Mesmo com índices de criminalidade caindo, o medo e a insegurança nas cidades médias e grandes persistem
As ruas ainda estão silenciosas, os filhos dormindo. Ela sai da casa, confere duas vezes se trancou o portão. Olha para um lado, olha para o outro. Ninguém a vista. O sol ainda não nasceu. Caminha apressada com a mochila na frente ao corpo. Aos poucos, outros começam a sair de suas casas para o trabalho. Chega no ponto de ônibus, as pessoas se encaram em silêncio desconfiadas. Uma senhora senta ao seu lado; ela guarda o celular na bolsa. Nunca se sabe. O ônibus chega, internamente pede para estar de volta – em segurança – após o expediente.
A cena descrita acima faz parte da realidade de grande parte da população brasileira nas cidades com mais de 100 mil habitantes. Segundo dados do Índice de Progresso Social (SPI), estudo realizado pela ONG americana Social Progress Imperative, o Brasil é o 11º país mais inseguro do mundo. Este indicador se baseia em critérios como o número de homicídios, de crimes violentos, a percepção da criminalidade e até mortes no trânsito.
Como resultado, há aqueles que chegam até a deixar as cidades para ter uma vida mais tranquila no interior. Rosângela Costa, 57, que morou na capital paulista por 40 anos e se mudou em 2003 para criar suas filhas na zona rural do sul de Minas Gerais. A biomédica, que agora gerencia uma pousada, conta que raramente frequentava lugares públicos quando morava em São Paulo, salvo os fechados, como Shoppings e Teatros. “Praças e parques eram só para olhar mesmo, nunca me atrevi a frequentar”. E mesmo quando ia a esses lugares, Rosângela preferia se locomover de carro para não andar pelas ruas da cidade. Ela relata ainda que morando no interior a principal diferença é que ela pode ir tranquilamente para a praça, para a rua e muitas vezes até deixa de trancar seu veículo, pois não vê necessidade.
Pensando as cidades
O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, no livro “Confiança e medo na cidade” (2009), defende que as pessoas se consideram muito importantes e a fragilidade de suas vidas gera preocupação frente os perigos urbanos. Na obra, as cidades são divididas em três tipos de contexto: o primeiro tem relação com a acumulação de todo o tipo de problemas em um só lugar, o segundo se refere a disputa constante entre aqueles que desejam conviver com a diferença e aqueles que a descriminam. E, por fim, a cidade é também vista como um laboratório, no qual as pessoas podem conviver mesmo sendo diferentes.
São nos ambientes de convívio público que ocorre o encontro, conflito, diálogo e debate social, político e cultural que representa os diferentes atores que convivem em um mesmo local. Nesse sentido, estes espaços são importantes para o desenvolvimento da cidadania e a construção de uma sociedade mais justa.
Ainda assim, a sensação de insegurança pode ser um fator de esvaziamento destes lugares. Com medo, as pessoas deixam de conviver com o diferente e desse modo surgem as chamadas bolhas urbanas. Nas palavras de Bauman, “guetos voluntários”, ou na linguagem do dia-a-dia, condomínios fechados. Estas “bolhas” possuem parques, ruas e praças, mas estas são de uso privado, ou seja, disponíveis apenas para uma pequena parcela da população.
Para Adalberto da Silva Retto Junior, doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da UNESP, “um planejamento urbano adequando, tem que se debruçar sobre propostas que possam estimular o uso do espaço público como forma decisiva de garantir segurança a partir da criação desses espaços”. Pois, para o especialista, “a não utilização do espaço da cidade é que gera insegurança e não o contrário”.
A realidade bauruense
Em Bauru, a criminalidade, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), vem diminuindo. No último ano, o número de furtos reduziu quase 20%, o de roubos, 33%. Além disso, a taxa de homicídios também apresentou queda. Bauru é a segunda no ranking das cidades mais pacíficas com mais de 300 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência de 2017, divulgado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Mesmo assim, parte da população se sente insegura. Retto Junior explica que estes indicadores não estão ligados diretamente com a sensação de insegurança dos cidadãos. Segundo ele, “a análise desse fenômeno de esvaziamento ou morte do espaço público tem um leque analítico bem mais amplo”. Como exemplo, ele cita os novos modos de vida que possibilitam a “criação de comunidades virtuais que em certa medida levam ao isolamento das pessoas em suas casas”.
As principais demandas da população bauruense são aumento de viaturas, câmeras de segurança e iluminação urbana. Alessandro Carrenho, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB de Bauru, relata que a criminalidade em si está em declínio. Ressalta ainda que a chamada sensação de insegurança é diferente e deve ser analisada de forma mais profunda e criteriosa.
Sobre a instalação de câmeras de vigilância, ele afirma que já há um projeto para que isto ocorra. A promessa era que as câmeras seriam colocadas até o final do ano passado em pontos estratégicos da cidade. No entanto, a verba só foi liberada em março e o projeto deve ser iniciado até o final de abril.
Já em relação ao número de viaturas e policiais nas ruas, Carrenho esclarece que se trata de logística. Para ele “o ideal seria que houvesse uma viatura em cada esquina, mas para isso todo mundo teria de ser policial. Assim, é humanamente impossível”. Contudo, “existe itinerários e estacionamentos preventivos da polícia. O policiamento é direcionado para os lugares com a maior incidência de delitos. Esses lugares são mapeados através de denúncia. Assim, não há como colocar policiais em todos os lugares, mas é possível fazer um direcionamento”.
Até o fechamento desta edição não obtivemos resposta da Polícia Militar de Bauru sobre o tema.
O Iceberg da Segurança Pública
Carrenho destaca que além do policiamento, a Segurança Pública envolve vários segmentos multidisciplinares. Além dos relacionados à segurança propriamente, também há envolvimento da justiça, da educação e do sistema prisional. Assim, “não se pode atribuir esta questão apenas à polícia civil ou militar”, diz.
Dessa maneira, esse sentimento não significa para Carrenho que “o trabalho da polícia não esteja sendo feito de forma correta”. Para ele, há dois fatores principais que contribuem para a insegurança. O primeiro é a sensação de injustiça decorrente, em sua opinião, da falta de informação sobre as garantias constitucionais não só daqueles que infringiram a lei, mas de todos os cidadãos. E o segundo, a falta de conhecimento referente ao planejamento integrado em segurança pública. Isto porque esse é um trabalho que envolve: polícia, educação, planejamento urbano, lazer entre outros.
A iluminação pública é um bom exemplo de como a Segurança Pública vai além do policiamento. “Se queima a lâmpada de uma praça e cresce vegetação no local, acontece o aumento da sensação de insegurança. Não que o policiamento preventivo não seja função das forças de segurança, mas algo que uma lâmpada e um aparar de grama poderia solucionar, não é atribuição da polícia resolver”, diz.
Júnior Retto também considera equivocada a cobrança apenas por mais viaturas. “A utilização do aparato policial para garantir a segurança na cidade é uma medida a curto prazo”, diz o professor. Segundo ele, “a noção de pertencimento por parte da população da cidade é que pode levar a uma reversão desse quadro. Um dos caminhos para isso é a participação da população na construção da própria cidade”. Além disso, “uma cidade com menos desigualdade poderá ser mais segura”. Assim, o estímulo do uso do espaço público é fundamental para a diminuição da sensação de insegurança. Essa é a garantia da ocupação política, social e cultural urbana e de uma sociedade integrada que não é refém do medo.
Matéria atualizada no dia 17/04/2018.
Texto: Lívia Reginato
Produção multimídia: Larissa Cavenaghi
Edição: Gabriella Soares