Desafios de quem ocupa locais públicos para trabalhar com arte na cidade
A rua é um espaço público, dinâmico e essencialmente compartilhado. Frequentemente, ela também é palco para os que manifestam, que trabalham e para os que se apresentam. A arte de rua é uma forma de ocupação do espaço urbano e de diálogo com a comunidade. Por um lado, pode parecer que ganhar a vida seguindo o sonho, sem horário nem local de trabalho fixos seja fácil. Mas na verdade, o artista de rua tem que lidar com preconceitos, falta de apoio e, claro, com contas a pagar.
A legislação
Segundo o artigo 254 do Código de Trânsito Brasileiro, é proibido ao pedestre permanecer ou andar nas pistas de rolamento, exceto para cruzá-las onde for permitido. Também é proibida a prática de esportes, desfiles e similares, salvo em casos especiais e com a devida licença da autoridade competente.
Contudo, os artistas se resguardam citando o artigo 5º da Constituição Federal que garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Em Bauru, a apresentação dos artistas em locais públicos é permitida desde que haja uma autorização da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Segundo Paulinho Pereira, diretor do Departamento de Ação Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, o artista também passa por uma análise para verificar se o trabalho dele não vai prejudicar o espaço público ou a população. Assim, caso o artista não tenha alvará, a Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan), responsável pela fiscalização dos ambulantes, pode retirá-los do local sem aviso prévio.
Trabalho duro
O músico Micael Sousa, de 36 anos, conseguiu o alvará há 5 meses. A situação financeira do artista se tornou um problema e ele foi trabalhar nas ruas. No entanto, a rotina não é fácil: de segunda à sábado das 9h às 18h no calçadão e aos domingos na rodoviária. Quando surge a oportunidade, ele ainda trabalha em casamentos e aniversários.
Já Marcílio do Nascimento é um artista itinerante que trabalha na rua com teatro, mímica e estátua viva. O homem de 57 anos conta que é necessária preparação física e uma alimentação saudável. O trabalho é diário, no calçadão ou na feira do rolo e, às vezes, ainda faz “bicos” como pintor.
Ele viaja pelo país e, na hora de escolher o próximo destino, estuda a economia do local. Cidades na região da borracha, da cana de açúcar e com baixa taxa de desemprego são as melhores opções. Segundo ele, por serem locais que movimentam mais dinheiro, as pessoas tendem a colaborar mais.
A visão da população
Marcílio afirma que “o artista de rua tem sempre que ter bom humor e boa educação para tratar o público”, mesmo quando a população não colabora. Assim, a arte de rua tem esse lado que pretende dialogar com a comunidade. Ele, por exemplo, busca tirar o ser humano dos pensamentos cotidianos ao entregar mensagens que promovam reflexão.
Para Micael, uma das maiores dificuldades de trabalhar na rua é lidar com as pessoas. Ele afirma que quando você é novidade é mais fácil atrair a atenção delas. No entanto, com o tempo fica mais complicado. A maioria apoia, interage e até se emociona com as músicas. “Tem dias que até o morador de rua me dá uma moeda”, conta. Por outro lado, sempre tem as que fazem comentários preconceituosos.
Na pesquisa “Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?”, realizada por Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro e Eliane Santos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), buscou-se apresentar as principais características da interação entre artistas de rua e o público. Assim, o trabalho conclui que “a performance dos artistas de rua é um fenômeno democrático, porém de modo geral esses profissionais ainda são vistos pela população como pedintes, e não como pessoas de carreira artística em construção.”
Apoio da prefeitura
Paulinho afirma que atualmente não existe nenhum projeto específico voltado para atender ou incentivar a arte de rua. Por outro lado, existe o Programa de Estímulo à Cultura (PEC), aberto para qualquer pessoa ou empresa que queira apresentar um projeto cultural e receber apoio financeiro. Por isso, o diretor afirma que mesmo com a divulgação massiva nas mídias, a secretaria recebe poucas solicitações. A maioria é enviada de última hora ou incompleta.
Na visão do diretor, estar na rua é “uma falta de respeito com o artista, pelo talento que ele tem”. Por isso, reitera a importância de participar do projeto para a profissionalização. “Se eles não conseguirem nem a PEC que é mais tranquila, nunca vão conseguir uma Lei Rouanet, por exemplo”, afirma. Sabendo das dificuldades de escrever o projeto, a Secretaria da Cultura prepara seminários para auxiliar os artistas a produzir esse material. Porém, afirma que a quantidade de participantes é baixa.
SAIBA MAIS:
Texto: Amanda Casagrande
Produção multimídia: Mariane T. Arantes
Edição: Karina Francisco