Compreenda a importância das discussões sobre educação sexual na década de 90 e como ressurgem atualmente, mas sob outro viés
O histórico acerca do tema “educação sexual” no Brasil vem de longa data, tendo início no século XIX, ressurgindo com força na década de 90 e ganhando ênfase nas discussões políticas recentes. Desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro, dois conceitos voltaram a ser tendência entre os questionamentos da educação brasileira. Um deles é identidade de gênero e o outro, orientação sexual.
A princípio, há uma distorção sobre o que vem a ser uma educação sexual. Gelberton Vieira Rodrigues, psicólogo e mestre na área, explica que a intersecção entre a educação e a sexualidade é um processo geral e constante na vida das pessoas. Dessa maneira, para o pesquisador, “educação sexual é um processo que educa o nosso corpo, as práticas sexuais e o modo de pensar a identidade sexual e a de gênero”. Nesse sentido, a escola foi compreendida como uma das instâncias sociais responsáveis por uma educação sexual planejada.
Houve um marco significativo no âmbito da educação sexual no país em 1997 com as publicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação (PCNs), já com a orientação sexual como um dos itens. Difundidos pelo Ministério da Educação (MEC), o documento promove diretrizes elaboradas pelo Governo Federal orientando os processos educativos sobre o assunto, divididos por disciplina.
Um tema necessário
Primeiramente, a necessidade de se falar sobre o tema na educação emerge na década de 80 e 90 por outros motivos. Segundo Gelberton, as noções acerca da educação sexual despontam expansivamente no ambiente escolar nessa época por ocorrer mundialmente a pandemia da AIDS, sendo o Brasil uma referência internacional do combate ao contágio do HIV. Dessa forma, as escolas passaram a ensinar sobre educação sexual a partir de um viés reprodutivo. O foco principal era falar sobre o uso correto de preservativos nas relações afetivas.
Confira: Campanha “Pega ou Não Pega?” AIDS – SUS – 1995.
Por outro lado, para a antropóloga e pesquisadora em gênero e sexualidade Larissa Pelucio, nesse período, a sexualidade passou a ser associada ao medo e à doença e não ao afeto e ao contato dos corpos. “Eu era professora, nessa época, de fundamental e ensino médio em uma escola de ensino privado e, quando tivemos esse tipo de discussão, os alunos tinham dúvidas incríveis”, ressalta Larissa.
Além disso, a professora também relata que só podia se falar sobre preservativos. Não era possível ampliar um diálogo sobre identidades e orientação sexual de cada aluno.
Confira a seguir relato de Larissa Pelucio sobre uma das discussões em sala de aula.
“Quando professoras e professores entravam nesse campo de discussão, nós tivemos pais e mães que vieram se posicionar contra esse debate na escola, mesmo sendo um debate feito com muito cuidado, estofo teórico e preparação didático-pedagógica”, finaliza.
Como anda a discussão agora?
Anos depois da implementação do PCN, o país vivenciou a criação de um projeto que levanta polêmicas até hoje: o material “Escola sem Homofobia”. Em 2011, o MEC disponibilizou uma verba para o desenvolvimento de uma proposta que visava incluir “ações que promovam ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos e da respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no âmbito escolar brasileiro”, conforme introduz o documento.
Entretanto, apesar da verba investida, quando o caderno estava prestes a ser impresso, foi vetado pela presidência, que recebia pressões de partidos conservadores. As campanhas contra o “Escola sem Homofobia” suscitaram no que a população conhece por “kit gay”.
O psicólogo Gerlberton Vieira afirma que o veto de um projeto como esse e, posteriormente, a eleição de Jair Bolsonaro, primeiro político a chamar o material de “kit gay” na Câmara dos Deputados, podem ser considerados grandes retrocessos na educação brasileira. Portanto, para ele, “uma prática que era bem vista e importante na década de 90 e 2000, para erradicação de DSTs, hoje é vista como perigosa, capaz de forçar as crianças e os adolescentes a identidades que não se identificam”.
Confira: Ensinar sobre sexualidade NÃO é falar sobre sexo.
Em contrapartida, pesquisas apontam que tratar de educação sexual nas escolas contribui para diminuir, por exemplo, gravidez na adolescência. Sendo assim, para Larissa Pelucio, discussões neste âmbito evitam, justamente, o que os difamadores do assunto acreditam que a educação sexual provoca.
“Ela evita relações sexuais precoces, permite que crianças e adolescentes reconheçam alguns atos praticados no âmbito doméstico contra seus corpos, como abuso e violência, e tenham um vocabulário capaz de articular essas ansiedades, estranhamentos e dúvidas”, afirma a professora.
Nesse sentido, o país vive uma onda de retiradas e retificações em documentos educacionais. Em 2017, durante o governo de Michel Temer, os termos “orientação sexual” e “gênero” foram retirados da Base Nacional Comum Curricular. A BNCC é composta por normativas obrigatórias que direcionam a elaboração de currículos para as redes de ensino públicas e privadas.
Para Gerlberton, a remoção de trechos que mencionavam o respeito à diversidade é um dado estarrecedor. “Sem dúvida, é uma perspectiva ideológica conservadora que se agrupa com outras ideias sectaristas, como a Escola Sem Partido”, ressalta.
As inflexões sobre os questionamentos de gênero e sexualidade foram um dos motins para a criação do “Escola sem Partido”. O projeto vai contra o ensino sobre educação sexual, chamada pelo grupo de “doutrinação nas escolas”. Para Larissa Pelucio, há, portanto, um pânico social e moral em torno da ideologia de gênero. Assim, há uma dificuldade no desenvolvimento de relações simétricas e prazerosas, que não significam o estímulo sexual de crianças e adolescentes.
Projeto “Tabus e fronteiras do sexo”
Criado em São Paulo pelo professor Fausto de Oliveira Gomes, o projeto “Tabus e fronteiras do sexo” visa transformar os conhecimentos sobre educação sexual. Dessa forma, ele pretende aproximar o assunto da vida dos estudantes sexualmente ativos. Abaixo você encontra um pouco da história por traz da iniciativa.
Repórter: Bru Vatiero
Produtor multimídia: Guilherme Ribeiro
Editora: Fernanda Fernandes
Editora-chefe: Nayara Campos
*Esta edição foi atualizada às 14h55 do dia 06 de novembro de 2019. Foi corrigido o hiperlink dos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação. Foi retirada a palavra “pública” do texto “o MEC disponibilizou uma verba pública”. Também foi corrigida a palavra “publicações”, que se encontrava no singular.