Você já se sentiu diminuída pelo seu companheiro ou companheira, ou ainda por um algum familiar? Constantemente, a pessoa com quem você mantém um relacionamento amoroso ou familiar, tem a mania, através de piadinhas ou brincadeiras, de desvalorizar algum comportamento seu? Já se sentiu diminuída por alguém devido a forma como se veste? O modo como você fala ou interage com outras pessoas? Se você já passou por isso, ou conhece alguém que tenha passado por situações desse tipo, infelizmente você já presenciou ou passou por uma experiência de violência psicológica contra mulher.
Quando pensamos em violência contra a mulher, é muito comum associarmos somente à violência física, por causa das marcas visíveis que são deixadas nas vítimas. A violência psicológica, assim como a sexual, muitas vezes, não deixa rastros visíveis. Fica muito difícil até por quem a sofre, identificar esse tipo de agressão. Segundo Marcela Pestana, professora do curso de Psicologia do Instituto Municipal de Ensino Superior de São Manuel, uma das razões pelas quais é difícil caracterizar essa violência é que na nossa sociedade, o papel social da mulher neutraliza essas agressões. “Nos processos de socialização, muitas mulheres aprendem que faz parte de ‘ser mulher’ a busca por agradar, por priorizar as vontades e interesses das outras pessoas, por sacrificar-se, renunciar, abrir mão do que pensa e sente para se dedicar para alguém”, afirma Pestana.
E como geralmente ela começa?
Segundo a psicóloga Camila Luporini, psicóloga formada desde 2010 pela UniFil (Centro Universitário da Filadélfia), geralmente a violência inicia-se de forma sutil e disfarçada, e vai sendo incorporada aos poucos, de forma “natural”, no relacionamento. Segundo Luporini, “Ainda não é muito comum recebermos na clínica pacientes que sofrem esse tipo de abuso, pois dificilmente a vítima procura ajuda, sente-se envergonhada, ou acredita que vai conseguir resolver a situação sozinha”. A psicóloga ainda afirma que é muito comum ser procurada pelas suas pacientes sobre problemas relacionados a baixa autoestima, e que no decorrer das sessões, conversando com elas sobre sua rotina, relacionamentos, percebe que foi vítima da violência psicológica.
A ocorrência dessa violência pode ser facilmente confundidas com ciúmes ou uma forma de proteção do agressor em relação à sua vítima. “A violência, com frequência, gera em quem a sofre uma dúvida sobre ter feito algo para provocar, sobre ser responsável por não ter evitado, uma culpabilização, como se de alguma forma merecesse a violência que sofre ou que precisasse ser capaz de impedi-la”, enfatiza Pestana. E com o sentimento de culpa, vai deixando de agir naturalmente, começa a vestir-se e portar-se de forma que agrade mais seu companheiro, pode deixar de sair com amigos e familiares, às vezes só sai com sua permissão ou aviso, ou até mesmo apenas em sua companhia. A vítima também começar a sentir-se desvalorizada, inferiorizada, incompetente.
Quem é o agressor e por que essa violência ocorre?
O machismo e a sociedade patriarcal – forma organizacional cujo o poder fica concentrado entre os homens adultos, em vários setores da sociedade – são os responsáveis pela naturalização da violência contra a mulher. Segundo Pestana, o reforço dos estereótipos de homem e mulher é um elemento que reforça a subjugação da mulher em relação ao homem, enquanto na socialização de garotas e mulheres elementos como sensibilidade, docilidade e submissão são valorizados. “Por isso, é comum que em relacionamentos entre homens e mulheres, os homens considerem formas de controle (sob a mulher) como um ‘direito’, como uma forma de proteger a ‘honra’, como uma forma de ‘dominar’ ou mesmo de ‘corrigir’ suas parceiras”, esclarece a professora.
Segundo o professor Luís Antonio Bitante Fernandes, coordenador de um núcleo de pesquisa Gênero, Identidade e Sexualidade, o patriarcado e o machismo são os responsáveis culturais por perpetuarem a violência contra a mulher. “A violência é uma prática naturalizada pelas e nas relações de poder. A violência passa de geração para geração, através de práticas educativas que historicamente, culturalmente e geograficamente são reinventadas para sustentar o lugar do privilégio masculino”, afirma Bitante.
E o que mantém essa relação de poder viva é a organização social. A sociedade brasileira, ainda, se organiza de forma patriarcal. Ou seja, dentro da lógica da estrutura patriarcal, os cargos mais poderosos são ocupados por homens. Um reflexo desse comportamento pode ser observado no cenário político brasileiro. Apesar de 51% do eleitorado brasileiro ser composto por mulheres, apenas 16% das mulheres são senadoras e quase 9% são deputadas.
“A violência psicológica é só uma das formas de como essa dominação se sustenta em nossa sociedade, a dominação procura criar formas de legitimar o poder (masculino)”, enfatiza Bitante.
A violência não pode ser naturalizada dentro dos relacionamentos afetivos, pois pode ser compreendida como algo que é permitida, autorizado pela sociedade, tornando-se banal. Bitante complementa, “As conseqüências são desastrosas, por que deixam marcas extremamente expressivas em mulheres que sofrem esse tipo de violência. Um exemplo são as formas discursivas naturalizadas (nesse caso, a própria violência psicológica) nas relações heteronormativas, pois nem sempre as vítimas (mulheres) têm total consciência de que estão constantemente sendo violentadas”.
Repórter: Helena Ortega
Produção Multimídia: Gabriela Carvalho
Edição: Aressa Muniz
Foto de capa: Tristeza e sofrimento que sufocam (Créditos: Pixabay)