A Edição 50 do Repórter Unesp – batizada de “Chegou a hora de você falar, mulher” – traz como sua temática a violência contra mulher, um assunto concomitantemente urgente e delicado.
A violência contra a mulher é um tema que vem ganhando, felizmente, cada vez mais exposição nas mídias e consequentemente se tornando a cada dia de maior conhecimento público. Escrever sobre isso é um ato de coragem e resistência a uma sociedade ainda patriarcal e substancialmente machista, onde a mulher ainda é vista como propriedade e tem suas lutas desqualificadas por quem acredite que isso não passe de uma reclamação descabida.
O papel do jornalista independente, inserido numa realidade de grandes veículos controladores e em crise, é justamente alertar sobre as coisas que acontecem e não são reconhecidas, não têm espaço na agenda de assuntos do mainstream e alvos de ignorâncias e preconceitos que se disfarçam em formas de costumes e discursos pré-dispostos – de forma a adquirir mais espaço através de narrativas que fogem da grande mídia.
Cada nova matéria que retrata a violência contra a mulher é uma engrenagem que se junta à máquina da luta constante por igualdade de gênero, ajudando a acelerar o nosso processo em reconhecer e solucionar um problema social que se estende em todos os campos da vida – do trabalho aos relacionamentos.
A princípio, eu erroneamente achei que seria um tema difícil de se destrinchar em diversas pautas mas a organização da edição deu atenção especial em demonstrar como a violência contra as mulheres – bem como o machismo – se alastra para todos os âmbitos possíveis.
Mas eu, particularmente, na minha posição de homem, branco e cis, devo conter os meus comentários sobre a temática e buscar sempre não ocupar um espaço de fala que não me pertence. Deixo o restante dos elogios para as mulheres, mas digo que aprendi muito com a revista. Me concentro agora em falar sobre os aspectos técnicos da edição 50 de Repórter Unesp.
Aspectos Técnicos
A Edição 50 contou com uma edição textual bem uniforme, utilizando-se de uma linguagem padrão que ao mesmo tempo escancara a realidade da violência contra a mulher, sem perder seu tom de sensibilidade. Este tom pode ser percebido com o uso de alertas de gatilho nos relatos de abuso, e a preservação da imagem e da voz das fontes que não desejam se identificar – sem citar o uso das palavras que não causassem problemas para a leitora.
Ao longo a revista, o uso dos infográficos foi bastante útil, trazendo tanto informações de maneira simples e de fácil entendimento, como preenchendo os espaços entre os textos para dar mais fluidez. Os infográficos foram muito bem executados, com bom uso de fontes, cores e iconografia.
As produções audiovisuais – vídeos e som – também merecem destaque, explorando entrevistas e relatos de forma a acrescentar informações ao texto, ao invés de simplesmente repeti-las. O uso da playlist musical em “Mulheres narram passado e presente de agressões” é um uso criativo de uma ferramenta não textual, e os gifs usados na lista “Assédio ou elogio?” aliviam um pouco da tensão da temática e deixam o texto divertido de se ler.
No entanto, durante os vídeos de relatos onde a voz das fontes foram disfarçadas, a distorção das vozes dificultou o entendimento dos testemunhos, efeito que poderia ter sido evitado com o uso de legendas sincronizadas com o som.
Deve-se também ser ressaltada a escassez de imagens ao longo de toda a edição. Com exceção de algumas matérias – que possuem boas e numerosas imagens – a maioria da revista conta com poucas fotos, que deixam o texto carregado e fazem falta na ilustração das pautas.
Além disso, há também a falta de verbos nos títulos – que por muitas vezes fizeram falta para demonstrar do que de fato a matéria se trataria, qual era a sua pauta e assunto central. Verbos são detalhes, mas detalhes são importantes.
Um outro defeito textual que deve ser citado é o uso da primeira pessoa para a confecção do editorial (texto de capa) da revista. A primeira pessoa pode ser usada para textos jornalísticos, como crônicas e reportagens mais experimentais, mas um editorial deve contar ao público sobre o tema e a revista propriamente dita, e não os relatos e reflexões de uma só pessoa.
Ainda sobre o texto de capa, a ausência do índice ao final da publicação confunde o leitor e não guia a ordem pela qual as matérias devem ser lidas – uma fluidez que é necessária quando se trata de uma revista.
No geral, a sentimento que a publicação transpassa é de uma preocupação fundamental em explicar e apresentar fatos, tornando a Edição 50 do Repórter Unesp uma revista didática e expositiva, trazendo ao leitor uma experiência onde se aprende e também se choca (eu particularmente passei mal nos relatos da matéria sobre violência obstétrica).
Ademais, se faz necessária também uma crítica ao próprio Repórter Unesp – o layout da página que coloca o título, data e autor à frente da foto de capa causa um ofuscamento da imagem e tira toda a sua importância. A imagem de capa é muitas vezes o motivo do impacto no leitor e pode também ser mais chamativo que o próprio título. Ofuscar esta imagem desta forma pode desanimar o leitor em continuar lendo a matéria ou mesmo continuar a caminhar pelo site. Algumas imagens de capa muito boas desta edição perderam o seu peso e significado.
Ombudsman: Daniel Sakimoto
Imagem de capa: Angel Gonzlez em Unsplash