O transporte é um direito social garantido pela Constituição Brasileira, ou seja, sua relevância na carta magna tem que ser a mesma se comparada aos outros direitos sociais que ela garante, como educação e saúde. É de responsabilidade dos municípios organizar e executar o transporte público coletivo, de modo que abranja toda população de sua cidade. Então, se pressupõe um transporte público inclusivo, facilitador, principalmente para as pessoas que possuem alguma deficiência, de natureza física ou intelectual, pois são estes os que mais sofrem para ter o que lhes é garantido por lei: o direito à cidade.
Em Bauru existe a política do transporte inclusivo e, embora a realidade esteja bem distante do ideal, ela ainda é melhor do que de muitas outras cidades. Um número expressivo que corrobora com esta afirmação é a porcentagem de ônibus que possuem plataformas elevatórias, um destaque nacional, uma vez que toda a frota da Emdurb (Empresa de Desenvolvimento Urbano e Rural – responsável pela administração do transporte público da cidade) é adaptada.
“Bauru vem pouco a pouco modernizando seus ônibus” declara Adauto Teodoro, chefe da fiscalização coletivo da Emdurb, visto que no dia 10 de Janeiro de 2018 as empresas Cidade Sem Limites e Grande Bauru emplacaram 35 novos ônibus, orientados pela troca periódica dos carros, procurando modernizar sua frota e gerar mais suporte, principalmente para os portadores de deficiência.
Quanto mais acessibilidade melhor
As melhorias realizadas vão além das plataformas elevatórias. O espaço interno destinado à fixação de cadeira de rodas agora existe, assim como mais assentos para pessoas com obesidade, conforme prevê as normas que regulamentam o transporte público bauruense.
Victor Rocha, gerente de transporte da Emdurb, também destaca a atuação das 4 vans que a empresa disponibiliza para o transporte especial, destinada aos cidadãos que possuem maiores dificuldades de locomoção. Questionado sobre o pouco número de vans, Victor desconversa: “É claro que ter cinco é melhor que ter quatro; a questão é financeira. O custo do transporte alternativo é muito mais elevado que do transporte público. Mas é previsto que a frota aumente, mas não posso dizer quando.”
O chefe de fiscalização explicou como a população tem acesso à van. “Primeiramente você tem que ser cadeirante. As vans só atendem quem for cadeirante, mas não é necessário ser deficiente. Qualquer pessoa que utilize cadeira de rodas por qualquer motivo que seja, pode se cadastrar. Depois, tem que ir no POUPATEMPO no SEBES para passar por uma triagem. O cidadão vai ter que passar por uma perícia médica que confirme a falta de locomoção. Em seguida, deve enviar o laudo para Emdurb que emitirá uma carteirinha”, explica Rocha.
O agendamento das consultas para transporte especial é feito somente às quintas-feiras, sempre agendando para a semana seguinte. De segunda a quinta se dá prioridade aos casos de saúde, abrindo para sexta-feira até domingo os casos variados. “O grande problema das vans se dá pelo conflito de horário. Hoje temos exatamente 1260 pessoas cadastradas, embora apenas 210 estejam ativas; ou seja, utilizando com frequência o transporte. Mas têm horários que as vans ficam paradas, como a noite”, conta Victor. Para tirar qualquer dúvida sobre a disponibilidade dos veículos, o telefone da administradora dos carros é o (14) 4009 – 1744.
Resta esperar
Comentando sobre as maiores reclamações que o público de Bauru faz sobre o transporte e o direito à cidade – de acordo com a própria pesquisa encomendada pela Emdurb em junho de 2013 e também usuários entrevistados – Victor respondeu que “estamos sempre ouvindo as reclamações no SAC. Sabemos que a maior reclamação dos usuários, além do preço da tarifa, é sobre o tempo de espera. Em linhas como Campus/CTI conseguimos aumentar o fluxo de carros, pretendemos fazer em outras também, mas demanda estudo e tempo”.
