Público LGBT segue na luta por representatividade nos games

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Um sanguinário general espartano, um destemido encanador bigodudo, um ex-titã poderoso. Existe uma quantidade abundante de protagonistas masculinos fortes e valentes, que não hesitam em arriscar suas vidas para resgatar donzelas em perigo ou em usar a violência para alcançar seus objetivos. Porém, nesse universo dominado teoricamente por homens heterossexuais, onde está a representatividade dos jogadores gays, ou melhor, do grupo autointitulado “gaymers”? E por que são retratados por figuras caricatas e de pouco destaque nos videogames?

De acordo com os aficionados por jogos eletrônicos, entrevistados pelo Repórter Unesp, a representação existe e se mostra em personagens como a transgênero Birdo “Birdetta”(Super Mario Bros. 2), o bissexual Jacob Frye (Assassin’s Creed Syndicate) e a lésbica Ellie (The Last of Us), mas também em uma série de figuras estereotipadas.

Isso porque costumam apresentar traços forçados, difundidos por uma visão social errônea e preconceituosa. “Se pararmos para pensar, a maioria avatares de games tem uma carga de estereótipo em si. E não seriam diferentes os personagens LGBT que, às vezes, são estereotipados ao extremo, sempre secundários e fora da missão principal do jogo”, afirma o gamer Murillo Rosa.

Apesar de retratar figuras trans, bissexuais e lésbicas, tal clichê se revela com mais frequência em personagens do sexo masculino. De forma geral, homens homossexuais são representados, nos jogos eletrônicos, como extravagantes, efeminados e indefesos, como o lutador Dan Hibiki, de Street Fighter.

A personagem foi criada como paródia depreciativa dos lutadores da SNK, empresa que competia no setor de jogos de luta. Imagem: Capcom/Divulgação

O gamer Bruno Luiz Ribeiro, que faz parte da comunidade LGBT, explica que Hibiki recaiu sobre o lugar-comum do “ser” gay – uma figura fraca e histérica – por ser medroso e “chiliquento” e também por vestir rosa. Segundo ele, o personagem “foi usado por muito tempo como ‘carro alegórico’ da franquia, servindo de “chacota quando escolhido para se jogar”.

Ribeiro reforça, ainda, que esse tipo de situação acontece em função de fatores que vão desde o desconhecimento de alguns desenvolvedores sobre como representar, de maneira coerente, a comunidade até o preconceito imerso no meio virtual. “Os games ainda são produzidos por e para homens brancos e cisgêneros. Eles são reflexos de uma cultura machista, racista, misógina e LGBTfóbica, e são reproduzidos, em igual tom, por grande parte dos jogadores”.

Assim como ocorre no mundo real, esse discurso agressivo torna a comunidade dos games ainda mais tóxica, especialmente para os usuários que se vêem enquadrados nessas questões. “Em jogos online há preconceito explícito, desde xingamentos até assédio moral. Muitas garotas gamers sofrem com isso, com pouca representatividade e sexualização extrema. Com jogadores LGBT isso também acontece, pois vivemos em um mundo homofóbico, que preza não pelo jogo em equipe, mas pela sexualidade dos integrantes de seu time”, revela Rosa.

Para os desenvolvedores de games Rafaella Ryon e Dinart Filho, da empresa paraibana Ninja Garage, é muito complicado tratar de estereótipos, já que o tema envolve expectativas, leituras e julgamentos. Nessa perspectiva, qualquer avatar é tido uma alegoria, isto é, uma interpretação construída de referências: “não há como escapar disso, desses julgamentos, dessa subjetividade. O máximo que pode ser feito, além de “não ser malvado” quando criar seus personagens e situações, é esperar que o público “não seja malvado” ao lê-los, e escutar com cautela as diferentes vozes”.

Viva à diversidade!

Apesar das problemáticas, as referências de avatares LGBT vem ganhando cada vez mais espaço nesse universo. Atualmente, os games de grande circulação que mais abraçam a diversidade são os RPGs das desenvolvedoras BioWare e Atlus.

