Das primeiras exibições do cinema no velho continente, pelos irmãos Lumière, até a travessia pelo Atlântico e a chegada dessa nova tecnologia em terras tupiniquins, há um espaço de tempo inferior a um ano. Em 1896 era exibida a primeira sessão de filme na cidade do Rio de Janeiro. A película rodada na antiga capital do Brasil foi a Saída dos Trabalhadores da Fábrica Lumière. Essa sessão histórica, acompanhada apenas pela elite carioca, únicos na época que poderiam custear os preços dos ingressos, dava início a história do cinema brasileiro.
Já a alcunha de desbravador do cinema nacional segue até hoje numa disputa sem fim. Nomes como Vittório de Maio, José Roberto Cunha Sales e Affonso Segreto, clamaram para si o título de bandeirantes da Sétima Arte, mas nenhum veredito foi dado pelos estudiosos no assunto.
Para o historiador e professor de cinema Hernani Heffner, mais do que dizer quem produziu a primeira obra é importante perceber sobre o que eles filmavam, como ele elenca em seu livro Itinerário do Filme Brasileiro (1995). “Os primeiros filmes brasileiros, quer tenham sido rodados por Vittório de Maio, José Roberto Cunha Sales ou Affonso Segreto, parecem ter se interessado por temas banais: um lugar qualquer da cidade, um evento natural corriqueiro, ou alguma atividade simples”, disserta Heffner.
Desde então, as produções brasileiras vêm tendo seus altos e baixos. Das gêneses com obras de cunho documental que competiam com trabalhos estrangeiros, aos momentos de glória como diante do surgimento do Cinema Novo, até o ostracismo decorrente da ascensão de produções hollywoodianas, os projetos cinematográficos nacionais têm deixado rastros e marcado a história do país. Confira a linha do tempo com os principais marcos do cinema nacional:
Movimentos importantes na produção nacional
As chanchadas na era do cinema de comédia e musical
Não é incomum que as pessoas confundam o significado de pornochanchada com as chanchadas. A primeira ficou conhecida com os filmes de cunho erótico que se popularizaram no Brasil em meados dos anos de 1970. Já a segunda teve início nos anos de 1930, com produções de dramas populares e comédias musicais, com humor e temas carnavalescos muito presentes nesses projetos. Obras como Lábios Sem Beijos (1930), de Humberto Mauro, Mulher (1931) de Otávio Gabus Mendes e A Voz do Carnaval (1933) de Adhemar Gonzaga, que estrelava a cantora Carmem Miranda.
Segundo a cineasta Juliana da Silva, 24, seus estudos sobre a história da cinematografia apontam que as chanchadas acabaram por criar um estilo para o cinema brasileiro. “A importância que a comédia musical tem no país é como isso acaba por fim se tornando mesmo um gênero e demarcando uma cara para o cinema nacional por muito tempo,” explica Juliana. A cineasta ainda completa, “o tema carnavalesco era o mais famoso das chanchadas e traz muito elementos do país tropical, que faz sátiras do produto estrangeiro mesmo consumindo-o também.”
A música esteve presente em toda a história do cinema brasileiro. No início da produção de filmes sonoros, grandes nomes do rádio migraram para as telonas e as trilhas sonoras também embalaram e marcaram as produções. Escute a playlist que preparamos com algumas músicas marcantes dos principais filmes nacionais:
As chanchadas também marcaram a estreias de nomes conhecidos na história do cinema. A dupla Oscarito e Grande Otelo se firmaram dentro da indústria em filmes como Ai Vem o Barão (1951), de Watson Macedo e Matar ou Correr (1954) dirigido por Carlos Manga. Outro nome muito conhecido, Carmem Miranda, começou sua carreira nas telonas ainda no Brasil em Alô Alô, Carnaval (1936) de Adhemar Gonzaga. Anos depois, a cantora e atriz portuguesa levaria o nome do Brasil para o mundo dentro das superproduções norte-americanas.
Cinema Novo e a projeção nacional para o mundo
Com inspirações na Europa, no neorrealismo italiano e na Nouvelle Vague francesa, mas com olhos bem voltados pro Brasil, nascia em meados dos anos de 1960 um novo movimento no cinema que daria visibilidade para nossas produções e também nossos problemas.
