Custos para ingressar na faculdade são obstáculo entre estudantes e ensino superior público

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A edição de 2016 do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi a que mais arrecadou com inscrições desde 2009. Isso aconteceu devido a um aumento de R$ 5 na taxa com relação à edição de 2015. Este aumento subiu o valor de R$ 63 para R$ 68.

Ela foi a edição com o segundo maior número de inscritos neste período (8,73 milhões), segundo o Ministério da Educação (MEC). E também a mais cara já realizada. A aplicação das provas custou ao Governo Federal R$ 788,3 milhões. E foram arrecadados R$ 136,2 milhões com o pagamento das inscrições.

Um novo aumento na taxa de inscrição em 2017 fez o valor subir de R$ 68 para R$ 82. Esta é uma das mudanças na condução do exame determinadas pela gestão do então Presidente da República Michel Temer.

Em entrevista concedida em abril para a Folha de S. Paulo, Eunice Santos, diretora de gestão e planejamento do Instituto do Ministério da Educação (Inep), atribuiu o aumento à não aplicação de reajuste na taxa entre os anos de 2004 e 2014. Agora o estudante precisa pagar R$ 14 a mais do que em 2016. Mas o ENEM ainda é maneira mais barata e ampla de acessar o ensino superior público.

Estudantes terão de pagar taxas maiores na inscrição de vestibulares. Divulgação – Exame/Abril

Para José Carlos Rothen, doutor em Educação, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador na área de Educação Superior, o impacto econômico é grande para o estudante que quer aumentar as opções de vestibulares. “Além da taxa de inscrição, existem outros custos como, por exemplo, o de deslocamento. Neste ponto, o ENEM é mais democrático: com um único exame é possível se candidatar a diversas instituições”, comenta.

A diferença no valor do ENEM é perceptível. Em especial quando comparado às taxas de inscrição das três principais universidades públicas do estado de São Paulo, 

Os custos de inscrição para ingressar em instituições como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a Universidade Estadual Paulista (UNESP) ultrapassavam os R$ 150 na mais recente edição de seus vestibulares.

Nos últimos 5 anos, a variação do reajuste anual, entretanto, nunca foi maior do que 12% nessas três instituições. Diferentemente do  ENEM, cujo reajuste na taxa é superior a 20% entre a última edição e a de 2017, marcada para setembro.

Veja no infográfico abaixo a comparação entre o salário mínimo e os valores de inscrição destas três universidades e do ENEM.

Os custos individuais de cada um desses vestibulares é próximo de 20% do valor atual do salário mínimo. Ainda assim, o custo de vida no Brasil é alto. Para muitos ainda não é possível despender quase 1/5 da totalidade da renda mínima para prestar exames.

Rio de Janeiro e São Paulo foram listadas pela Economist Intelligence Unit (EIU) como a 27ª e 29ª colocadas na lista de cidades mais caras para se viver. Com a inflação fechando a 10,67% em 2015 e 6,29% em 2016, são poucos os que podem desembolsar essa porcentagem do salário para tentar ingressar na faculdade.

Estudantes que querem prestar vestibular consideram estes valores altos. Ainda mais para quem almeja pleitear uma vaga em mais de uma instituição.

Destino da arrecadação

Em entrevista ao Repórter Unesp, alunos do Cursinho Primeiro de Maio, pré-vestibular gratuito sediado na Unesp de Bauru, comentaram sobre as taxas de inscrição dos vestibulares e como acreditam que o valor seja utilizado.

Beatriz Ferreira tem 18 anos, quer cursar cinema e acha que os valores limitam quem consegue acessar a faculdade. Para ela, os custos “são altos e não são todas as pessoas que vão conseguir pagar para entrar porque a política de isenção não consegue atingir todo mundo”.

Questionado sobre o destino do dinheiro da inscrição, o estudante João Pedro Sgarbi Porto, de 18 anos, disse que acredita que o dinheiro volta para a universidade. “Eu acho que geralmente vai para a instituição e para estrutura da faculdade e tudo mais”, opina.

A disponibilização dos dados de arrecadação com as inscrições dos vestibulares é feita em relatórios anuais na USP, na UNESP e na UNICAMP. Os dados são organizados usando o número de inscritos como unidade de medida, ao invés do real.

Os relatórios não apresentam dados sobre a distribuição do dinheiro arrecadado. Segundo informações cedidas pela assessoria de imprensa da FUVEST, a taxa do vestibular é calculada sempre com base nos custos para realizar a prova. “Ele inclui gastos com contratação de pessoas para elaboração e correção do exame, aluguel de parte das escolas, impressão e distribuição da prova, contratação de equipe de apoio, segurança, etc.”.

