça de um bebê com Microcefalia se separam e se fecham muito rapidamente, impedindo o cérebro de crescer e se desenvolver, podendo prejudicar o desenvolvimento mental, intelectual e físico da pessoa. O bebê pode nascer com os sintomas ou eles podem aparecer nos primeiros meses de vida.

Causas

A Microcefalia pode ser causada por diversos problemas genéticos, infecciosos, e até mesmo por questões ambientais, tais como:

  • Exposição da mãe à cigarros, álcool, drogas e outros produtos químicos durante a gestação, uso de medicamentos contra hepatite, epilepsia, câncer, durante os três primeiros meses da gestação;
  • Desnutrição grave durante a gestação;
  • Meningite, HIV materno;
  • Diminuição de oxigênio para o cérebro do feto, má formação do sistema nervoso central da criança;
  • Infecções como rubéola, citomegalovírus e toxoplasmose;
  • Zika, dengue e a febre chikungunya durante a gravidez, especialmente no primeiro trimestre de gestação.

Algumas crianças portadoras de síndromes como Down, West, Edwards, Cornélia de Lange, Cri Du Chat, Rubinstein-Taybi, Seckel, Smith-Lemli-Optiz e Rett, também podem desenvolver a Microcefalia.

 

Diagnóstico

A doença pode ser detectada ainda durante a gestação, conforme informou a médica neurologista Tânia Saad, especialista em Microcefalia, ao Repórter Unesp. Ela alerta que em alguns casos o diagnóstico pode ser realizado através de um ultrassom simples, mas um diagnóstico mais preciso é necessário que a gestante seja submetida a uma Ressonância Magnética Fetal.

Após o nascimento, o exame clínico pode identificar a doença. É realizado o acompanhamento do crescimento da criança através da medição da cabeça, de exames de sangue e de tomografias computadorizadas. Esses procedimentos são feitos nos primeiros anos de vida e são comparados com uma tabela específica a fim de confirmar ou descartar a Microcefalia.

Tratamento/Prognóstico

A Microcefalia não tem cura e não há medicamentos utilizados em seu tratamento. Uma possibilidade é fazer uma cirurgia, nos primeiros 3 meses de vida, para a separação dos ossos do crânio, para que o cérebro possa crescer e se desenvolver. Sessões de fisioterapia, terapia ocupacional, consulta com psicólogos e fonoaudiólogos podem melhorar a qualidade de vida do microcéfalo. A expectativa dos portadores dependerá do grau de comprometimento que doença tiver causado e do tratamento dispensado a ela.

Saad relatou ao Repórter Unesp “que os pacientes portadores da Microcefalia tem grande chance de evoluir com um quadro de encefalopatia crônica na infância, ou seja, um atraso do desenvolvimento neuropsicomotor em maior ou menor grau, hipertonia, e dificuldades para se alimentar devido à perda dos reflexos de tronco cerebral, como a deglutição e a tosse.” A médica conclui dizendo que a doença pode causar crises convulsivas graves e deficiência intelectual. As crianças também podem apresentar atraso nas funções motoras e na fala, distorções faciais, nanismo, epilepsia, hiperatividade, alterações neurológicas. Em raras exceções, algumas crianças não apresentam problemas de aprendizado.

Histórias

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Cristina Menosso, 50, é moradora de Osasco, na grande São Paulo, e mãe de Luiz Fernando de 23 anos e da pequena Ana Beatriz de 11 anos de idade, portadora da Microcefalia. Cristina nos contou que Ana Beatriz nasceu sem nenhum problema, aos 3 meses de vida ela foi diagnosticada com “Craniostenose” (fechamento precoce de uma ou mais suturas cranianas), e aos 6 meses foi submetida a uma cirurgia para que o cérebro voltasse a crescer e para evitar maiores danos à criança. A cirurgia correu bem, a família e os médicos acreditaram que a situação estava normalizada, mas, conforme o tempo foi passando, Cristina percebeu que sua filha era um pouco diferente das outras crianças, devido ao fato de ela ser muito ansiosa e hiperativa. Mas como a garota sempre gostou muito de livros, de filmes, e de brincar com outras crianças, o próprio pediatra, na ocasião, descartou qualquer problema.

Foi só quando a Ana Beatriz começou a frequentar a escola que descobriram a sequela que a cirurgia deixou. Ela tem um atraso cognitivo, discalculia e déficit de atenção, e, por conta disso, ela não consegue acompanhar o restante da turma. Cristina contou que faz três semanas que Ana Beatriz não vai para escola, por estar sofrendo bullying e por ter sido deixada de lado pelos colegas de sala.  Esse preconceito, para a mãe, gera mais sofrimento que a própria doença da filha. Por outro lado, Cristina diz que a filha é super companheira e amorosa, e que agradece a Deus todos os dias por ter tido a Ana.

