eSport é coisa séria: a ascensão dos games ao nível profissional

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Jogos de vídeo game sempre povoaram o imaginário coletivo como uma brincadeira e como um passatempo. Ouvir alguém dizer que dedicará seu tempo a ser um jogador profissional de “eSport”, como são nomeados os jogos digitais, ainda pode soar estranho pra maioria das pessoas, mas na verdade isso vem se tornando mais viável e normal do que se imagina.

A competição é algo inerente à natureza dos games. Parte considerável dos jogos digitais, assim como os que se passam fora de uma plataforma eletrônica, visam uma diversão que se dá através da disputa. Dessa forma, os predecessores dos “esportes digitais” nascem quase simultaneamente à criação desses jogos. Na década de 80, jogos de fliperama deram origem aos primeiros grandes “eventos gamers”. Em 1981, o The Space Invaders Championship reuniu 10 mil pessoas nos Estados Unidos. Nos anos 90, a Nintendo começou a organizar os primeiros campeonatos e a dar uma premiação considerável aos seus vencedores (algo próximo a US$10.000). É nessa década também que surgem alguns dos jogos que consolidaram as primeiras comunidades competitivas.

Counter Strike, Warcraft, StarCraft, Age of Empires, Quake, Fifa; todos esses jogos conquistaram um bom número de pessoas, entre jogadores e torcedores. Porém nenhum deles tinha um público massivo. Os campeonatos, primeiramente, aconteciam em convenções, que juntavam os páreos de diversos jogos a fim de atrair um público maior. Alguns desses jogos beiraram a profissionalização. Por volta de 2005, a equipe brasileira de Counter Strike MiBR viajou o mundo disputando campeonatos e, inclusive, sendo campeã. O sucesso da equipe fortaleceu campeonatos locais, mas não houve uma maturação do cenário brasileiro.

É a partir de 2010 que os e-sports se fortalecem e começam a se profissionalizar, principalmente o League of Legends. O LoL, como é mais conhecido, é um jogo no estilo MOBA (Multiplayer Online Battle Arena, ou “arena de batalhas online para vários jogadores” em tradução livre), em que 10 jogadores, divididos em dois times de cinco, têm como meta destruir a base da equipe inimiga. Para alcançar o objetivo, as equipes têm de construir táticas de grupo, desenvolver domínio técnico e treinar seus jogadores de modo individual, tal como vários esportes coletivos.

O LoL é um jogo onde os jogadores criam táticas para melhor usufruir o mapa. (Imagem: Divulgação/Riot)

Rafael Peres, ou “Rafes”, como é conhecido na comunidade de LoL, fez parte da “primeira leva” de profissionais do game. Ele chegou a trancar por seis meses a faculdade de Engenharia Ambiental, que cursa na Unesp Sorocaba, para se dedicar totalmente aos treinamentos. Atuou como profissional de 2010 a 2013 e foi campeão do primeiro CBLoL (Campeonato Brasileiro de League of Leagends), em 2012.

Durante dois meses, Rafes morou em uma gaming house, ambiente de concentração onde os gamers ficam reclusos e se concentram apenas no treinamento. “Na gaming house moravam cerca de 15 pessoas: 5 jogadores, 1 técnico, os donos do time e os responsáveis pelo nosso conforto. A única preocupação dos jogadores era treinar.”

O League of Legends saiu na frente dos outros eSports devido a atuação da empresa dona do jogo, a Riot Games, que começou a investir em competições e em infraestrutura para os jogadores profissionais. Com isso, além de ser dona da plataforma do jogo, a Riot se tornou a principal organizadora de campeonatos de LoL, tanto no Brasil quanto no mundo. Em 2012, o primeiro Campeonato Brasileiro de League of Legends, do qual Rafes foi campeão, premiou com 51 mil reais a equipe vencedora.

O investimento deu resultado: os números de jogadores e de torcedores tiveram um “boom”. Segundo a Riot, na final do campeonato mundial de 2012, 1.6 milhões de pessoas assistiram ao jogo. Na de 2016 o número de telespectadores saltou para 43 milhões de pessoas.

Assim como a audiência, aumentou também o dinheiro em circulação no game. Na época em que atuou como profissional, Rafes conseguiu um bom dinheiro, suficiente para comprar seu primeiro carro, mas hoje em dia as cifras são bem maiores. “No meu tempo os salários variavam de dois a cinco mil reais, dependendo da força de imagem que o jogador tinha. Hoje nenhum jogador profissional ganha menos de cinco mil.”

