Os padrões estéticos também são uma forma de violência

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A mulher deve ser alta, magra, branca, com os cabelos lisos e loiros, de preferência longos, e sempre muito bem cuidados, assim como nos anúncios e propagandas de estética. A mulher também deve depilar todos os seus pelos, sejam aqueles que crescem ao redor das sobrancelhas ou os das axilas e pernas, além daqueles na região da virilha, caso contrário serão consideradas desleixadas. E cabelo curto? Nem pensar! A mulher deve evitá-lo, se não logo questionarão sua sexualidade. Ela deve ter os seios alinhados, arredondados e empinados, como os glúteos, e uma cintura bem demarcada.

Esses são só alguns dos diversos aspectos que o modelo de mulher vendido pela sociedade patriarcal e propagado através da mídia deve apresentar. Mas, será que a grande parte das mulheres corresponde a tais padrões e são efetivamente representadas por eles e satisfeitas com os mesmos? Mesmo com o aumento do discurso sobre a diversidade de tipos – de corpos, cores, cabelos, traços – e a veiculação de publicidades exaltando tais diferenças, existe uma real valorização desses outros formatos que não aquele idealizado?

Segundo Isabel Moreno, nutricionista comportamental, “a ditadura da beleza nos cerca e nos cega para acreditarmos que estamos sempre inadequadas sob o ponto de vista estético. Assim, somos programadas para acreditar que existe sempre um modelo a ser seguido. Esses padrões estéticos impostos pela sociedade vêm interferindo sempre de forma muito negativa na vida da mulher e na imagem que a mesma constrói de si. Isso acontece devido à inconstância desses padrões irreais que são impossíveis de serem atingidos, exatamente por sermos únicas e bem diferentes umas das outras”.

Confira o bate-papo sobre os padrões estéticos e a importância dos mesmos serem repensados com a psicóloga Márcia Regina Ferro, especializada em neuropsicologia:

 

No campo cirúrgico, algumas modificações são realizadas com o intuito de “melhorar” esteticamente a aparência e se aproximar desses padrões, atribuindo à mídia o papel principal de formadora de opinião que influencia diretamente na vida dos indivíduos e nessa busca pela “perfeição”, além da tentativa de alcance do padrão propagado e exigido em determinado momento.

São diversos os procedimentos buscados hoje em dia: aumento ou redução das mamas ou glúteos (tanto através da aplicação de silicone quanto da aplicação de hidrogel), blefaroplastia (que consiste na retirada de bolsas de gordura e rugas visando o rejuvenescimento do rosto), botox, injeções nos lábios (para o aumento desses), implantes para modificar a cor da íris, lipoaspiração, mastopexia (que se caracteriza pelo reposicionamento da auréola do seio), rinoplastia (diminuição da estrutura do nariz) e transplante de cílios ou cabelo e muitos outros. As pessoas se submetem com o intuito de se adequarem ao novo padrão,  que é alterado frequentemente em um curto espaço de tempo. Enquanto era preciso décadas ou até mesmo séculos para o padrão de beleza ser modificado, hoje, pouco tempo são o suficiente para tornar o “feio”, belo, e o “belo” mais bonito.

TIRE SEUS PADRÕES DO MEU CORPO! (Créditos: Gabryella Ferrari)

A sociedade e a história possuem papel nos padrões

A nutricionista explica que “o formato do corpo feminino variou de acordo com as épocas e, posteriormente, variou também de forma mais ágil a partir de décadas, do ano de 1900 até o momento presente. No período da Renascença, por exemplo, o corpo tratado como belo era aquele que apresentava o formato mais cheio, com quadris largos e abdomes avantajados. Essas eram características que expressavam saúde, fertilidade, força e status social. A partir do século XIX, esse padrão de beleza começou a mudar gradativamente. A obesidade passou a ser vista de modo negativo e a magreza como ideal. A transição do final do século XIX para o século XX já nos remetia a ideia de que o corpo magro era símbolo de beleza e sucesso. Foi a partir deste momento que a magreza era cada vez mais incentivada por meio de propagandas publicitárias”, resultando na exclusão daquelas mulheres que não se encaixam nos devidos padrões reforçados através da mídia,  já que são ilusórios e alcançados por uma minoria da população.

“A grande verdade é que a sociedade lucra com a nossa insatisfação, nos fazendo acreditar que estamos sempre inadequadas perante a exigência corporal ditada pela mídia e pela moda. E essa é a principal ideia, nos deixar cada vez mais frustradas e insatisfeitas a respeito de nossas características. Todo dia um novo modelo de corpo e de beleza será lançado na mídia, e é exatamente isso o que deve ser repensado. Aquela revista que estampa determinada modelo não estampa a modelo real, pois esta foi submetida à retoques digitais que nem elas mesmas se reconheceriam e conseguiriam chegar a tal padrão. É justamente esses retoques irreais que fazem com que a maioria – 98%, acreditem que estão sempre erradas”, completa Moreno.