Lucia Peres Regina, 30,  vive em Palmas, capital de Tocantins, e tem três filhos: um de 14 anos, um de 11 anos e o Gabriel que tem 7 anos. Foi mãe cedo, mas diz que apesar disso não se arrepende de ter tido nenhum dos três filhos. Quando engravidou do Gabriel, ela morava no interior de estado e, como ela mesmo citou, a saúde era de péssima qualidade: apesar do pré-natal ser iniciado cedo, as consultas eram feitas apenas por enfermeiros. No quarto mês de gestação, Lúcia começou a notar algumas diferenças.

Ela começou a ter desmaios, muita febre e, no sétimo mês de gestação, sentia dores insuportáveis. Depois de muito insistir, a mãe de Lúcia conseguiu a transferência para Palmas, que ficava a 310 quilômetros da cidade onde ela morava. Durante o trajeto Gabriel resolveu nascer, o motorista resolveu desviar a rota e a levou com sua mãe e seu bebê para a cidade de Paraíso do Tocantins, que fica 63 quilômetros distante da capital.

Gabriel ficou 172 dias na UTI Neonatal. Quando o bebê saiu do hospital, os médicos disseram a Lucia que ele teria diversos problemas de saúde, e que poderia até ficar em estado vegetativo. Ela fala com alegria que a evolução do filho surpreende os especialistas. Ele se comunica por gestos e anda com perfeição, se superando a cada dia. Apesar de apresentar retardo mental grave, isso não impede que ele conviva em sociedade e que frequente a escola.

Depois de tudo que passou, Lucia diz: “aprendi olhar o mundo com outros olhos, aprendi a ser mais humana e a valorizar mais a vida e as oportunidades, e aprendi uma coisa: nunca devemos perder a fé.”

Hoje, Lucia participa de grupos de auxílio a mães que têm filhos com Microcefalia. Ela se mudou para Palmas, onde é mais fácil fazer o tratamento de seu filho. Até hoje ela não sabe o porquê de Gabriel ter a doença, segundo ela, na época “não tinha surgido esse tal de Zika Vírus.”

Jardenia Silva, 19, é mãe de Maria Vitória, de 1 ano e 1 mês . Apesar de nova,  Vitória já é a sua segunda filha. Logo aos 17 anos, Lucia se deparou com a primeira gestação, não se sentindo preparada e ignorando as pressões sociais de uma gravidez compulsória, ela abortou a criança.

Jardenia, que vive em Fortaleza, capital do Ceará, iniciou o pré-natal no terceiro mês de gestação. Mensalmente ela ia no médico do Sistema Único de Saúde, SUS, e fazia ultrassom. Foi assim até o oitavo mês: os médicos dizendo que o bebê estava bem, mas que não era possível ver o sexo. Como Jardenia estava muito ansiosa, pediu para sua mãe pagar um ultrassom particular, para que pudesse ver o sexo do bebê.

Durante o exame particular, a primeira pergunta que o doutor fez  foi se ela tinha contraído o Zika Vírus. Na hora, segundo Jardenia, ela já soube o que o médico iria falar. Por conta do surto, a mãe já imaginou que seu bebê teria Microcefalia.

Maria Vitória nasceu no dia primeiro de abril de 2016, no Hospital Maternidade Escola, em Fortaleza. A bebê permaneceu internada até 14 de outubro, contabilizando 7 meses no hospital. Além da Microcefalia, ela tem pernas e pés tortos, displasia de quadril, traqueostomia e gastrostomia (doenças digestivas).  

Jardenia diz que está passando por momentos difíceis, sempre sozinha. Até mesmo na hora do parto ela estava sozinha: sua mãe tinha que cuidar de um irmão doente e seu pai tinha que trabalhar.

Apesar de todas as complicações, os laços mãe-filha vêm se fortalecendo. “A Maria Vitória é o que eu mais amo nesse mundo”.

Estrutura

Na cidade de Bauru, interior de São Paulo, existe o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, conhecido por “Centrinho”, para casos que necessitam de cirurgia. Para tratamentos neuropsicomotor, que são casos não cirúrgicos, a cidade abriga o Centro Especializado em Reabilitação SORRI – Bauru munido de uma equipe multidisciplinar especializada, conforme explica a pediatra Patrícia Pedro Costanzo da UTI do Centrinho.

Confira abaixo a rota do Zika vírus pelo mundo:

Reportagem: Karina Rofato

Produtora multimídia: Luana Brigo

Editor: Vitor Azevedo

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