Ocupação de espaços ociosos em Bauru

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Locais desocupados viram moradia para pessoas de baixa renda

Muitos dos espaços urbanos têm seu propósito definido desde a sua concepção, como prédios comerciais, praças públicas, áreas residenciais, entre outros. Mas alguns desses locais tornam-se ociosos e muitos deles acabam sofrendo pelo abandono e deterioração do tempo. Há também muitas pessoas que não possuem moradia e podem se enquadrar nos critérios de vulnerabilidade social. Para elas, não resta outra alternativa do que procurar outros espaços para morar. Alguns tornam-se moradores de rua, uma realidade de muitos deles, há cerca de 101 mil no Brasil. Enquanto outros buscam acolhimento em albergues, onde nem sempre há vagas. Mas há uma terceira alternativa que mostra-se presente em cidades como Bauru: a ocupação de espaços ociosos. Essa forma de moradia também é conhecida pelo nome de “assentamentos”.

O Nova Canaã, no Nova Marabá, é um assentamento no município bauruense, é o único que possui autorização na cidade. A prefeitura paga o aluguel de R$25 mil pelo terreno ocupado pelos assentados. O terreno dessa ocupação tem cerca de 266 mil m² e 700 famílias são residentes. Moradores de outros assentamentos são redirecionados para o Nova Canaã com frequência, principalmente quando o terreno que antes estavam passa por reintegração de posse.

Os moradores de uma ocupação

Ainda na edição 41 do Repórter Unesp a restituição da propriedade pelos donos era uma constante preocupação dos assentados. Os moradores da ocupação Estrela de Davi vêm sofrendo ameaças de reintegração desde setembro de 2016. Os que concordaram com a realocação do Estrela de Davi para o Nova Canaã já fizeram a transição. Um deles é o Edilson Gonçalves, de 50 anos, que fala como é difícil conseguir uma moradia sem ajuda financeira. “Já me disseram ‘pô, você trabalha na prefeitura, tem condição de pagar um aluguel’. É fácil falar que eu consigo pagar o aluguel, mas eu preciso ter ou um fiador ou um cheque-caução”.

morador do assentamento ou ocupação

Edilson mudou-se para o Nova Canaã há apenas um mês (Foto: Beatriz Milanez)

Outra moradora é Izabela Lobo, de 33 anos. Ela é uma das coordenadoras do Nova Canaã e está na comunidade desde fevereiro de 2017. Ex-moradora do bairro Geisel, disse que a motivação para vir para o assentamento foi a falta de condição financeira. “Eu pagava aluguel, mas assim, tem um momento que você não tem como continuar pagando (o aluguel), ainda tinha água e luz. Aí chegou uma hora que ou eu pagava aluguel ou eu comia”, falou Izabela.

As dificuldades de uma ocupação

Ela fala das dificuldades que o assentamento enfrenta, como a falta de saneamento básico, transporte e água. Atualmente, a vila não recebe nem linhas de ônibus municipais nem transporte escolar. Os moradores estão se organizando e recolhendo assinaturas para um abaixo assinado para que ambos transportes cheguem ao Nova Canaã. Além disso, a falta de energia também era um problema na vila. “A CPFL veio e colocou um transformador, aí que as pessoas conseguiram passar os fios e conseguiram luz”, apontou Izabela. Os fios de distribuição de energia a partir desse gerador, entretanto, foram instalados pelos próprios moradores da ocupação, sem assistência da prefeitura.

Ainda existem outras demandas, como apontado por Edilson. Ele fala que o problema de água é o mais urgente. “A instalação elétrica é muito precária, mas o que precisa de urgente é água, não tem água encanada, esgoto, nada. Tem gente que anda duas quadras pra pegar um balde de água. Se você tiver mangueira, ela vai passando na vila aí vai distribuindo. A caixa de 15 mil litros que tem, pra vila toda não dá”, confessa Edilson.

