Estados Unidos e Europa se destacam ao mostrarem grupos radicais sem medo de retaliação. No Brasil, e na América os ideais de ódio são pregados por rostos específicos
Muito tem se falado a respeito do crescimento no número de movimentos ultraconservadores, bem como a expectativa – de melhoria – posta sobre líderes mundiais ligados à direita e que compartilham ideais outrora praticados. A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, por exemplo, ilustra bem essa conjectura. As ideias do atual presidente norte-americano demonstram um posicionamento ultranacionalista, belicista, nativista que só corroboram para a sustentação de grupos de ódio.
Historicamente, precisa-se ressaltar que não se pode tentar entender o presente por si só. O cenário conservador atual é apenas um reflexo do que já acontece há séculos – e justamente devido à estrutura conservadora. Portanto, não se trata apenas de uma onda de ódio atual ou pontual, mas sim “um oceano inteiro que tenta constantemente engolir o continente”, nas palavras de Jean Menezes, mestre em História, pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Tomando o contexto atual de reviravolta para governos de direita e a crescente de ultraconservadores, Jean Mezenes pontua um dos supostos motivos para tal:” é entendível a classe média se assustar, porque a crise do capital causa esse tipo de sentimento. A diferença é que, para quem vive na periferia da sociedade capitalista, por exemplo, lutar contra tudo isso não é uma novidade”.
O ultraconservadorismo no Brasil
Dentro deste contexto, o Brasil não fica atrás: o conservadorismo faz parte da história do nosso país. No entanto, Menezes faz uma ressalva: “Há conservadorismo e ele é histórico. Porém, o presente é síntese de múltiplas determinações, unidade de um todo. Não é possível apenas se deter no conservadorismo. Ao falar do aspecto conservador da sociedade brasileira, deve-se levar em conta isso, para não cair na ideia de que ondas surgem do nada: não é o caso”.
Deve-se levar em consideração, por exemplo, movimentos que o país vem enfrentando desde as manifestações de junho de 2013 – que tiveram como estopim o aumento da passagem de ônibus, em São Paulo. Em quatro anos, tendo como pano de fundo uma grave crise política que culminou no impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, o Brasil passa por greves, paralisações, criação de coletivos, ocupações e também crescente de movimentos conservadores. Neste conjunto, entretanto, há uma parcela significativa de pessoas que iniciaram sua militância política, tentando se organizar diante da crise capitalista.
A queda do governo de Dilma e a morte do Presidente de Venezuela, Hugo Chávez, marcam um período de avanço do conservadorismo no âmbito político em toda América Latina. A Argentina, por exemplo, assistiu Mauricio Macri se eleger presidente após o governo de Cristina Kirchner ter enfrentado uma série de acusações de corrupção. E nesse processo de transição, os movimentos ultraconservadores estão mais ativos, manifestando-se contra exposições culturais e políticas.
A diferença entre conservadorismo e ultraconservadorismo
Existe uma diferença considerável entre as definições do que é ser “conservador” e “ultraconservador”. Este último tende a estar mais associado à extrema-direita, fundamentalista com visões radicais contra minorias e direitos conquistados na luta contra o patriarcado. Quem compartilha desta visão não acredita na divisão por classes sociais e que há um inimigo do povo responsável pela crise. Ultradireitistas acreditam ser a própria alternativa para a saída da crise e que as forças armadas devem defender a nação do inimigo, nacionalistas. Soma-se a isso, então, as questões religiosas.
A ultradireita é a parcela ainda mais reacionária da direita. É ele que continua detendo o capital, ainda que tenha como proposta algo mais violento para retomar o crescimento da taxa de lucro da burguesia.
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Os exemplos históricos são clássicos: fascismo na Itália, salazarismo em Portugal, nazismo na Alemanha e franquismo na Espanha. No entanto, estes grupos não foram extintos no século XX, pelo contrário. Em tempos de pós-verdade e redes sociais, grupos ultraconservadores continuam existindo, se reinventando e procurando – e encontrando – espaço.
