A escolha pelo “não”: abstêmios e a pressão pelo consumo do álcool

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A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou, em maio de 2014, o Relatório Global sobre Álcool e Saúde, que apresenta dados sobre o consumo de álcool no mundo e analisa os avanços nas políticas de etílicos. De acordo com o levantamento, 42,3% dos brasileiros, acima de 15 anos, não ingeriram bebidas alcoólicas em 2010. Essas informações envolvem tanto as pessoas que já fizeram uso desses produtos no decorrer da vida, quanto aquelas que nunca os consumiram.

No dia a dia, o brasileiro é inundado por chamados para o consumo do álcool, seja pelas propagandas na televisão, pela tradição de beber “aquela cervejinha” para acompanhar o futebol, seja no happy hour da firma, nas idas aos bares de sexta ou no churrasquinho do domingo. As janelas e convites para o consumo são constantes e beber e, nessas ocasiões, é sempre recomendado e, basicamente, exigido.

Matheus Teodoro, 20, é abstêmio por uma simples razão: ele não sente atração pelo álcool. O desenhista conta que as pessoas costumam estranhar e rotular a sua decisão sobre a abstinência: “Sempre rola um clima meio chato entre as pessoas, ecoa tipo ‘Nossa, ele não bebe, deve ser todo certinho’. Chega a ser engraçado e chato, ao mesmo tempo”.

Por abstêmio considera-se aquele que não consumiu bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses. Fonte: OMS, 2010

Eroy Aparecida da Silva, psicoterapeuta familiar e comunitária, explica que os julgamentos estão “relacionados a estigmas e crenças aprendidas culturalmente”. Segundo ela, esse tipo de comportamento ocorre com frequência entre os jovens, principalmente entre os homens, que costumam relacionar o consumo de bebidas alcoólicas a valores de virilidade e sociabilidade. Isso, geralmente, cria situações desconfortáveis para os abstêmios. “É comum que algumas pessoas “façam de conta” que estão bebendo para não terem que admitir que não bebem ou não gostam de beber, mostrando a força cultural de hábitos em uma sociedade”, completa.

Além de causar desconforto às pessoas que não consomem álcool, esse efeito social pode gerar também interpretações errôneas, em especial quando a abstinência e religião são associadas. O engenheiro civil Rafael Guerzoni, 22, é abstêmio, não porque sua religião o força a praticar a abstinência, mas porque seus princípios o levaram a esse caminho: “Fui criado sob princípios bíblicos e ensinado que devo cuidar do meu corpo e não ingerir álcool. Por ter sido criado nesse ambiente, não sinto vontade e necessidade de beber”.

Rafael Guerzoni diz causar estranhamento por ser jovem e não consumir bebidas alcoólicas. Fonte: acervo pessoal

Rafael comenta, ainda, que sofre com a mesma espécie de julgamento levantada por Matheus e também com as críticas sobre a sua bagagem religiosa. “Algumas pessoas não conseguem entender que religião não proíbe ninguém de beber, isso é uma escolha de cada pessoa”.

Para Eroy Aparecida da Silva, considerar primeiramente a decisão do indivíduo é essencial para a discussão sobre a abstenção do produto. “É necessário o debate na família e também na escola como medidas preventivas para o consumo responsável – com verdade e não julgamento. É importante que as pessoas sejam aceitas na suas diferenças”. Somada a uma boa dose de moderação, respeito às opiniões alheias, não julgamentos e sinceridade pode-se criar, segundo ela, um ambiente mais agradável para todos, sem constrangimentos.

Reportagem: Felipe Navarro

Produção Multimídia: Victor Pinheiro

Editora: Thais Modesto

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