Os dados são do canal da ESL, a liga mais assistida do CS, e da Riot, a liga mais assistida de LOL, no Twitch. (Infográfico: Julia Gonçalves)

A Riot foi visionária. O jogo Counter Strike: Global Offensive (CS:GO) foi lançado três anos depois do League of Legends, mas já possuía uma comunidade consolidada devido ao seu antecessor, o Counter Strike 1.6. No entanto, está demorando mais para se profissionalizar do que o LoL, que foi “lançado do zero”. O CS:GO é um jogo de tiro em primeira pessoa, no qual um time de cinco “Contra terroristas” enfrentam um time de cinco “Terroristas”. Esses têm de plantar uma bomba e fazê-la explodir; aqueles têm de impedir que a bomba seja armada ou desarmar a bomba. No 15º round, os times se invertem.

O CSgo é o segundo jogo mais assistido da twitch.tv. (Imagem: Divulgação)

Giovanni Deniz, ou “Gio”, é atualmente técnico da INTZ, uma das maiores equipes de CS:GO do Brasil. Trabalhando com o jogo desde 2016, Giovani afirma que é difícil se sustentar apenas com o CS no Brasil: “A diferença do LoL pro CS é que a desenvolvedora do LoL [RIOT] investe no jogo. A Valve [empresa dona do CS] não apoia da mesma forma, não estrutura o cenário e, dessa forma, ele fica dependente de jogadores e patrocinadores”. Para “Gio”, os investimentos no CS crescem, porém ainda ficam muito aquém se comparados aos do League os Legends.

Contudo, mesmo sem o apoio da Valve, a profissionalização do CS:GO no Brasil está acontecendo. Os campeonatos brasileiros vêm angariando público aos poucos. Giovanni afirma que “no CS ainda não é viável viver só do game hoje. Mas pelo ritmo em que estamos, nos próximos 6-10 meses isso já deve se tornar uma realidade”. As empresas GamersClub e ABCDE estão investindo no cenário brasileiro do jogo. Neste ano acontece pela primeira vez a Copa Brasil de CSgo, uma aposta no desenvolvimento cenário brasileiro.

Mas não é por estar um pouco atrás em infraestrutura que os jogadores de CS brasileiros se esforçam menos. Giovani, por ser técnico, se dedica inteiramente ao game e afirma ter um dia a dia disciplinado de estudos do jogo. “Meus horários vão da oito ou nove da manhã até uma ou duas da madrugada. Seis dias na semana. Sento, estudo o mapa, corrijo buracos em táticas, busco coisas novas… Tenho hora pra tudo.”.

Espaço nas grandes mídias

A Riot também foi pioneira na cobertura midiática dos eSports. A própria empresa começou uma cobertura mais profissional do jogo de que é dona. Segundo a assessoria, “a Riot Games tem um portfólio de conteúdo bastante robusto. O programa ‘Depois do Nexus’, por exemplo, faz parte desse portfólio que nós produzimos.”

O investimento em mídia também foi crucial para o fortalecimento do game. Segundo a Riot, a média de espectadores registrada em nos jogos do CBLoL hoje em dia é de 150 mil. “As novas audiências rapidamente se engajam ao assistir a eventos com público tão apaixonado e com alto padrão de qualidade e produção”, afirma a assessora. Canais de esportes “tradicionais” também voltaram suas atenções aos games. ESPN e SportTV já cobrem os principais campeonatos brasileiros e mundiais, principalmente de LoL, CSgo e FIFA. Jogos como Hearthstone, Clash Royale, DOTA 2, Rainbow Six e vários outros também têm espaço na cobertura.

Roque Marques é jornalista da ESPN, canal que já conta com três programas sobre eSports fixos na grade, e trabalha exclusivamente na cobertura dos jogos eletrônicos. Ele acredita que a recepção aos eSports tem sido positiva. “Para alguns leitores/espectadores mais ‘hardcore’ da ESPN, é difícil aceitar que o ‘joguinho’ virou esporte e que ganhou a nossa cobertura, mas, no geral, as pessoas gostam muito de ver as empresas do ramo esportivo adentrando no meio.”.

Para ele, que começou a carreira cobrindo esportes tradicionais, a cobertura profissional dos esportes eletrônicos tende a aumentar. “O espaço que conquistamos é cada vez maior. A diferença entre cobrir eSports e esportes está se tornando pequena, já que os dois cenários estão ficando cada vez mais parecidos.”.

Repórter: Vitor Azevedo

Produtora Multimídia: Julia Gonçalves

Editora: Helena Botelho

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