No dia 9 de Novembro deste ano, a produtora Lucasfilm anunciou que fará mais uma parceria com os estúdios Disney, onde juntos criarão mais uma trilogia cinematográfica do universo Star Wars, um dos mais influentes elementos da cultura pop mundial.
O comunicado, apesar de impactante, não se limitou apenas às novas películas programadas. As empresas concordaram em, além desse material, também produzirem uma série de televisão sobre a franquia.
A declaração, em pouco tempo, viralizou na internet, com diversas páginas eletrônicas de fãs da série manifestando sua alegria pela continuação do universo Star Wars, iniciado em 1977, pelo então desacreditado cineasta George Lucas.
Até o momento, a produção já conta com nove películas elaboradas (com mais uma prevista para ser lançada em dezembro deste ano), sendo uma das mais rentáveis da história das telonas. Segundo a revista Forbes, ao longo de seus de 30 anos, a franquia Star Wars já lucrou mais de 30 bilhões de dólares, somando filmografias, séries, livros, jogos e produtos licenciados.
As produções de Lucas revolucionaram a maneira de se pensar cinema, modificando o modo de produção e exibição. Seu grande impacto na sociedade consolidou o modelo de produção blockbuster – superproduções cinematográficas que fazem sucesso nas bilheterias e se tornam franquias.
Não se pode dizer que Lucas, por meio de sua ideia, criou a cultura pop. Contudo, é nítido que ela se modificou depois do sucesso de sua obra. Mas, afinal, o que é ser pop no cinema? É só produzir filmes de sucesso nas bilheterias? Por que esse tipo de produção tem tanto espaço nas salas de exibição? Quais as críticas a esse modelo de filmagem em relação ao impacto na sociedade? Essas e outras respostas sobre cultura pop você encontra a seguir. Confira!
O que é ser pop?
Usada tão cotidianamente e por tantas pessoas, o termo “pop” pode ter vários significados, dependendo do modo como é empregado. Majoritariamente, pop é a abreviação de popular, podendo se referir a qualquer manifestação (dança, música, festa, literatura, folclore, arte) em que a população produz e participa de forma ativa. De modo simples, é o que está na boca do povo.
Contudo, pop também pode se referir a itens voltados à venda, ao comercial. Por exemplo: quando nos referimos ao estilo musical pop, estamos falando – na maioria das vezes – da música norte-americana ou de língua inglesa que é produzida, principalmente, para fins comerciais.
Apesar de diferentes, esses dois significados aparecem constantemente como complementares quando o assunto é cinema.
O “início” do pop
Segundo o professor especialista em audiovisual da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marcos Américo, é difícil dizer quando a cultura pop foi trazida pela primeira vez para a cinematografia. “Eu creio que tenha uma raiz no final dos anos 50 e que foi, progressivamente, se tornando mais visível”, afirma o docente. “Mas, na verdade, se você for buscar sua origem, pegando filmes como O selvagem (1953), com o Marlon Brando, já estavam sendo usados elementos que eram populares entre os jovens e que causavam estranhamento nos mais velhos”, completa.
Américo conta que, nessa época, quando começaram a surgir os primeiros filmes em que o rock ‘n roll participava ativamente da trilha sonora – inclusive como parte da trama -, também eram adotados elementos do pop até então incomuns no cinema.
Nova Hollywood x Cultura pop
Nos anos de 1950, conforme dito, a cultura pop foi ganhando espaço nas grandes telas. Os jovens, em determinadas manifestações populares, estavam sendo representados e alguns de seus gostos comuns da época foram ganhando espaço nas produções.
Porém, como qualquer expressão artística, o cinema pode estar sujeito às interferências dos eventos momentâneos do período no qual ele está inserido. E, em meio aos anos de 1950, não foi diferente.
Nessa época, o contexto social mundial – principalmente norte-americano – estava rodeado de eventos desoladores. Já estavam em curso a Guerra Fria, a guerra das Coreias e a do Vietnã. Ao mesmo tempo, ocorreram diversas mortes de cineastas e atores famosos. Isso tudo acabou gerando um sentimento de desesperança muito grande nas pessoas. E tal sensação se refletiu nos filmes, que acabaram se modificando.
O público passou a pedir produções mais reflexivas, com enredos e finais diferentes, agora críticos e até com significados interpretativos e subjetivos.
Tal cenário proporcionou o surgimento de novas figuras, como os diretores Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, entre outros, que propunham visões alternativas ao que já estava sendo produzido para as massas. Esse movimento acabou ficando conhecido como Nova Hollywood.