Colaborando com essa visão, vem Dona Lúcia, de 52 anos. Ela trabalha como empregada doméstica e tem que pegar dois ônibus para se locomover até o trabalho, um tempo de mais de uma hora e vinte minutos. A mesma declara, entretanto, que “já foi pior”. “Demorou mais de 10 anos para que o ônibus entrasse no meu bairro”, conta Dona Lúcia, mostrando que a população periférica também sofre com o transporte público, ainda que seja um sofrimento diferente.
Dona Lúcia mora no Gasparini, extremo oeste de Bauru. Para chegar ao seu trabalho, utiliza as linhas Gasparini/Centro e depois UNESP/CTI. Ela declara que “se perder o horário do Gasparini é mais 30 minutos para chegar no trabalho.” isso porque não há muitos carros disponíveis para essa rota, bem diferente da linha UNESP/CTI. “O CTI se eu perder um, em cinco minutos pego outro. Esse é diferente”.
Essa diferença mostra exatamente uma das maiores problemáticas no transporte público de Bauru. Ainda que ela seja inclusiva, pelos motivos já citados, ainda não é capaz de romper as barreiras socioeconômicas invisíveis que existem. É direito de todo cidadão ter acesso à cidade e dificultar o acesso é uma forma de negar esse direito.
As pessoas que vivem nas áreas periféricas como Dona Lúcia são diariamente atingidas por essas políticas. E isso porque ela, apesar de ser uma senhora, não tem nenhuma limitação física. Muito diferente de Waldir Souza, de 56 anos, que ficou paraplégico após um acidente doméstico há 20 anos.
Uma série de desafios
Para Waldir os problemas se intensificam. É certo que todos os ônibus que ele precisa são adaptados à sua condição, mas isso não os impossibilita de apresentarem problemas. “O maior transtorno é chegar até o ponto de ônibus”, conta. A denuncia é feita em razão da falta de acessibilidade da cidade, que apresenta um série de outras precariedades com relação à esse tema.
“Na (avenida) Nações Unidas mesmo, que deveria ser mais acessível por estar localizada em uma área nobre e ser uma das vias principais do município. Mas não é o que vemos. É impossível um cadeirante chegar a um ponto de ônibus”, protesta o morador de Bauru que ainda realiza um questionamento: “Se na(s) (avenidas) Rodrigues Alves e Nações Unidas não há acessibilidade para nós, consegue imaginar na minha comunidade? Eu ainda tenho sorte de morar bem. Por isso que eu uso van. É mais cômodo. As vezes não consigo, daí peço ajuda ou vou na fé de Deus mesmo”, comenta Waldir.
O Repórter Unesp foi até a Avenida Nações Unidas em Bauru e registrou um ponto de ônibus em que a locomoção de uma pessoa com cadeira de rodas é praticamente impossível.
Jorge Galli é advogado e possui deficiência visual desde os 13 anos por causa de um glaucoma. Ele é vice-coordenador do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comude) e relata que esses obstáculos espalhados pela cidade recebem pouca atenção do poder público. O conselho existe justamente para lutar por uma cidade mais acessível, atuando como um meio de comunicação aberto da população com a Prefeitura para defender direitos, expor denúncias, situações de descaso e até maus tratos contra a pessoa com deficiência.
Cadê o direito à cidade?
A política regional tem reforçado muito a exclusão de certos moradores e pode, por vezes, mascarar os problemas da cidade sob slogans de frotas modernas e 100% acessíveis. Os deficientes afirmam que a questão da acessibilidade vai além de apenas plataformas. A mobilidade dessas pessoas requer calçadas planas e sem buracos, rampas de acesso, entre outros fatores. É necessário pensar além do cidadão sadio, zelando também por aqueles que mais precisam.
Vale lembrar que as calçadas particulares são de responsabilidade dos donos das residências, cabendo também o papel da fiscalização e da conscientização sobre esses elementos urbanos. É difícil no núcleo familiar haver a discussão sobre o estado de suas calçadas, o que não deixa de ser relevante para a sociedade. É dever de todo cidadão colaborar com o acesso à cidade, afinal, todo cidadão tem direito à usufruir dela da melhor forma.
Repórter: Adauto Nogueira
Produção Multimídia: Luis Negrelli
Edição: Leonardo Guerino