A prostituição e a luta para ser regulamentada

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“A profissão mais antiga do mundo”, é assim que ficou conhecida a prostituição, após ser mencionada pelo escritor inglês Rudyard Kipling, em sua obra “O livro da selva”, que deu origem, posteriormente, a “Mowgli, o menino lobo”. Há diversos debates acerca de ser ou não um dos primeiros ofícios da humanidade, porém, uma coisa é fato: ainda existe e está cada vez mais atraindo pessoas para o chamado “trabalho sexual”.

No nosso país
Gabriela Leite, quando mais velha. Está usando óculos e está vestindo uma roupa vermelha.

Gabriela Leite ( 22 de abril de 1951, São Paulo – 10 de outubro de 2013, Rio de Janeiro), prostituta e militante. FOTO: Manoel Marques

A brasileira Gabriela Leite foi uma das muitas mulheres que entraram para esse mercado. No início da década de 1970, durante a ditadura militar, Gabriela cursava Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP), quando decidiu – por escolha – se tornar prostituta e lutar pelos direitos da classe. Um dos marcos de sua trajetória foi a criação, em 1992, da organização Davida, que atua na defesa e no reconhecimento dos direitos das prostitutas. Além disso, foi fundadora da Daspu, em 2005, uma linha de roupas fabricadas e organizadas por e para prostitutas. Faleceu em 2013, devido à um câncer.

O Observatório da Prostituição

O legado de Gabriela, presidenta da Davida e, posteriormente, da Rede Brasileira das Prostitutas, continuou e gerou frutos. Após sua morte, foi fundado o Observatório da Prostituição, um projeto de extensão do Laboratório de Etnografia Metropolitana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “(O Observatório) foi criado por trabalhadores sexuais e por acadêmicos que eram associados à organização Davida, porque achamos necessário continuar o trabalho que a organização fazia, uma mistura de educação, pesquisa e militância política, tentando gerar dados confiáveis sobre prostituição, para colocá-los à frente das pessoas que fazem as políticas no Brasil”, comenta um de seus fundadores Thaddeus Blanchette, de 51 anos, antropólogo, pesquisador e professor da UFRJ.

Sendo assim, o Observatório é um grupo que milita a favor dos direitos trabalhistas e humanos dos trabalhadores sexuais. “É oferecer a possibilidade e a opção das pessoas que exercem essa profissão de se regulamentarem, de entrarem como carteira de trabalho, se isso for o que elas querem”, explica Thaddeus. Segundo ele, a prostituição já é legal no Brasil, e mais: “Não é e nunca foi criminalizada, pelo menos oficialmente”. No entanto, o problema é que ela não é regulamentada, pois, de acordo com os estudos do Observatório, quem controla esse mercado é a milícia e uma parte da polícia.

Imagem comemorando o aniversário de 30 anos do movimento brasileiro de prostitutas

Imagem de perfil da página do Facebook® do Observatório da Prostituição. IMAGEM: Divulgação

“Embora seja ilegal manter casas de prostituição ou qualquer coisa do tipo, em 2009, havia 290 dessas casas na cidade do Rio de Janeiro. Nossas pesquisas indicam que quase todas pagavam uma ‘régua’ para a polícia ou tinham parceiros envolvidos, que eram membros da polícia ou da milícia”, destaca o pesquisador. Ele exemplifica contando que, em 2014, antes dos jogos da Copa do Mundo, um prédio em Niterói que foi desmantelado, com cerca de 90 microputeiros e 190 mulheres trabalhando, era comandado por essas duas organizações (a milícia e a polícia), que extraia em torno de 200 mil reais por mês de lá.

“Ou seja, a prostituição já é controlada e regulamentada no Brasil, mas é de uma forma absolutamente opaca, não transparente e extra-oficial”, destaca Thaddeus. Seguindo essas diretrizes, o Observatório acredita que a única maneira de assegurar os direitos e as vidas das pessoas envolvidas nisso, é descriminalizando a prostituição e reformulando o código penal que contém artigos que “são extremamente vagos e mal escritos”, na visão de Thaddeus.

O que diz a lei?

Bruna Martins Ares Dieguez, de 23 anos, advogada e atuante na área cível, explica que prostituir-se não é crime. Contudo, o fato de se aproveitar da prostituição alheia, participando de seus lucros, que é o que chama-se legalmente de rufianismo, é crime, conforme o artigo 230 do Código Penal, com pena de reclusão de um a quatro anos, além de multa.

Em relação ao termo “prostituta”, ele se encontra cadastrado na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho. Lá, pode-se encontrar a seguinte definição:

  • Profissional do sexo – Garota de programa; Garoto de programa; Meretriz; Messalina; Michê; Mulher da vida; Prostituta; Trabalhador do sexo.
  • Descrição Sumária – Buscam programas sexuais; Atendem e acompanham clientes; Participam em ações educativas no campo da sexualidade; As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão.

Porém, por mais que esteja cadastrada, não significa que a profissão está regulamentada. “Isso quer dizer apenas que é reconhecida como profissão, ou seja, é entendido que a prostituição é praticada como profissão por um considerável grupo de pessoas”, indica Bruna. Mas, para eventual regulamentação, deve ser prevista por lei.

Jean Wyllys está vestido de terno, discursando ao microfone. Ele tem cabelo comprido e usa óculos.

