Abarrotados

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Investigação detalhada e persistente realizada por uma equipe de vinte e quatro estudantes de jornalismo da Unesp de Bauru estanca a ferida presente na concepção de justiça na sociedade brasileira.

Uma sequência de reportagens publicadas pelo Repórter Unesp para a Edição 54 reacendeu o tema do encarceramento no Brasil – assunto que vem e volta nas redações jornalísticas, mas que raramente traz um panorama geral ao leitor. A edição perpassou pelos âmbitos mais complexos do encarceramento, traçando um caminho longínquo, mas tênue entre fatores pré-condenação e negligências no sistema penitenciário, prisões arbitrárias e condenações expectadas, falhas no sistema punitivo e reinserção social, e destrinchou a crescente onda militar no Brasil por meio de análises profundas nas promessas de segurança pública do governo de Jair Bolsonaro.

Por meio da mais profunda essência do jornalismo investigativo, a dificuldade para encontrar fontes que estivessem confortáveis em falar sobre o assunto foi superada e a equipe cumpriu com o objetivo de incomodar o leitor – abordando temas que fogem do espectro cotidiano e questionam as desigualdades sociais veladas sob valores tradicionais.

Análise geral

Para realizar a crítica, eu visto a lente do leitor com o objetivo de aproximar as produções acadêmicas do grande público. Cada matéria foi analisada pelos critérios de clareza, noticiabilidade, relevância, novos ângulos e abordagens, linha narrativa, gramática, qualidade de fontes e integração entre uma matéria e outra.

Pontos altos e baixos foram notados ao longo da leitura. A edição é crescente, começando fria com um breve e não muito curioso texto de capa e aquecendo os motores ao longo das reportagens, que possuem clara divisão editorial mas que seguem uma linha narrativa em sua maioria. A escolha pela reportagem especial para iniciar a leitura foi certeira, preparando o leitor para a profundidade de conceitos e números que virão à seguir.

O ritmo foi quebrado com a segunda matéria, que aborda o militarismo. Mesmo sendo um dos destaques da edição por sua linguagem objetiva e abordagem detalhada, ela não se comunica adequadamente com o tema geral de encarceramento, visto que está distante do eixo central da discussão e pode dificultar a assimilação do leitor na falta de uma prévia leitura dos outros textos.

Ainda na ilha de política, as propostas para segurança pública do governo Bolsonaro e o contraditório pacote anticrime são colocados à luz. No entanto, a superficialidade com que estes assuntos tão complexos são abordados podem ser um empecilho para a compreensão do leitor que não conhece a discussão.

Fôlego para a edição

A rota canarinho dita um novo ritmo para a edição e dá partida à uma série de reportagens fluídas e bem amarradas entre si. O tropeço vem com a repetição de informações contidas nas matérias e os mesmo dados, reproduzidos por mais de cinco vezes, que foram retirados do relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). No entanto, isso dá margem para questionarmos a falta de pesquisas acerca da privação de liberdade no Brasil.

No âmbito de saúde mental no sistema penitenciário, o leitor está munido não apenas com uma, mas duas matérias da mesma ilha (saúde) que abordam tópicos iguais e são construídas com fontes semelhantes. Em sequência, as reportagens são apresentadas com o mesmo viés – saúde mental de agentes e detentos, e criticam a negligência do sistema perante os impactos do ambiente e condições precárias no psicológico dos envolvidos.

Percalços no quesito multimídia também aparecem ao longo da produção. Ao passo que o leitor imerge nos conteúdos, torna-se inevitável não questionar as imagens tão próximas visualmente e comumente encontradas em bancos gratuitos. A temática escolhida é extremamente complicada para conseguir imagens próprias e acredito que a equipe enfrentou com unhas e dentes esse empecilho, no entanto, entregou ao público apenas uma imagem autoral em toda a edição.

Por fim, os saldos são positivos e os alunos entregaram um excelente conteúdo – deixando um legado para o Repórter Unesp. Os diferentes formatos apresentados em cada reportagem, como vídeos, infográficos, áudios e desafiadores podcasts mostram o empenho pessoal de cada integrante e garantem profissionais preparados para o mercado de trabalho com engajamento e espírito jornalístico.

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