Rachel Mourão, da universidade Estadual de Michigan, e Júlia Matos, mestre em história norte-americana, falam ao “Repórter Unesp” sobre os fatores que levaram o empresário à presidência
Às vésperas das eleições para a presidência norte-americana, há um ano, a maioria esmagadora das pesquisas apontava a vitória de Hillary Clinton. O The New York Times, principal jornal do país, indicava 84% de chances de vitória para a candidata democrata. Algumas horas após o início das apurações, no entanto, a situação começou a mudar e no colégio dos deputados Trump obteve 276 votos – 6 a mais do que ele precisava para vencer, no complexo sistema eleitoral do país.
Mas como alguém com um histórico de declarações racistas, sexistas e xenófobas encontra respaldo em uma parcela tão grande da população? Enxergar o fenômeno Trump como ilustrativo de um contexto maior pode ajudar a entender as motivações de seus eleitores. Para isso, o Repórter Unesp buscou estabelecer uma relação entre o que aconteceu nos EUA e o que vem acontecendo em alguns países da Europa Ocidental. O que está por trás da adesão a líderes políticos com discurso conservador?
O que todos eles têm em comum?
Conflitos na Síria e no continente africano são as principais origens do fluxo de refugiados. As rotas geralmente têm como destino a Grécia, Itália e Espanha – mas uma vez dentro da União Europeia, muitos desses refugiados partem em busca de melhores condições de acolhida em outros países.
Essas migrações forçadas para a Europa vêm diminuindo, de acordo com a Acnur – Agência da ONU para Refugiados. No primeiro semestre de 2015, foram 231 mil que chegaram ao continente; no mesmo período de 2016, o número caiu para 105 mil. Ainda assim, países como Alemanha, França e Áustria recebem muitas solicitações de asilo.
Atingidos tardiamente pela crise que assolou os EUA em 2008, esses países vêm tentando restabelecer a estabilidade econômica de antes. Durante a recessão, houve um aumento significativo na taxa de desemprego, que só começou a cair a partir de 2013 – mas se mantém elevada em países como a França.
O conservadorismo e o nacionalismo
Nesse contexto, emergem políticos como Marine le Pen, que prometeu em sua campanha o congelamento da concessão de vistos de longo prazo a imigrantes e o aumento nos impostos pagos por empresas que contratem funcionários estrangeiros.
A questão do desemprego, somada à chegada dos imigrantes, culmina em um sentimento nacionalista e xenófobo por grande parte da população: é a ideia de que o cidadão europeu teria seu posto de trabalho tomado por um refugiado.
Isso se manifesta no discurso de candidatos que defendem políticas protecionistas – materializadas no Brexit, que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia. Do conservadorismo saem diversos líderes que têm ascendido na Europa compartilham desse euroceticismo – caracterizado pela descrença em permanecer no bloco econômico e por uma posição contrária à globalização.
Soma-se ao fator econômico a questão do terrorismo. Desde 2015, uma onda de ataques vem vitimando grandes capitais europeias, como Paris, Londres e Berlim. Muitos deles são reivindicados pelo EI – Estado Islâmico – e pela Al Qaeda, grupos terroristas fundamentalistas islâmicos. Ganha força, como consequência, a islamofobia: ignora-se a diversidade de vertentes e a prática moderada do islamismo, toma-se os radicais por referência e instaura-se um temor generalizado, direcionado também aos refugiados, já que a maior parte deles pratica essa religião.
Um indício disso é que, o que nos EUA ficou como mera promessa de campanha, já se tornou realidade em alguns países europeus: na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán construiu muros nas fronteiras com Sérvia e Croácia – países que não fazem parte da União Europeia – para conter o fluxo de imigrantes. A Áustria também começou a subir um muro na fronteira com a Itália, em 2016. A construção, no entanto, foi interrompida depois que os dois países chegaram a um acordo em relação à questão migratória na região.
Mas e os Estados Unidos?
Xenofobia, islamofobia, nacionalismo: todas essas características podem também ser atribuídas aos Estados Unidos e a Donald Trump. No entanto, segundo Rachel Mourão, professora de jornalismo na Universidade Estadual do Michigan, nem todas as declarações e propostas de Trump encontram respaldo em seus eleitores. Ela acredita que “a insatisfação com a política tradicional que deu oportunidade para que o discurso de ódio surgisse”.
Rachel pesquisa as eleições norte-americanas a partir da cobertura da mídia. Ela considera que, em geral, os americanos “são eleitores de uma só demanda: às vezes você consegue fazer vista grossa para algumas coisas porque, nas coisas que são importantes, aquele candidato é o melhor”.
Nesse sentido, as declarações sexistas, racistas e xenofóbicas de Trump seriam relevadas em prol de uma mudança na agenda econômica do país. “As pessoas não concordam com o que Trump fala, mas gostam de como ele é honesto”, defende Rachel.
O “self-made man”
O fato de o presidente ser a personificação do “self-made man” americano, que veio de baixo e construiu um império, também teria contribuído para a vitória: “Minha impressão é que qualquer candidato que não fosse o político tradicional ganharia”. Júlia Matos, mestre em história norte-americana pela Universidade de Brasília ( UnB) , concorda: “Por nunca ter tido uma atuação política antes, não teve nenhuma promessa que ele não chegou a cumprir, nenhum estado em que ele teve que aumentar impostos…”.
Júlia, porém, defende que uma parcela considerável da população norte-americana se vê, sim, representada pelo discurso do presidente. Isso ocorre principalmente nas cidades pequenas e médias de estados onde é forte o conservadorismo. “São cidades que foram muito prejudicadas com a crise de 2008 e são cidades menores, com uma mentalidade mais rural”.
O politicamente incorreto
Rachel concorda, principalmente no que diz respeito à relação entre o desemprego e a chegada de imigrantes: “Ele fala na lata o que todo mundo quer ouvir. Ele não é politicamente correto”.
Trump não venceu pela maioria do voto popular. A candidata democrata, Hillary Clinton, teria uma vantagem de 300 mil votos se esse fosse o critério, mas o sistema norte-americano funciona de forma diferente. Alguns apontam essa particularidade como um indício de que Trump não seria a opção da maior parte do povo americano, mas Rachel discorda.
Segundo ela, Trump obteve a vitória em parte justamente porque soube adequar sua campanha ao funcionamento do sistema eleitoral. “Se fosse voto popular ele teria feito uma campanha diferente e provavelmente teria ganho com uma margem ainda maior”.
Isso porque Trump sabe como adotar medidas populistas para expandir sua popularidade. Com mais de 42 milhões de seguidores no Twitter, o presidente é um usuário ativo na rede, tendo se declarado o “Ernest Hemingway dos 140 caracteres”. Júlia acredita que esse tipo de comportamento gera uma aproximação com o eleitor: “Quando você lê um tweet, parece que ele está falando com você”. O resultado disso, para Rachel, é que “O fã do Trump é fã até a morte – não importa o que ele fala, é como se fosse um esporte. A personalidade dele exerce um fascínio nas pessoas.”
Reportagem: Karina Francisco e Pedro Maziero
Produção Multimídia: Maiara Freitas
Edição: Bianca Moreira