Conversamos com dois especialistas que discutem as relações e as influências de jogos no caráter dos usuários
No dia 14 de dezembro de 2012, Adam Lanza, um jovem de 20 anos, entrou em uma escola do jardim de infância em Connecticut e matou 27 crianças, além de ter se suicidado. No inquérito policial, foram encontrados games considerados “violentos” no quarto de Lanza, como Left 4 Dead em que se tem que sobreviver a um apocalipse zumbi e Battlefield em que se luta em grandes guerras mundiais. Os jogos foram logo apontados por parte da opinião pública como motivadores do crime, embora o jovem também passasse muito tempo em um estabelecimento jogando Dance Dance Revolution, comum em shopping centers.
O Núcleo de Pesquisa em Psicologia e Informática (NPPI), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP), divulgou em sua coluna um artigo analisando como a violência sempre foi o principal conteúdo de diversão dentro dos games e que dificilmente, pelo menos hoje em dia, ela deixará de ser tema desses jogos.
Quando jogos violentos são lançados, logo surgem pesquisas sobre eles. Para o NPPI, é necessário questionar os métodos utilizados nas investigações, tanto nas que dizem que jogos estimulam a violência quanto nas contrárias a essa ideia. O maior problema nas investigações sobre o tema são as pesquisas feitas em ambientes controlados, sem conexão com o mundo real e com amostras que representam apenas uma parcela específica da população, como crianças, adolescentes e universitários.
Dois especialistas em games conversaram com o Repórter Unesp sobre o controverso tema da relação entre violência e jogos. Lynn Alves é professora da Universidade Federal da Bahia, possui pós-doutorado em jogos eletrônicos e coordena o núcleo “Comunidades Virtuais”. Bruno Arruda é ilustrador da Zeon Studios – empresa especializada em criar soluções em Realidade Virtual.
Cada vez mais cedo as crianças têm contato com produtos e jogos eletrônicos. Os jogos podem influenciar o comportamento delas?
Lynn Alves: Nós, enquanto adultos, temos que fazer a mediação das crianças com os jogos. Mediação de tempo, de conteúdo, do sentido que elas atribuem a essas narrativas, a essas histórias. Temos que ficar atentos ao sinais que a criança dá, não só interagindo com as tecnologias, mas a tudo que ela faz, porque tudo pode influenciar no seu comportamento. Se a criança começa a indicar um comportamento que destoa do esperado, deve-se investigar a causa. Mas eu não acredito que os jogos possam influenciar de forma negativa o comportamento de crianças, jovens ou adultos.
Bruno Arruda: Eu acho que não. Algumas pessoas já têm um viés violento, então elas costumam culpar os jogos por causa disso. Eu nunca fiquei mais violento porque joguei jogos de tiro, por exemplo. Então, eu não acredito que jogos possam influenciar o comportamento das pessoas.
Os jogos mais vendidos, geralmente, são os de luta e de guerra. Por que a juventude tem preferência por esse tipo de jogos?
Lynn Alves: Porque vivemos em uma sociedade violenta. O escritor Diego Levis disse uma vez que “a violência vende.” A mídia, de diferentes maneiras, traz essas cenas hediondas para nossa casa. Essa relação com a violência é tão próxima que, talvez, termine atraindo as pessoas para conteúdos violentos. Mas, o fato de se sentir atraído não significa que a pessoa vai ser violenta. A interação com esses jogos pode funcionar como catarse num espaço onde descarrega as emoções, as angústias, as insatisfações do dia a dia.
Bruno Arruda: Porque acaba sendo um escape. Todo jogo é um escape. Você passar por uma situação que provavelmente nunca vai vivenciar, o que acaba sendo uma fuga. Não que, necessariamente, a pessoa seja violenta por jogar um jogo também violento. Você tem uma experiência: não que seja gostoso matar, mas você tem chance de experimentar a sensação de sobrevivência, de superar aquela situação. A imersão diz muito sobre um jogo e você acaba tendo uma aventura que destoa da realidade do seu dia a dia.
Existe um certo exagero a respeito da influência de jogos violentos no comportamento das pessoas? As classificações indicativas de idade na capa dos jogos não é suficiente?