A crise como um fator
Movimentos como esses aparecem justamente por conta da crise do capital mundial, uma vez que se tem a promessa de que seus ideais são capazes de resolver todos os problemas que têm assolado o mundo. Alguns grupos que estão se reinventando ou que estão em construção são: neonazistas, movimento Alt Right, movimento Tea Party, inúmeros partidos europeus – com candidatos eleitos ou não – e figuras carimbadas na política brasileira.
O professor de história explica: “ao passo que os EUA se apresentam como os defensores da democracia, várias partes do globo estão em guerra. É importante considerar que o desenvolvimento não é só conservador ou progressista, mas desigual e combinado. Nesse movimento todo, a classe trabalhadora pobre é que vem arcando com o desenvolvimento, em todos os sentidos, pois ela é que produz, mas não a que leva. Em tempo de crise, as contradições ficam mais gritantes, seja com Trump no poder ou com o trabalhador pobre que só faz produzir riqueza”.
Os novos movimentos no país
No entanto, no Brasil não há registros de grupos ditos ultraconservadores, isto é, que pregam – além de ideias neoliberais – a violência, a xenofobia, o preconceito deliberado e a ideia de supremacia. Ainda que com poucos votos de fato, o pensamento ultraconservador nacional tem cara – e voz, especialmente na política. Os deputados Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, por exemplo, defendem um discurso de alto teor regressista e preconceituoso publicamente.
Ainda em âmbito nacional, em decorrência da desesperança por conta da grande crise política que assola o Brasil, tem-se encontrado saída na criação de novos grupos, sejam de direita ou de esquerda. O combate à corrupção tende a ser denominador comum dentre os novatos. Ressalva-se, entretanto, que são movimentos e grupos muito divergentes entre si. São alguns deles: Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua, Redes de Ação Política Pela Sustentabilidade (RAPS), Acredito, Agora!, Brasil 21, Bancada Ativista, Quero Prévias e Nova Democracia.
O Movimento Brasil Livre (MBL) e o grupo de Estudantes Pela Liberdade (EPL) são exemplos de ação que abordam o lado mais conservador da política. Ambos são financiados por empresas de capital internacional, a mesma que provém grupos ultraconservadores nos Estados Unidos, como o caso do movimento Tea Party. Basta pegar o caso do Queer Museu, por exemplo, protagonizado por participantes do próprio MBL: o cancelamento de uma exposição de arte justificado pelo que seria de um teor sexual exacerbado e inapropriado para menores de idade, por ferir os princípios da moral e bons costumes da sociedade brasileira.
Os movimentos na Europa
Quando falamos do velho continente, é possível ver o crescimento de diferentes movimentos ultradireitistas em vários países. A razão para tal está, principalmente, no medo causado pelos atentados que vêm se sucedendo em diferentes capitais do ocidente – que, nos últimos tempos, têm sido atribuídos por organizações terroristas como o ISIS e Al qaeda.
Este é um dos motivos pelo qual a ultradireita tem crescido na Europa. Toda esta guinada para regimes de ultraconservadores e conservadores faz parte de um ciclo social.
Basta pegar o eixo Reino Unido, Alemanha e a França. Os três países centrais na política europeia são exemplos claros de que tem crescido a expressão da extrema direita. Esta retórica contra a imigração e de alto nacionalismo, levou, em junho de 2016, a que Inglaterra decidir por meio de seus eleitores sair da União Europeia. E não muito distante, em maio deste ano, a candidata de extrema direita Marine Le Pen, terminou em segundo lugar nas eleições nacionais da França, com 34,5% dos votos. Apesar da derrota do partido de Le Pen, o acontecimento foi um marco de conservadorismo para toda a Europa. A onda já arrasta muito mais do que se imagina.
Reportagem: Beatriz Milanez e Victoria Dogliani
Produção Multimídia: Maiara Freitas
Edição: Bianca Moreira