Juliana da Silva nos explica sobre as inspirações e o contexto da época que acabou por impulsionar a categoria e levar o nome do cinema nacional mais longe: “é o gênero que mais obteve visibilidade fora do Brasil devido ao momento histórico mundial – o de polarização comunista-capitalista -, por retratar a realidade do povo brasileiro de maneira mais engajada e com uma estética bastante inspirada no neorrealismo italiano, até mesmo usando aspectos de linguagem cinematográfica da Nouvelle Vague francesa,” afirma a cineasta.
De acordo com Hoffner em seu livro (1995), esse gênero modificou a forma de retratar das produções no Brasil. O autor comenta que “foi em filmes como ‘Rio, 40 Graus’, de Nelson Pereira dos Santos e ‘O Grande Momento’, de Roberto Santos, que se começou a investigar diferentemente a realidade brasileira e a desenvolver métodos alternativos e baratos de produção.”
O Cinema Novo é responsável por abrir espaço para temáticas de cunho social e político. Obras importantes desse momento seguiam esse mote: Bahia de Todos os Santos (1960) de Trigueirinho Neto, e O Pagador de Promessas (1962) de Anselmo Duarte, são exemplos que ficaram conhecidos na época.
Um expoente dessa geração, Glauber Rocha, que nasceu na Bahia, teve atuação importante na produção de filmes que tratavam de questões sociais. Suas obras Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967) foram produzidas já no contexto da ditadura militar e sob os olhos da censura. Assim como o cineasta baiano, outros produtores tentaram driblar a repressão do governo e se engajaram em camuflar suas críticas nas películas, como Macunaíma (1969) de Joaquim Pedro de Andrade e Eles Não Usam Black Tie (1981) de Leon Hirszman.
O Brasil aos olhos do Oscar
Apesar das inúmeras controvérsias, o reconhecimento pela Academia de cinema norte-americana continua sendo algo sonhado por brasileiros. A estatueta dourada segue ainda como um prêmio não alcançado, pelo menos não por produções totalmente nacionais.
Em 1944, Ari Barroso foi indicado com a música Rio de Janeiro ao prêmio de Melhor Canção Original, no filme Brazil (1985) dirigido por Joseph Stanley. Essa foi a primeira vez que um brasileiro foi selecionado na premiação, que começou nos Estados Unidos em 1929. A indicação inaugural de um filme brasileiro só ocorreria 20 anos depois com O Pagador de Promessas (1963), na categoria Melhor Filme Estrangeiro.
De lá pra cá, o país já soma um total de 17 indicações no Academy Awards , com algumas menções honrosas. Central do Brasil (1998), do diretor Walter Salles, teve duas indicações na premiação, tanto a de Melhor Filme Estrangeiro quanto a de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro, que acabou perdendo para Gwyneth Paltrow em Shakespeare Apaixonado (1998).
Para o cinéfilo Vinícius Fernandes, 32, seria impossível falar de Brasil no Oscar sem relembrar o momento histórico das indicações ao prêmio de 2005, com Cidade de Deus (2004), de Fernando Meirelles, em que ele comenta, “com certeza é o maior filme já produzido pelo Brasil, quatro indicações ao Oscar, incluindo a de melhor diretor.” O longa recebeu indicações para Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia. Fernandes ainda completa “nenhum filme brasileiro chegou tão longe, só não ganhou porque concorreu junto com o terceiro filme (da franquia) ‘Senhor dos Anéis’, mas merecia o (prêmio) de fotografia, com certeza,” reforçou o amante de cinema.
A última produção nacional a ser indicada ao prêmio da academia foi O menino e o mundo (2013) de Ale Abreu, na categoria Melhor Filme de Animação. Apesar de nunca ter levado a estatueta dourada para casa, inúmeros filmes brasileiros foram premiados em outros festivais internacionais de cinema mundo a fora, o que mostra que nem só de Oscar se faz o reconhecimento e a aclamação dos bons.
Texto: Carla Rodrigues e Wesley Gonsalves
Produção multimídia: Michel Amâncio
Edição: Victor Moura
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