Ela afirma que a busca por esses padrões “ideias” pode resultar em distúrbios de imagem corporal, que são alterações graves, trazendo prejuízos sociais, físicos e emocionais, ou seja, fazendo com que o indivíduo perceba seu corpo de forma distorcida – esse distúrbio pode ser descrito como distorção da imagem corporal, podendo afetar o corpo como um todo ou apenas partes específicas.

Helena Simões Moraes relata que questões pessoais de caráter familiar e o pensamento de que ela não se encaixava nos padrões estéticos apresentados pelas meninas de sua escola no período da pré-adolescência, propiciaram conjuntamente a anorexia, um transtorno alimentar que provoca distorção da imagem e obsessão pelo peso e por aquilo que ingere. “Eu fui contra a natureza do meu corpo”, conta ela, que foi se recuperando aos poucos até que esses sentimentos retornaram.

Podemos ter cabelo curto e… enrolado! Bárbara Ethienne, estudante de Psicologia, AYA Coletivo Feminista (Créditos: Gabryella Ferrari)

Moraes comenta que queria emagrecer a qualquer custo e “ser uma Pugliesi”. Os padrões estéticos acabam sendo exaltados e reforçados em redes sociais como o Instagram através de figuras públicas que possuem realidades diferentes da maioria das mulheres que acompanham, tanto pelas rotinas que são voltadas para essas atividades quanto pelo alto custo de produtos alimentícios específicos, por exemplo, como é o caso da blogueira fitness Gabriela Pugliesi. Ela ainda menciona que, mesmo sentindo fome, não comia por receio de engordar, contava as calorias e lutou muito contra si mesma, se internou e também buscou por métodos alternativos como escrever e  trabalhou a espiritualidade, além dos exercícios de crossfit. “Essa experiência depois de tudo que eu passei, consigo ver que realmente estou pronta não só para finalizar essa etapa, mas para trabalhar com isso porque eu tenho  desejo de ajudar outras mulheres”, declara Helena.

A comparação como consequência física

De acordo com Moreno, “é a partir da insatisfação corporal e das constantes preocupações com o peso, que desencadeia o passo inicial para o desenvolvimento de um Transtorno Alimentar (TA), que são quadros psiquiátricos caracterizados por profundas alterações no comportamento alimentar e disfunções no controle de peso e formato corporal. Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa, Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica e Transtorno Alimentar Não Especificado são alguns dos TA’s mais frequentes na população brasileira atualmente. É sempre bom lembrar que nem toda dieta acarreta em um TA, mas todo TA começa com uma dieta”.

Para a nutricionista, a diversidade de formas corporais deve ser valorizada, nenhuma mulher pode ser classificada ou desvalorizada pelo formato de corpo que tem. “Imagem, número na balança e medidas não podem determinar o nosso valor como seres humanos. Somos diferentes umas das outras, isso devido às nossas individualidades biológicas e anatômicas (estatura, ossatura, composição corporal e variantes genéticas), que devem ser respeitadas. A magreza em si nada tem a ver com um parâmetro preditor de saúde, bem como corpos esculpidos por músculos salientes, já uma pessoa considerada cheinha, gordinha ou qualquer outro sinônimo que a mídia e a sociedade considerem como ‘errado’, também não é sentença de que o indivíduo esteja doente –  não deve ser justificado como meio para enquadrar ninguém, apenas por quererem que a mesma obedeça a toda essa ditadura”.

Helena Simões Moraes também defende que as pessoas devem ser quem elas quiserem e se respeitar, e que “se uma mulher teve esse despertar, ela impulsiona as outras porque a gente não está sozinha, a gente está junto, não é uma competição. Se uma acordar, que acorde todas as outras. A nossa beleza consiste na nossa força, é algo que está aqui dentro”.

Vanessa Sforsin, consultora e coach ontológica, considera que existem muitos caminhos para a mulher se reconhecer e não ser refém dos padrões estéticos, “um desses caminhos é o que faço através do meu trabalho com autoconhecimento, de despertar um olhar próprio sobre as características, pontos fortes e assumir a responsabilidade por aquilo que somos e construir uma vida mais alinhada com o que verdadeiramente importa para si. Além disso, vejo muitas mulheres despertando e vendo que não precisam seguir um padrão pré-estabelecido pela sociedade, um desses caminhos que eu participo e está ganhando cada vez mais visibilidade são os Círculos do Sagrado Feminino, que são encontros de mulheres para despertar nosso lado feminino que foi se perdendo e fortemente influenciado por essa Ditadura da Beleza”, complementa a consultora.