Ex-deputado pelo PSOL, Jean Wyllys, foi o primeiro parlamentar assumidamente gay a lutar pela causa LGBT. FOTO: Geraldo Magela/Agência Senado

E é o que tenta o Projeto de Lei 4.211/12, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL – RJ). Batizado de Lei Gabriela Leite, o projeto busca regulamentar a atividade dos profissionais do sexo. Entretanto, de acordo com a Agência Pública, está parado na Câmara dos Deputados desde 2016, aguardando a composição de uma comissão temporária para analisá-lo.

Thaddeus também concorda com a importância da alteração no Código Penal: “O que a gente vê como fundamental é a descriminalização total da prostituição, ou seja, a eliminação das leis que atualmente a rondam”, afirma. Além disso, eles lutam pela substituição delas por uma lei anti-exploração sexual, que seria definida da seguinte forma: Exploração sexual é forçar alguém a entrar na prostituição ou impedir sua saída (da prostituição).

Em contrapartida, o deputado federal Flavinho (PSC – SP), relator e defensor do Projeto Escola sem Partido, elaborou outro Projeto de Lei, que já está em trâmite. O PL 6127/2016 propõe criminalizar o consumo da prostituição, além de exigir a retirada da profissão prostituta da CBO. Se isso ocorrer, elas não terão mais o direito a se cadastrar no INSS (conquistado em 2010 ao entrarem para a CBO), nem a receber auxílio-doença caso sofram algum problema de saúde relacionado ao trabalho.

Na voz delas
Rafaela Mendonça está com um vestido preto, tubinho, parada na esquina e sorrindo para a foto.

Diego Rafael Mendes, de nome social Rafaela Mendonça. Trabalha como garota de programa, em Bauru. FOTO: Rebecca Crepaldi

Nascida em São Luís do Maranhão, Rafaela Mendonça (nome social) concorda que a sua profissão deveria ser reconhecida igual às outras e lhe garantir os mesmos direitos. “Eu acho que deveria, sim, ser tratada como um trabalho como qualquer outro. Também acho que deveria ter leis não só para nos proteger, mas também programas para manter (as garotas) mais informadas de seus direitos”, enfatiza a profissional.

Rafaela, atualmente, mora em Bauru. Apesar de lutar pelos seus direitos como garota de programa, conta que optou pela profissão por necessidade e falta de oportunidade no mercado de trabalho. “Antes de optar por esta vida eu era funcionária pública na minha cidade. Trabalhava como coordenadora do fórum da juventude, mas devido à falta de pagamento e aos atrasos, eu me vi em um situação desesperadora, tinha que ajudar minha mãe e minha família, então escolhi a prostituição para ter dinheiro para ajudá-los e me realizar também”, conta Rafaela.

Ainda de acordo com ela, os dois lados se fazem presente nessa realidade. “Algumas (entram na prostituição) porque querem e outras por necessidade. Algumas também são obrigadas, cafetinadas ou escravizadas, é muito complicado!”. Ela também comenta que a violência existe, como quando foi agredida por um cliente, em São Paulo. E, se baseando na argumentação de casos assim, com agressões e meninas que são obrigadas a se prostituírem, o movimento feminista luta contra a prostituição.

Exploração ou escolha?

Professora, graduada em filosofia, e dirigente feminista, Rosimeire Delmiro é militante da agrupação feminista Vermelhas, presente em vários países. Ela explica que o feminismo não é homogêneo, existindo diversas vertentes dentro dele. Mas, apesar das diferentes linhas de pensamento, no geral, ele não apoia a prostituição. “O feminismo é e sempre foi abolicionista, ou seja, considera que a prostituição é violência”, explica. Para ela, ser prostituta não é questão de oportunidade, mas, sim, uma fuga da necessidade extrema de uma massa populacional empobrecida e abandonada pelo Estado.

“Considerar a prostituição como ‘trabalho’ é legitimar a coisificação de corpos humanos e a violência sob pagamento, além de conceder aos cafetões o posto de empresários e empreendedores”, enfatiza a professora. Ainda de acordo com Rosimeire, com o aprofundamento do neoliberalismo em todo o mundo, manter pessoas com o propósito de exploração sexual tornou-se uma atividade muito rentável e teve como consequência a chamada indústria do sexo, que é responsável por boa parte do PIB (produto interno bruto) de diversas nações.

Mas, existe a vertente que se difere: o feminismo liberal. Segundo a professora, após a conquista do direito ao voto, a ideologia liberal começou a discutir a questão das escolhas. “O feminismo liberal se inclinou, basicamente, ao debate das oportunidades”, comenta. Mas Rosimeire critica: “Ele não tratou de se interpelar sobre as causas das desigualdades que impedem que as mulheres ascendam à espaços na sociedade. Assim como não teve claro sobre as diversas formas de opressão, entre elas a exploração sexual”.

Thaddeus, do Observatório da Prostituição, concorda com a visão liberal. Ele acredita não ter sentido esperar que o Estado ou a polícia combata a prostituição, alegando que é exploração sexual, sendo que são eles quem a controlam. “A gente acha meio ingênuo um feminismo brasileiro pensar que essa polícia, esse Estado, poderia de alguma forma ou outra, lutar contra a prostituição. Para nós parece dar a chave das creches para os pedófilos”, conclui.

Repórter Especial: Rebecca Crepaldi

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