O valor também contempla a segunda fase do vestibular. “A FUVEST é realizada em duas fases, ou seja, a logística é duplicada apesar de a segunda fase abranger menos candidatos. Como possuímos uma política de isenções, os custos precisam absorver os gastos com todas as provas”.

Para José Carlos Rothen, a gratuidade é possível, mas não sem concessões. “Seria preciso definir quem arcará com isso, já que o exame tem um custo considerável. Se não for cobrada a taxa, o valor terá que ser absorvido pela instituição. Por um lado, todo serviço público deveria ser de alcance a todos; por outro, a gratuidade poderia levar muitos se inscreverem sem efetivamente desejarem participar do exame”, pondera ele.

Políticas de isenção

Arcar com os custos que vêm com os vestibulares requer planejamento financeiro por parte das famílias. E comedimento por parte dos estudantes na hora de selecionar as instituições. Além da inscrição, vestibulandos que almejam vagas em outros estados pensam nos custos de deslocamento e hospedagem para realizar a prova.

Giulia Bugia Fernandes, aluna do Primeiro de Maio, tem 17 anos e desistiu de prestar odontologia fora do estado de São Paulo por não poder arcar com os custos que iam além da taxa de inscrição. Ela diz que desconsiderou até mesmo opções mais próximas por conta dos valores.

 

Giulia Bugia Fernandes

Felipe Lea Plaza, outro estudante do Primeiro de Maio, 21 anos, ainda não tem certeza se quer fazer artes visuais ou design. Mas já sabe que não será na USP.

 

Felipe Lea Plaza

Estudantes impedidos de desembolsar o valor integral das taxas cobradas para realizar os exames podem recorrer às políticas de isenção. Elas são disponibilizadas por essas 3 instituições, pelo ENEM e por boa parte das universidades do Brasil, públicas ou privadas.

A isenção de taxa é oferecida, em geral, para vestibulandos que tenham baixa renda comprovada. Algumas universidades, como a UNESP, oferecem também reduções subsidiadas de 75%. Elas são destinadas a um determinado grupo de ingressantes de escolas públicas estaduais ou ETECs do Centro Paula Souza.

Veja em mais detalhes informações sobre as políticas de isenção das 3 principais universidades públicas do estado de São Paulo e do ENEM no infográfico abaixo.

Para além das taxas

Para Fabiana Augusta Alves Jardim, doutora em Sociologia e professora da área de Sociologia da Educação da USP, apenas oferecer políticas que isentem o vestibulando do pagamento da taxa de inscrição não é suficiente para aumentar seu interesse em prestar a prova e estimular a candidatura.

“A expansão rápida de vagas no ensino superior resultou numa diferenciação do valor dos diplomas. Nem todo estudante de baixa renda deseja iniciar uma graduação numa universidade pública. E isso não apenas por desconhecimento, mas também por outras questões. Dentre as quais acessibilidade e nível de exigência que torne possível conciliar trabalho e estudo”, afirma.

A doutora em Sociologia acredita que existem raízes mais profundas que justificam esse desinteresse. Ou até desconhecimento de uma parcela da população com relação ao ingresso em uma universidade pública.

“Há uma questão ainda anterior, que é o ‘efeito’ do processo de escolarização sobre as trajetórias vislumbradas como possíveis. Para crianças de camadas populares, que muitas vezes têm pais pouco escolarizados, concluir o ensino médio já representa um valor. Que é, muitas vezes, o final dessa etapa”, explica ela.

“Se as universidades públicas quiserem reconquistar parte dos candidatos que hoje procuram as instituições particulares, seria necessário sinalizar com medidas mais decididas do que a isenção”

Fabiana Augusta Alves Jardim, professora de Sociologia da Educação

A atribuição de noções corretas de valores acadêmicos e de formação é o ponto central da questão. Em especial ao se discutir uma adesão maior dos vestibulandos de famílias menos favorecidas às instituições públicas de ensino superior. “A questão também é garantir que os valores escolares atribuídos aos estudantes de escolas públicas não funcionem como um filtro. O que impede esses jovens ao menos de pleitear uma vaga numa instituição pública”, comenta Fabiana.

Reportagem: Camila Nishimoto

Produção Multimídia: Lucas Ferreira

Edição: Mariana Hafiz

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