Porém, a história foi mudando. Os eventos que antes traziam tanta tristeza para as pessoas foram se encerrando. A Guerra do Vietnã estava terminando, os filmes alternativos não faziam mais tanto sucesso e as pessoas passaram a encarar o cinema apenas como uma diversão escapista da realidade mais uma vez.
Foi quando, em 1975, o diretor Steven Spielberg lançou o clássico Tubarão, um dos filmes que iria finalizar de vez o movimento Nova Hollywood e colocar a cultura pop de volta ao centro da cinematografia.
A produção de Spielberg foi um sucesso, tanto por conta do marketing quanto de seus efeitos especiais, gerando enormes receitas.
Dois anos depois, o já citado George Lucas, com sua ideia menosprezada de fazer um filme sobre guerra espacial, iria enterrar de vez a corrente reflexiva ‘nova-hollywoodiana’ e levar a cultura pop a um novo patamar com Star Wars.
Sob dois pontos de vista
A cultura popular foi construída sempre sob dois pontos de vista: primeiro, como algo que todas as pessoas podem ter acesso e, assim, ser compartilhada; e segundo, como algo alienante, criado apenas para ser consumido, fazendo com que seus criadores tenham grandes lucros.
Um dos principais críticos das produções cinematográficas como arte, como cultura popular, foi o filósofo alemão Theodore Adorno. Para ele, o cinema era uma produção alienadora, que adestrava o espectador, induzindo-o a consumir sempre o mesmo tipo de produto e uma realidade inventada para ser comprada.
Porém, Marcos Américo entende que, mesmo que exista a questão do lucro por meio dessas produções, também é possível que se crie obras populares, mas de qualidade. “A vantagem de usar elementos da cultura pop é a possibilidade de trazer um público novo para o cinema”, pondera o especialista. “Há muitos filmes que conseguem equilibrar essa cultura pop. Ela não deprecia o mérito do cinema e estar presente no filme não é determinante para que ele seja ruim. Uma coisa não impede a outra”, acrescenta.
Um cinema dominante
Outra das críticas mais comuns aos filmes de cultura pop é que eles são muito explorados, fazendo com que outros tipos de produções cinematográficas não tenham espaço para serem vistos pelo público. “Eu tenho uma crítica muito grande em relação às franquias. É impossível procurar um cinema hoje em Bauru, por exemplo, uma cidade de médio porte, e não ser bombardeado por franquias. Ou seja, você não consegue assistir outros filmes que não sejam frutos que perpetuem essas produções. Assim, você acaba sempre vendo mais do mesmo”, critica Américo. “Hoje está muito calcado nos filmes de ação, terror, e super-heróis, só mudando, talvez, quando chega a época do Oscar, quando abrem um certo espaço de exibição para outros formatos”, completa.
Nem mesmo as produções nacionais tem conseguido driblar a hegemonia das franquias internacionais (principalmente norte-americanas), ficando sem espaço de exibição mesmo nas salas de cinema de seu próprio país. Conforme dados publicados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), no ano de 2016 foram lançados 146 produções cinematográficas brasileiras. Porém, apenas cinco delas foram exibidas em mais de 500 salas de cinema – no Brasil o total de salas ultrapassa os 3 mil. Em outras palavras, somente 3,6% das produções divulgadas conseguiram espaço relevante no cenário nacional.
Tem solução?
Segundo Marcos Américo, mesmo dentro das grandes franquias há filmes interessantes com narrativas diferentes da vista usualmente. “Deadpool, por exemplo, trabalha com humor e referências. Logan, do Wolverine, é outro que tem um modo de narração onde há uma parte reflexiva, além de momentos mais lentos em que a história não é contada de maneira tão frenética como outras produções de super-herói, que fazem da batalha o centro da narrativa”, expressa o professor.
Porém, segundo o docente, os produtores de filmes de cultura pop estão apenas dando o que o público consumidor de fato quer. “O que falta é a formação de uma cultura cinematográfica mais crítica e com interesse em conhecer outras cinematografias”, comenta Américo. “Quem assiste cinema latino-americano? Aqui na Argentina, por exemplo, há filmes ótimos, inclusive embalados por cultura pop. Mas eles não chegam ao mainstream, mesmo sendo, por vezes, vencedores de Oscar. São produções impregnadas de elementos pops, mas com uma abordagem reflexiva, crítica e cômica. O problema é que você não consegue exibi-los”, encerra o especialista.
Texto: Lenonardo Guerino e Thomás Garcia
Produção multimídia: Jean Prado
Edição: Carolina Freire
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