Em Persona 4, lançado em julho de 2008, a Atlus apresenta aos gamers um jovem homossexual como um de seus personagens. Kanji Tatsumi se destaca entre uma gama de figuras LGBT por não ser caricato, profundo em sua história e personalidade. Ele não é um adolescente bem resolvido e, assim como as pessoas de sua idade, está descobrindo quem realmente é e sua sexualidade. Embora Tatsumi não seja protagonista, sua participação na trama mostra que é possível fugir do clichê, trazendo um enredo rico e livre de preconceitos.

Já a desenvolvedora BioWare, além de inserir personagens homossexuais em seus produtos, utiliza também outro recurso para alcançar a tão desejada representatividade: ela dá aos “gaymers” a liberdade para escolherem a orientação sexual de seus avatares, para se expressarem da maneira que se sentirem melhor. Star Wars: Knights of the Old Republic e Mass Effect são provas disso.

A proposta das personagens de Massive Madness começa a despertar interesse fora do Brasil. (Imagem: Ninja Garage)

A quebra da linearidade de estruturas de personagens e narrativas de videogames podem, ainda, ser rompidas por meio de outras alternativas, como ocorre no jogo brasileiro Massive Madness, criado por Ryon e Filho, que traz como protagonistas dois avatares transgênero e um esqueleto, cuja presença reafirma a concepção de que o gênero pode ser completamente suprimido.

No game, a ideia expressa visualmente nos personagens principais, Paris e Tess, é a de desafiar perfis rígidos de gênero. “Existe uma pressão social para que as pessoas atendam a conformidade binária de gênero e papéis pré-estabelecidos do que se espera ‘ser um homem ou ser uma mulher’. Aqui, o ponto de partida é reconhecer que existem identidades de gênero, além do binário, e que os estereótipos são artificiais”, pontua o casal.

Com Massive Madness, os criadores buscam também passar a mensagem de que toda e qualquer característica atribuída a um gênero específico pode ser intercambiável. E mais: procuram, por meio de seus personagens, deixar claro que a “passibilidade” – termo usado para referir-se ao quanto uma pessoa trans atende a um ideal socialmente construído de homem ou mulher cisgênero -, ainda que seja tida como uma questão de segurança para os/as transgêneros, é um conceito opressivo.

“Paris e Tess não têm gênero definido. Cada um se expressa de modo a ultrapassar barreiras, misturando características atribuídas ao sexo feminino e ao sexo masculino. Não há expectativas impostas pela sociedade e nenhuma discriminação decorrente disso na composição desses personagens”, explicam Ryon e Filho.

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O assessor de games, Ariel Velloso, afirma que iniciativas como as da Atlus, BioWare e Ninja Garage são importantes, porque divulgam valores e permitem vivenciar experiências que seriam muito difíceis (ou até impossíveis) de outra forma. “Jogos sobre um personagem ou enredo com a qual você se identifica, podem ser um grande passo para desmistificar determinados preconceitos. Além disso, a oportunidade de colocar-se no lugar desse avatar e de vivenciar a trama acontecendo ao redor de suas ações, é algo muito poderoso”.

De acordo com ele e com os demais entrevistados, é necessário incluir e ampliar ainda mais esses recursos e a temática LGBT no mundo dos jogos, seja permitindo o casamento gay entre os personagens – como promete a franquia Final Fantasy -, seja a partir de discussões sobre a representatividade em grupos e fóruns online. A ideia, no entanto, não é produzir “jogos de gays” ou simplesmente introduzir tais personagens nos games, e sim atingir as demandas desse público a partir de representações mais realistas. Representações que provoquem rupturas no que é considerado natural e que destaquem as múltiplas realidades.

“A representatividade deve ser discutida não apenas nos games, mas em todos os âmbitos. Isso porque ela escancara o real e quebra com essa teoria de que somos binários, oito ou oitenta. Não é à toa que usamos o símbolo do arco-íris para representar isso, as infinitas possibilidades do ser que uma pessoa tem dentro de si”, completa Murillo Rosa.

Repórter: Thais Modesto

Produtora Multimídia: Nathalie Portela

Editor: Yuri Ferreira

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