Feminicídio no Brasil: menos uma mulher, mais uma vítima

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(Fonte: Pixabay)

 Feminicídio, o crime de ódio que mata oito mulheres por dia no Brasil

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de feminicídios no país é a quinta maior do mundo, com 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres. O mapa da violência de 2015 demonstra que as negras são as mais violentadas. Entre 2003 e 2013, o registro de mortes aumentou 54%, passando de 1.864 para 2.875. Segundo a pesquisa, a maioria dos homens que comentem os assassinatos é da família das vítimas (50,3%) ou parceiros/ ex-parceiros (33,2%).

A lei 13.140 criada em 2015 tipifica o crime de feminicídio como hediondo, o que aumenta a pena de um terço até a metade sentenciada ao autor da violência. Essa violação se diferencia do homicídio, que é um crime contra a vida, pois é motivado pelo gênero, ou seja, as mulheres  morrem apenas porque são mulheres.

Para Izabel Solyszko, que possui pós-doutorado em gênero e desenvolvimento pela Universidad de Los Andes, a lei é necessária, pois aborda um problema social e evidencia que esse ato é condenável socialmente: “Não é um homicídio aleatório, ocasionado por um motivo pessoal. O feminicídio revela a brutalidade e a letalidade de um conjunto de violência que as mulheres sofrem ao longo da vida.”

A Lei do feminicídio também foi importante para disseminar o termo. Antes, a imprensa e a sociedade chamavam o assassinato de mulheres de crimes passionais, ou seja, motivados por sentimentos. Para Tamara Gonçalves, mestre em Direitos Humanos pela USP e integrante do CLADEM/Brasil e da Rede Mulher e Mídia, dizer que um crime é motivado por grande emoção é um argumento sexista que reforça o poder do homem. Já Solyszko ressalta que a antiga nomenclatura responsabiliza as vítimas e romantiza os casos.

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A sociedade perante a violência contra a mulher

A sociedade machista, sexista e patriarcal é considerada por especialistas o principal motivador dos crimes contra as mulheres. Tamara Gonçalves aponta que os homens se sentem donos delas e controladores de sua sexualidade. Muitas vezes, a honra deles está ligada ao exercício da sexualidade da mulher e, assim, os discursos machistas acabam naturalizando a violência.

“A sociedade patriarcal é mais antiga que a sociedade racista colonial e que a sociedade capitalista. A sociedade patriarcal controla a vida e o corpo das mulheres, nos torna acessíveis para a violência.” concorda Solyszko.

Para a Gonçalves, a religião, uma instituição forte no país, também colabora para perpetuar essa estrutura social: “Por exemplo, a religião católica e os movimentos neo-pentecostais têm leituras conservadoras sobre a sociedade e sobre o papel da mulher e elas ficam confinadas a esses papéis e quando se negam a cumpri-los sofrem violência, críticas.”

Lei Maria da Penha

A Lei do feminicídio é considerada um avanço da Lei Maria da Penha, criada em 2006 e reconhecida mundialmente por combater a violência doméstica contra a mulher. Para Gonçalves, a Lei Maria da Penha é positiva, pois ela desmistifica a família, porém não é completa. Ela se limita às relações interpessoais, ao ambiente privado e domiciliar e não oferece proteção no espaço público. A Lei do feminicídio vem justamente para preencher essa lacuna.

Entretanto, para a especialista em direitos humanos, essa regulamentação complementar, mesmo sendo uma vitória do movimento feminista, ainda não é a ideal: “O texto original era mais interessante, mas o aprovado é confuso e excluí as trans, por exemplo.”

Solyszko enfatiza que, embora essas leis assegurem a proteção aos direitos das mulheres, o atual momento político ameaça a força dessas leis e é preciso tomar cuidado. “A Lei Maria da Penha deve ser garantida sem mudanças e deve ser fortalecida, ou seja, o que ela prevê deve ser construído com recursos públicos e não desmontando como vem acontecendo, com propostas atuais de alterações absurdas no seu conteúdo, em andamento no congresso nacional.”

 

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Combate ao feminicídio

Izabel Solyszko diz que o caminho para combater o feminicídio é o enfrentamento de uma sociedade desigual. Assim, é fundamental acabar com a educação sexista e avançar na desconstrução da sociedade patriarcal. Isso pode ser feito por meio de campanhas de denúncia, por políticas públicas intersetoriais e pelo cyberfeminismo nas redes sociais.

A pós-doutora ressalta que as Delegacias de Defesa da Mulher também são importantes em conjunto com outras instituições: “São um espaço de referência, são um espaço de formação, de sensibilização, de discussão dos temas de violência de gênero. Mas elas só funcionam em articulação com toda a rede de proteção e enfrentamento. Com os centros de referência, com as casas abrigo, com a rede não especializada, como hospitais, centros de saúde, escola.”

Para Tamara Golçalves é necessário que as denúncias quando cheguem a instâncias superiores não sejam meramente desculpadas, pois um grande número de mulheres morre sob medidas protetivas de urgência, pois não há um controle efetivo sobre isso. Assim o agressor fica livre para continuar a agredir.

Outra estratégia enfatizada pela integrante do CLADEM/Brasil é, além de adotar medidas públicas e discutir direitos sexuais reprodutivos, debater a questão de gênero: “Há medo em se falar sobre gêneros, mas não dá pra se falar em igualdade entre homens e mulheres em sociedade sem discutir isso, pois é o que permite olharmos para essas desigualdades construídas socioculturalmente e tentar desconstrui-las.”

Para Gonçalves, esse debate tem sido reprimido principalmente por uma ofensiva conservadora responsável por disseminar informações mentirosas sobre o assunto causando pânico social. “É hora dos movimentos sociais resistirem para evitar retrocessos maiores. Mas é complicado porque esses grupos conservadores estão com a maioria no congresso e com apoio do governo oficialmente.” – analisa.

Reportagem:  Maria Clara Novais

Produção Multimídia: Ana Laura Essi

Edição: Wesley Anjos

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