Lynn Alves: A mídia, os pais e os especialistas, muitas vezes, fazem uma relação de causa e efeito e não analisam o fenômeno de forma crítica. Um comportamento violento, um ato hediondo, ele tem que ser analisado e compreendido à luz de suas variáveis, de tudo que interferiu para chegar naquele comportamento. Não dá pra dizer que “jogou e ficou violento”. Acho que a classificação indicativa não é suficiente para impedir o usuário, porque, várias vezes, as crianças jogam jogos que não são indicados para a idade delas e os adultos sabem e deixam.
Bruno Arruda: Os jogos não influenciam nas atitudes das pessoas. Elas não ficam mais violentas por jogarem algo que lhes dá uma experiência diferente do que elas têm no dia a dia. O jogo acaba sendo um bode expiatório para esse comportamento violento que está intrínseco na pessoa. A respeito das classificações indicativas, eu as considero suficientes, mas em certos games, elas são até um pouco exageradas.
Como os pais devem lidar para que o jogo não se torne a referência das crianças?
Lynn Alves: Os pais devem criar vários momentos de interações para as crianças, desde interações com as tecnologias digitais até com a bola, com a rua, com o cinema, com os amigos e com os próprios pais. Eles têm que possibilitar que a criança construa um background de referências. Se você deixa a criança o tempo todo só interagindo com videogame, com certeza isso não lhe fará bem. A presença do adulto é fundamental para ver como a criança estão compreendendo e interagindo com qualquer mídia, em qualquer interação na vida dela.
Bruno Arruda: Tudo em excesso faz mal. Então, acredito que os pais devem ter um controle sobre as atividades das crianças. Tem que saber o que o filho está fazendo, seja no jogo virtual ou na rede social. Os pais têm que ter controle, porque as crianças são dependentes deles, porém esse controle não pode ser feito de forma exagerada.
A respeito da cultura de que jogos eletrônicos estimulam a violência das pessoas, como o Brasil vê isso?
Lynn Alves: No Brasil, como em outras sociedades, é muito comum ver que, quando acontece algum ato hediondo, principalmente envolvendo jovens, é comum culpar imediatamente os jogos sem analisar a história dessa pessoa como um todo. Eu acho que temos um olhar muito acrítico, que não analisa o contexto.
Bruno Arruda: A produção de games no Brasil está muito boa. Temos eventos dedicados para isso, sendo considerados os maiores da América Latina, com uma tendência de crescer cada vez mais. E a mídia tem sempre que achar um problema para as coisas e os jogos acabam sendo colocados como esses problemas, mas, na verdade, o problema está em várias outras questões sociais que moldam o comportamento das pessoas.
Glitch
No último dia 25 de maio, o SESC de Bauru recebeu o evento Glitch. Desenvolvedores de jogos, conteúdos virtuais e amantes dos games se reuniram para mostrar suas invenções e conversar sobre o mundo dos games.
O repórter Unesp foi até lá para saber a opinião deles a respeito da violência dos games.
Jogos violentos estimulam a violência das pessoas?
“Dependendo da pessoa e como ela encara mídias e coisas mais lúdicas, acredito que pode sofrer uma influência sim. Só não acredito que seja uma influência maior do que qualquer outra mídia que ela possa consumir, como um filme por exemplo.” Diego Sato, Game designer Big Green Pillow.
“Dizer que o jogo influencia comportamento violento é ignorar todo o contexto no qual o indivíduo está inserido e o caminho que o fez chegar a determinada situação. Culpar os jogos por estimular comportamento nas pessoas é errado.” Maciel Barbosa, estagiário de design na Mgaia Studios.
“Da mesma forma que um vídeo-game violento tem um efeito sobre uma pessoa, existem filmes violentos, literaturas violentas… não se pode culpar estritamente os jogos por uma coisa que está intrínseca à pessoa. Às vezes, a pessoa tem um pré-disposição à violência e acaba se culpando os jogos.” Victor Cesário, estudante de Ciências da Computação – Unesp Bauru.
Reportagem: Isaac Toledo
Produção multimídia: Victor Dantas
Edição: Matheus Ferreira
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