Sforsin aborda a necessidade de conscientização das mulheres sobre o fato de que os padrões são criados pela sociedade e pela mídia e que cada uma deve buscar suas próprias características estéticas reais que a tornam única e não se comparar a outras mulheres e padrões que não são compatíveis com os seus, gerando cobranças e pressões, além de voltar para sua história e para tudo aquilo que faz sentido, o que é bonito para si. Para a consultora, é importante “despertar um olhar interno de aceitação e admiração para aquilo que somos, deixando de lado os padrões do ‘como deveria ser’ e sendo aquilo que já somos. Vejo que a mídia tem grande influência na construção desses padrões da Ditadura da Beleza, mas também vejo um cenário otimista e que algumas marcas já estão atentas a isso, que é esse olhar mais amplo que valoriza a beleza de todas mulheres e não um único padrão estereotipado de beleza”.

A nutricionista Isabel Moreno reflete que “nossos corpos não são massinhas de modelar, nem tampouco precisamos de moldes para sermos belas e aceitas. Devemos sempre nos questionar em primeiro lugar, o que é a beleza e se realmente aquilo o que é exposto e endossado pela sociedade é símbolo de beleza. Se a resposta for sim, para quem?”. E conclui: “não seria nada interessante para a mídia e para muitos profissionais, se todas as mulheres acordassem amando os seus corpos. Amar-se com todas as nossas características (im)perfeitas é o maior ato de rebeldia contra uma sociedade que quer ser sustentada com a nossa insegurança. Vale a pena pensar nisso com carinho para que sejamos o nosso próprio parâmetro!”.

MULHERES COM PÊLO CONTINUAM SENDO MULHERES! Sarah Vitória, estudante de Rádio e TV, AYA Coletivo Feminista (Créditos: Gabryella Ferrari)

 Jhosy Oliveira é modelo e participou de vários concursos de beleza como Miss Sacramento, Miss Popularidade MG, Miss Afro, Miss Negra Linda, que são alguns entre os vários títulos que recebeu ao longo de sua trajetória nas passarelas e no mundo da moda. A modelo aponta que essa questão também interfere no mercado de trabalho, onde a mulher, além de ser submetida a salários menores, deve se encaixar nos padrões de beleza que a empresa impõe. Ela ressalta a valorização da mulher diante da objetificação proposta por uma sociedade machista e preconceituosa e a importância de coletivos, grupos, oficinas que possibilitem o empoderamento feminino.

“Eu, como miss, queria muito dizer que só presenciei, mas, infelizmente, eu já passei por essas questões desnecessárias de padrões estéticos. Foi quando eu fui coroada Miss Sacramento, no ano de 2015. Eu ouvi dizer por algumas pessoas que me abordavam na rua juntamente à minha mãe, perguntando se eu era a irmã da miss, e minha mãe logo dizia: ‘ela quem é a miss’ e dava para ver a cara de espanto da pessoa ao ouvir e a pessoa tinha a audácia de falar: ‘nossa, mas ELA, pensei que fosse a outra irmã mais clarinha, aquela do cabelo liso’. Eu tenho duas irmãs que são mais claras que eu e usam o cabelo liso, e o meu é cacheado. É onde está o preconceito racial, beleza padrão, por que a mídia sempre influenciou a seguirmos uma beleza padronizada, estereotipada”, conta Jhosy.

Ela ainda comenta sobre outros episódios que vivenciou o preconceito: “e outra vez também, em um concurso em Patos, que eu fui representar a minha cidade no estadual Miss Mundo Minas Gerais 2016, meu coordenador se direcionou a mim e disse: ‘Jhosy, olha, se você for coroada a MMMG 2016, vamos realizar uma plástica em seu nariz, para ficar mais fino, e alisar o teu cabelo’. Naquele momento, eu não tinha conhecimento do que estava vivenciando, mas hoje eu reconheço e compreendo que eu estava sendo rejeitada da forma que eu era, que minha beleza natural não estava sendo valorizada. Dói muito”.

Jhosy acredita que muito já mudou daquela estrutura fechada e tradicional. “Fiquei muito feliz em ver o quanto o mundo da moda e da beleza está começando a sair do padrão, as misses, os misters e modelos, antigamente, tinham que ser magérrimos, brancos, loiros e dos olhos claros. Mas, hoje em dia, temos muitas modelos negras e negros, misters e misses negras, e temos os concursos Miss Plus Size e modelos plus size. O certame de variados tipos de beleza está sendo valorizado, apesar de que temos muito em que avançar ainda”, conclui a modelo.

Bárbara Ethienne, Isabela Otani, Luana Cheque e Sarah Vitoria são algumas das mulheres atuantes no coletivo feminista AYA e propõem através de frases objetivas reflexões acerca dos padrões estéticos que são submetidas. Padrões que são reforçados por preconceitos diante da diversidade e tabus sobre o corpo feminino. Essas mulheres levantam não só a reflexão como a própria luta desse grupo frente a todas as barreiras, sejam elas visíveis ou invisíveis. E você, qual frase levantaria?

Repórter especial: Gabryella Ferrari

Foto de capa: Mulher plural (Créditos: Gabryella Ferrari)

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