Mudanças tecnológicas influenciam a vida dos jovens Millennials, mas não definem todas as suas características
O que é possível fazer, nos dias de hoje, com um celular? Dimensionar a potencialidade de um dispositivo móvel na atualidade não é algo fácil. Ainda assim, é fato: os jovens têm a tecnologia na palma das mãos. É recorrente encontrar pessoas de fone de ouvido, ou gravando áudios, ou simplesmente com o rosto voltado para o aparelho enquanto andam na rua. Em maio de 2016, dados divulgados pela empresa de análise de mercado Statista mostravam que: 93% dos Millennials participantes da pesquisa acessavam a internet regularmente; 90% deles tinham smartphones. Ou seja, eles estão conectados o tempo todo. E é perceptível a mudança no cotidiano dessa geração devido ao fácil acesso. Acesso a que? A tudo.
As mudanças
Celso Oliveira, cientista e psicólogo da Associação de Psicologia Americana, explica que há uma mudança no cognitivo-comportamental da geração Millennial. “Na parte comportamental, quanto mais rápido o estímulo for devolvido, mais rápido ele responde. Então a tendência é: quanto mais você aumenta a velocidade (a frequência da resposta), mais rápido você trabalha.” Assim, o nível de profundidade das respostas diminui, porque o indivíduo deixa de pensar e passa a responder automaticamente.
Já na parte cognitiva, é preciso pensar o que acontece quando se começa a trabalhar com tecnologia o tempo todo. Celso Oliveira responde: “O seu cérebro deixa de pensar através de outros mecanismos receptores e passa a atuar muito rapidamente. Ele passa a desenvolver velocidades mais altas do que pessoas que estavam acostumadas a lidar com mecanismos mais tradicionais de comunicação, como uma simples conversa.”
Com o celular, há processos que se tornaram automáticos, como é o caso da digitação. Esses processos são chamados de lineares. Mas há outros aspectos, como a tonalidade da voz e as expressões faciais, que não são percebidos. “As pessoas simplesmente não se apercebem de muitos elementos comportamentais referentes ao comportamento como ser humano. Elas começam a agir muito mecanicamente, muito secamente”, conclui o psicólogo.
Agora, um jovem Millennial pode ensinar seu chefe a lidar com redes sociais ou aplicativos que visam facilitar e organizar o dia a dia de uma empresa. Para esse jovem, é algo fácil de se dominar, porque ele consegue aproveitar todos os recursos e benefícios provindos da era digital. A diferença é que ele aprende mais rápido e usa diversas plataformas simultaneamente. Segundo Paulo Roberto Siberino Racoski, sociólogo e antropólogo, “são seres que tendem a pensar a organização da vida coletiva a partir da individualidade; que tentam colocar e não impor as suas ideias.”
Valores que permanecem
O ser humano tem a necessidade de se relacionar, trocar afetos e ter confiança. E isso não mudou. No século XXI só se difere o modo como as pessoas iniciam e consolidam esses relacionamentos. Ainda existem as mesmas vulnerabilidades e potencialidades, só que de maneira mais rápida e acessível. A preocupação se dá com uma potencial tendência ao vício. Como afirma Gustavo Pessoa, “a questão está em quais serão os contrapesos e medidas tomadas contra estes excessos. O ponto-chave é saber se teremos condições de olhar criticamente para esse risco.” Se bem utilizada, a tecnologia não é um risco, é um benefício.
Essa geração não se imagina mais sem internet. Sem ela, os Millennials teriam de ir a bancos pagar suas contas, ir a mercados fazer suas compras ou à bibliotecas fazer suas pesquisas. Mas eles já fazem isso com alguns cliques onde estiverem. (GIF: Wesley Anjos)
As consequências
Como já nasceram nesse meio digital, os jovens da chamada geração Y têm mais facilidade para aprender a lidar com as tecnologias. Eles julgam intuitivo, mas é porque muitos de seus comportamentos adaptativos, aqueles que podem ser moldados ao longo do tempo, funcionam bem ao lidar com a tecnologia. “Como, por exemplo, aprendizado rápido, agilidade em administrar informações e pensamento lógico. Eles começam a ser desenvolvidos de forma mais ampla por todas essas pessoas, ao custo, muitas vezes, da perda de outros comportamentos de mesmo valor”, explica o psicólogo Gustavo Pessoa.
As precauções
A tecnologia traz, como qualquer outro instrumento, suas vantagens e desvantagens. É fato que ela se incorporou ao modo de vida da maioria da população mundial, mas ela não define a geração Millennial. Pelo contrário, ela apenas permite que eles sejam quem são. Como afirma Patrícia Pavanello, especialista em gestão estratégica de negócios, “atualmente, há instantaneidade na busca de conhecimento e informações. Entretanto, também temos que pensar que esse volume exige posturas de uso e dos conteúdos”.
Quando se está conectado parece não haver barreiras ou limites. O conhecimento, a informação, o entretenimento, pessoas do mundo inteiro, tudo dentro de um aparelho celular. A confiança na tecnologia cresce, mas os cuidados com seu uso devem permanecer. Segundo Patrícia, “tudo se estabelece por meio da conexão, como se não houvesse outra maneira de relacionar-se e resolver-se algo. O bom senso cabe onde e como essa tecnologia deve ser usada.”
A tecnologia atinge a todos?
Quase metade da população mundial tem acesso a algum tipo de processo tecnológico. Isso gera uma praça pública digital para se expor e opinar. Mas a internet chega a todos os lugares?
O professor Paulo Racoski atualmente trabalha na região do extremo da Amazônia e conta as diferenças que vê fora do pólo das indústrias tecnológicas. Racoski explica que há lugares onde não é possível usar a tecnologia, pois o acesso é priorizado para regiões de pólos industriais. Ainda assim, as pessoas compram aparelhos potentes e caros por fetiche. O professor lembra também que a desigualdade abrange muitos outros aspectos no Brasil, não só no acesso à internet.
Black Mirror
A série original da Netflix ganhou audiência por tratar da relação que as pessoas têm com a tecnologia de modo crítico. O psicólogo Celso Oliveira julga a série uma realidade próxima, mas atenta para os elementos de ficção que causam exagero. Patrícia Pavanello também acredita tratar-se de uma série condizente, já que “podemos verificar isso quando há a abordagem de pontos como a composição em relação a manipulação das coisas, sem verdadeira emoção dos registros; ou pela abstração de um ser no ato de bloqueio; ou até mesmo como espectador de fenômenos que estão cada vez mais aparentes”.
Para o futuro, será preciso manter o aprendizado constante, porque, como Patrícia afirma, “voltar a um tempo em que tanta instantaneidade não exista será impossível, mas construções de novas relações e limites serão evidentes para se desenvolverem.”
Reportagem: Karina Francisco
Produção multimídia: Wesley Anjos
Edição: Beatriz Milanez