Falar sobre violência no país que mais mata no mundo sempre vai ser um desafio. Especialmente quando as causas dessa violência estão alicerçadas no racismo, na desigualdade social e na manutenção de privilégios de classe e raça. Coisas ainda tão presentes, mesmo que quase sempre vistas como algo já “superado” na história do Brasil.
Escrever e expor dados e realidades que concernem o encarceramento, reintegrações de posse e o genocídio da população negra ainda significa nadar contra a corrente que guia os rios da grande mídia, quase sempre pautada por aqueles cujo maior interesse é a manutenção de tudo isso e não seu combate e repúdio.
A 41ª edição do Repórter Unesp não foi nomeada como “Cultura da Violência” despropositadamente. Se o principal objetivo das reportagens apresentadas pela edição era o de colocar sob os holofotes temáticas marginalizadas, vistas sob uma outras perspectiva que não a do senso comum, a meu ver, este foi alcançado.
A factualidade está presente em quase todos os textos que compõem a edição, o que tornou a leitura interessante e me fez querer ir até o final dos conteúdos. Algumas das matérias, entretanto, se beneficiariam mais se tivessem mais fontes para discutir a temática – falha perdoável, já que essa parte da construção da narrativa independe apenas da boa vontade do jornalista em fazer a pauta dar certo.
Apesar do tema complexo e duro, a leitura da edição não é tão difícil quanto normalmente se espera de reportagens que tratem da violência policial nos presídios ou de reintegrações de posse em terras ocupadas.
O choque está presente na medida certa e sob avisos de imagens gráficas, que não foram utilizadas com cunho sensacionalista, mas com o objetivo de ilustrar uma realidade – ainda que muitos se recusem a enxergá-la.
A meu ver, o que contribuiu para essa flexibilização do conteúdo foi a humanização da temática, posta através dos olhos da população e de quem vivencia as diferentes realidades apresentadas. A pluralidade de criticar a violência carcerária e, ao mesmo tempo, ter um militar como fonte principal em uma das reportagens mostra que a edição buscou não generalizar as narrativas.
Alguns pequenos deslizes técnicos ocorreram, como é de se esperar, já que nenhum jornalismo é perfeito, por mais que este se esforce. Entretanto, eles pouco alteraram a qualidade da transmissão da mensagem, que se mantém clara ao longo de toda a leitura: a violência no Brasil é um problema de muitas camadas e não individual. E é urgente que passemos a enxergá-lo dessa maneira, sendo este esclarecimento a única alternativa real que pode nos fazer avançar rumo a seu verdadeiro combate e erradicação.