“Eu coloco como um marco em minha vida o dia 19 de janeiro de 2002”. A partir desse dia, Renato Incau desata o nó de uma história que envolve superação, solidariedade e luta, e possibilita um debate mais transparente acerca do número de transplantes de órgãos realizados no país.
Na data, o pai falecia após ter sido vitimado por morte súbita durante uma partida de futebol. Os cuidados em relação à saúde da família tomaram força, o que, consequentemente, levou todos a uma bateria de exames – Renato descobriu uma doença cardíaca. Após cinco anos, a evolução e a gravidade da doença destinaram Renato à fila de espera para um transplante de coração.
Falta discussão e cresce a fila de espera
A instabilidade gerada pelo pouco debate acerca da doação de órgãos, gera números de doadores abaixo do contingente na fila de espera. Em 2018, no entanto, a taxa de doadores efetivos passou por uma recuperação na queda (2,4%) apresentada no ano 2017. O dado é da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos – ABTO, que tem como meta atingir 18 transplantes por 1 milhão de população (pmp) ainda este ano. No balanço realizado em junho, o número atingido foi de 17pmp.
As principais dificuldades estão associadas à falta de debate acerca do tema. Além da não confirmação em casos de morte encefálica, a decisão final sobre a doação dos órgãos é da família – caso não haja nenhum termo por escrito do indivíduo falecido, manifestando o interesse de se tornar doador.
É comum que os entes optem por não doar devido à falta de conscientização e à fragilidade emocional, gerada pela dor da perda. Foi a partir dessa premissa que Renato formou a Doe Órgãos, Salve Vidas. Após aguardar 10 meses na fila de espera, ele recebeu um coração. Agora, Renato enxerga o projeto como um amplificador do assunto. “É uma forma de retribuir para sociedade aquilo que eu recebi”, comenta. A campanha sem fins lucrativos organiza palestras, possibilitando o acesso da população ao conhecimento acerca da importância da doação de órgãos. Além disso, a organização realiza coletas de sangue e medula.
Decomposição do organismo
Uma das barreiras para os transplantes de órgãos consiste na causa do falecimento. Isso porque, se não for confirmada morte encefálica, por exemplo, a possibilidade de doação de órgãos e, consequentemente, de transplante pode ser colocada em xeque. A “validade” de um organismo também impede que a análise se estenda por longas horas, visto que o corpo começa seu processo de decomposição em um intervalo de tempo, em média, de 24 horas.
Devido ao rápido processo de decomposição, “o corpo passa a perder ATP (trifosfato de adenosina), que é energia e, consequentemente, o músculo do cadáver passa a enrijecer”, comenta o biólogo e especialista em Fisiologia, Gabriel Victoriano. O pesquisador pontua que, após o período de algumas horas, órgãos como o intestino, apresentam uma desagregação acelerada, contribuindo para o início de alguns processos de degradação.
Isso acontece porque os tecidos não apresentam impermeabilização de queratina e estão mais propensos ao ataque de bactérias. A partir daí, subprodutos como gases (metano e enxofre, por exemplo) são formados e a decomposição pode ser notada no ressecamento e na formação de bolhas na pele, dissolução do cérebro e coagulação do sangue.
Texto: Rafael de Toledo
Produção multimídia: Michele Custódio
Edição: Beatriz Ribeiro