Segundo psicóloga comportamental, a facilidade de interação diminui o valor dos relacionamentos e torna os Millennials mais desapegados
Conhecer várias pessoas num aplicativo de namoro, encontros casuais sem compromisso, muita liberdade e fluidez nas relações. Nos anos 90, poucos imaginavam o quanto o mundo online mudaria as relações afetivo-amorosas e casuais dos jovens na atualidade.
A facilidade de comunicação e grande disponibilidade de pessoas para se conhecer, principalmente nas redes sociais, possibilitam o desenvolvimento de várias relações interpessoais ao mesmo tempo. Porém, de acordo com a psicóloga e mestre em Análise Comportamental Ariádne Suzuki, muitas dessas relações podem ser efêmeras e superficiais.
Choque de gerações
A paquera e os relacionamentos afetivo-amorosos dos Millennials, nascidos entre 1977 e 1997 aproximadamente, mudaram muito em relação aos jovens das gerações anteriores. Para saber sobre essas alterações, a equipe do Repórter Unesp foi ao centro de Bauru ouvir pessoas de várias gerações. Assista ao vídeo.
Da carta ao inbox
A internet é um fator fundamental para caracterizar as relações interpessoais dos Millennials. Há uma facilidade de comunicação trazida pelas redes sociais e aplicativos. “Essa geração consegue desenvolver e manter vários relacionamentos ao mesmo tempo, e de forma muito imediata”, afirma Ariádne Suzuki.
Muito se ouve que hoje é comum para um jovem ter mais de 3 mil amigos nas redes sociais, mesmo que não tenha amizade de fato com a maioria. Por outro lado, décadas atrás, as pessoas costumavam ter um círculo de amizades bem menor, e conheciam todos pessoalmente.
Antes, a comunicação com pessoas distantes era feita por telefones residenciais ou cartas, que demoravam para chegar. Hoje, pelo contato facilitado, as pessoas querem se comunicar e estar com o outro cada vez mais rápido. Consequentemente, tornam-se ansiosas e imediatistas, como acrescenta a psicóloga Ariádne.
A paquera de hoje e de ontem
A paquera dessa geração também é mais rápida e muitas vezes se dá pelas redes sociais ou em festas. “Há uma ‘stalkeada’ (investigação) no perfil da pessoa e uma troca de curtidas”, explica o jovem Rodrigo Aguiar. A vendedora Maria Aparecida Andrade não aprova os contatos fluidos de hoje. “A paquera de antes era destinada a uma pessoa específica. Hoje os jovens paqueram uma pessoa de manhã, uma de tarde e outra de noite”, critica. Já o aposentado Antônio Pereira prefere o flerte de antigamente, pois, segundo ele, apesar de os jovens terem menos liberdade e serem mais tímidos, havia mais respeito.
“Antes as pessoas saíam para se conhecer, sem malícia ou querendo algo em troca”, comenta o jovem Luiz Felipe Silvino. Rodrigo Aguiar completa essa ideia afirmando que “hoje as pessoas se encontram numa festa e acabam beijando só por beijar”. Já o supervisor Thiago Rodrigues, 22, acredita que ainda existem pessoas que se flertam à moda antiga. “Mas, no geral, as pessoas querem o status de ‘o pegador’ e não sair para conhecer alguém mais a fundo”, opina.
“Não se apega, não”?
A partir dos relatos, foi possível perceber que há a ideia predominante de que antigamente as pessoas se esforçavam mais para manter o relacionamento, seja por imposição familiar ou obedecendo a padrões sociais estabelecidos na época. Em contrapartida, nas relações modernas, se tornou natural não se apegar tanto aos outros.
Um fator determinante para esse desapego é a facilidade de conhecer novas pessoas pela internet. Assim, “se torna mais fraca a ideia de que ‘preciso manter esse relacionamento a qualquer custo, preciso fazer isso dar certo’”, afirma Ariádne Suzuki. Rodrigo Aguiar acredita que os jovens se desapegam facilmente dos parceiros. “Se não está dando certo, a pessoa larga e parte para o próximo”, comenta. Esse comportamento também é um reflexo do sentimento de imediatismo que esses jovens carregam. “As pessoas têm menos paciência com a mudança do outro e com as possibilidades de diálogo”, conclui a psicóloga.
Apesar do desapego e fluidez nas relações serem frequentes, ainda há muitos jovens que almejam o casamento. Foi o que confirmou a pesquisa “Projeto 18/34 – Ideias e Aspirações do Jovem Brasileiro sobre Conceitos de Família”, realizada pelo núcleo de pesquisa do Espaço Experiência, ligado à Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Cerca de 81,4% dos entrevistados, jovens brasileiros de 18 a 34 anos, gostariam de ter uma união civil, religiosa e/ou estável. 12,1% querem somente morar junto e apenas 6,5% não querem nenhum tipo de união. Rodrigo Aguiar conta que começou a paquerar seu namorado pelas redes sociais e hoje está num relacionamento estável há 2 anos.
Novos tempos
A mudança de pensamentos e desconstrução do machismo que presenciam essa geração rompem com algumas regras e tabus muito fortes para os jovens de gerações anteriores. Sobretudo, a necessidade de um casamento heteronormativo e monogâmico, de ter filhos e estar para sempre com um parceiro.
Hoje existem outras possibilidades e prioridades para esses jovens, como a formação superior e a carreira profissional. A liberdade sexual também é maior, já que há uma naturalização do sexo casual e das relações homoafetivas.
Além disso, a divisão de trabalho dentro de casa se tornou mais igualitária, aponta a psicóloga Bruna Benício. Com acesso à informação, as mulheres têm fortalecido a sua voz, exigindo por igualdade e respeito nas relações amorosas. “Elas começam a perceber seus direitos e analisar que talvez não valha a pena ficar”, explica a psicóloga Ariádne. Essas mulheres partem para novos relacionamentos ou até mesmo ficam sozinhas, situação que não era bem-vista anteriormente.
Ser mais solitário ou individualista também é uma tendência dessa geração. Parte desses jovens saem de casa, não mais para casar, mas para morarem sozinhos, algo pouco comum no passado. Em suas casas têm academia e piscina, exemplifica Bruna, e as pessoas acabam frequentando menos clubes e outros meios sociais.
A volatilidade das relações
Em encontros sociais, é comum ver as pessoas entretidas no celular, sem conversar ou se conhecer mais profundamente. Segundo Ariádne Suzuki, cria-se uma falsa sensação de aproximação e de não-solidão. “Os meios digitais facilitam um contato entre várias pessoas, mas elas não se relacionam de fato”, explica.
Por conta da grande disponibilidade de pessoas para contato, em qualquer lugar e em poucos segundos, o valor dessas relações diminui. As pessoas não sentem a necessidade de se envolver ou se desgastar muito com os parceiros, pois, segundo a psicóloga, é possível encontrar outros parceiros com facilidade.
Esse grande acervo de contatos pode levar as relações para um lado negativo. Há o risco de que os relacionamentos se tornem rasos e passageiros. Mas, ao mesmo tempo, Ariádne acredita que as novas ferramentas podem ajudar algumas pessoas com dificuldade de se relacionar. “Uma pessoa que tenha ficado por anos num relacionamento abusivo ou é tímida e encontra-se isolada, por exemplo, tem a possibilidade de conhecer novas pessoas por aplicativos de relacionamentos”, conclui Suzuki.
Texto: Giovana Murça
Produção multimídia: Larissa Caliari
Edição: Clara Tadayozzi