Izabela concorda com o morador. “Precisamos de água. Algumas pessoas compraram bombas pra mandar mais água da adutora. Tudo por conta própria. Elas têm que comprar bomba, mangueira, caixas d’água. Aí, por exemplo, tem um senhor que ele comprou mangueiras, ele comprou a bomba. As pessoas tem que pagar pra ele passar água pra elas. E tem gente que pega uma caixa d’água, coloca no carro e cobram 20 reais pra encher a caixa de outras pessoas.”

Acordo com a prefeitura

O TAC, Termo de Ajuste de Conduta, é um documento concebido no início de 2018. Ele foi assinado pela prefeitura e pelos membros do Movimento Social de Luta dos Trabalhadores, MSLT.  Essa documentação determinou a duração em estado provisório do Nova Canaã por 3 anos.

Entretanto, os moradores vão tentar renegociar o termo para que possam ficar no local permanentemente. “Nós vamos lutar pra ficar aqui, além desses 3 anos”, Izabela afirma. “O TAC foi idealizado pra acabar com essa situação precária. Com o TAC a gente consegue vários benefícios para o acampamento”, disse Bruno Barbosa dos Santos, de 19 anos. Ele também é coordenador do Nova Canaã.

Movimentos sociais

O MSLT e o MST, embora lutando pelo direitos dos trabalhadores, são movimentos muito distintos. O MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tem origem em 1984 e defende basicamente três bandeiras: luta pela terra, luta pela reforma agrária e luta por mudanças sociais no país. Dessa forma, tem uma longa trajetória de lutas por terras e alguns conflitos com proprietários de terras ocupadas.

Por outro lado, o MSLT, Movimento Social de Luta dos Trabalhadores, reivindica direitos da classe trabalhadora. Eles também lutam por bandeiras sociais, como o feminismo. Até 2017, cerca de 7 assentamentos de Bauru tinham ligação com o movimento. O Estrela de Davi e Nova Canaã são exemplos disso.

ocupação assentamento

O MSLT auxilia os assentados nas negociações com a prefeitura (Foto: Beatriz Milanez)

Direitos humanos e os moradores da ocupação

Algumas questões violam os direitos humanos quando se trata de moradia. Clodoaldo Meneguello Cardoso é professor e coordenador do OEDH (Observatório de Educação em Direitos Humanos da Unesp). Ele comentou sobre a função social que deve garantir os direitos básicos das pessoas: “O ser humano busca um lugar para se fixar. Todos têm o direito de ter esse local, é onde ele vai conseguir construir a sua moradia. Moradia é um direito humano fundamental, uma das condições para que nos tornemos humanos. Mas as leis de uma sociedade nem sempre garantem que todos tenham esse acesso”.

“No caso do Brasil, está na Constituição que todos têm direito a moradia”, o professor afirma. A moradia é garantida no Artigo 6º da Constituição Federal junto com outros direitos sociais, como educação, saúde, alimentação, entre outros. Entretanto, assim como a moradia é garantia constitucional, a propriedade privada também é, gerando um conflito espontâneo. “O direito à propriedade privada que está na Constituição não pode ultrapassar sua função social. A questão do conflito está na complexidade da função social”, defende Cardoso.

O professor não vê expectativas de melhoras por não haver uma forma para seguir. “Estamos chegando no limite. A modernidade veio com a elite, mas quando os pobres começam a importunar, ela construiu muros, escolas particulares e shoppings. A desigualdade social é o ponto chave do mundo. Não dá mais para esconder o pobre e o diferente, eles estão reagindo. O problema é que não temos um modelo para seguir, a gente tem noção de algumas coisas, como concentração de renda. Mas um modelo de sociedade nós não temos e esse é o desafio.”

Até o fechamento dessa edição não houve resposta da prefeitura de Bauru às tentativas de entrevista.

 

Texto: Camila Nakazato

Produção multimídia: Beatriz Milanez

Edição: Isabela Holl

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