Professores, alunos e o digital: como o ensino da música está se adaptando?
Foto: Fábio Henrique Pinto Celestino
É possível imaginar uma vida sem música? Aprender música auxilia na autoestima e bem-estar de quem aprende, enquanto ensinar é visto como um desafio, pelo menos no contexto pandêmico.
A adequação ao ensino remoto de música se tornou necessária para muitos professores e alunos. A pandemia exigiu mudanças no comportamento da sociedade e a adaptação foi o ponto chave.
Por aqui vai tudo bem…
Quando a pandemia de coronavírus chegou ao Brasil, trazendo incertezas e falta de perspectiva para o futuro, muitos educadores ainda não sabiam o que fazer e precisaram interromper as aulas. Isso aconteceu para que fosse possível compreender a situação e, assim, se adaptar e retomar o ensino.
Ananda Cardoso, 27 anos, é formada em Música, na modalidade Composição pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora de piano, Cardoso viu a necessidade de se reinventar para ensinar música.
O @aprendendo.piano, no Instagram, é um de seus canais de acesso com possíveis alunos e público em geral. Ananda é professora tanto com o ensino presencial quanto o remoto.
Já Marcos Santos, 31 anos, é professor de violino e proprietário da Bravo Academia de Música em Bauru. Além disso, também é professor do Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos de Tatuí, a maior escola de música da América Latina.
Marcos estuda música desde os 7 anos de idade, quando começou a fazer aulas de trompete. A faixa etária dos alunos que atende se concentra em jovens entre 17 e 18 anos na fase vestibular e alunos do ensino superior.
Mesmo com tanta experiência na área, ele não previu as mudanças e as possibilidades que o ensino remoto lhe traria.
Mas a incerteza também provocou receio e forçou mudanças no dia a dia da escola.
Após um ano e meio, Marcos confessa que se ajustou aos desafios trazidos pelo distanciamento social. “Tô no time das pessoas que se adaptaram bem. Utilizando o computador, a gente tem mais recursos até de gravação.”
Apesar das barreiras, ele lança um olhar otimista sobre as adaptações. Para ele, a internet encurtou as distâncias do conhecimento, e possibilitou reencontros com amigos. “Pude convidar vários colegas dos Estados Unidos, da Europa, daqui do Brasil mesmo para dar cursos pros meus alunos, se tivesse que trazer esses professores para cá seria muito mais caro e difícil.”
Contudo, Marcos admite que sua experiência no ensino de música durante a pandemia não pode ser interpretada como regra.
Ou não…
E é o que sente a professora de violino e viola de arco Bruna Spada, de 34 anos. Antes da pandemia, ela se desdobrava entre dar aulas no programa de iniciação musical, o Projeto Guri, ser funcionária concursada na escola municipal de música de Ourinhos e atender alunos particulares. Ao contrário do público de Marcos, a faixa etária dos alunos de Bruna é mais diversa, atendendo pessoas de 3 até 60 anos de idade.
As atribuições não mudaram, no entanto o desafio do ensino remoto impôs a necessidade de adquirir novas habilidades. “No começo foi super difícil, tínhamos que gravar a aula em vídeo para os alunos. Eram horas planejando as aulas, depois gravando e fazendo as edições. Também tive que aprender a mexer nos aplicativos Zoom e Google Meet para fazer videochamadas”, explica a professora.
A professora Bruna tenta gravar aulas, mas é interrompida. A situação é rotineira no home office. Vídeo: Facebook/Reprodução
A empreendedora criativa e professora de 30 anos, Camila Serra leciona desde 2013. Em 2019 ela abriu a Ampli, uma escola de música em Bauru que conta com aulas de violão, ukulele, teclado, entre outros.
Segundo a professora, a migração para as aulas remotas aconteceu já logo na primeira semana após o decreto de quarentena no estado de São Paulo.
E os alunos?
Bruna notou uma queda no desempenho dos alunos a partir deste ano. “No começo [das atividades remotas] era tudo novidade e eles faziam e respondiam mais a essas aulas. Já nesse segundo ano de pandemia já sinto uma exaustão por parte dos alunos.”
A professora também elenca a dificuldade de acesso às aulas. “A conexão foi um desafio. Muitos não possuem celular ou tablet, utilizando somente o celular dos pais. Já alguns têm o celular, porém não possuem internet, usando somente os dados móveis”.
Além disso, a maioria dos alunos atendidos por ela não têm acesso aos instrumentos musicais, o que é mais um problema a ser resolvido. Por conta disso, muitos desistiram. Pensando nessa última dificuldade Bruna criou uma solução. “Tivemos a ideia de fazer instrumentos recicláveis, por exemplo, violinos feitos de caixas de ovos e arco feito de papel e caixa de fósforo”, relembra.
Em um contexto mais geral, Camila relatou outras questões. Além dos problemas de conexão de internet dos alunos, os desafios tiveram ramificações que impactaram desde a questão didática até a estruturação da equipe.
Já para os violinistas do professor Marcos, a dificuldade foi psicológica. “O principal desafio foi saúde mental. Tenho trinta e dois alunos e quinze começaram a fazer terapia.” Segundo ele, a música é uma arte que requer socialização e a falta de interação entre os músicos gera inseguranças.
Da prática para a teoria…
Além de professora, Camila é doutoranda em Mídia e Tecnologia. Durante o período de maior restrição, ela ouviu professores e profissionais de música da cidade que apontaram dificuldades com o isolamento. A partir dessas entrevistas, a pesquisadora escreveu o artigo “A Arte Musical e seu Ensino: Desafios e Possibilidades do Empreendedorismo Criativo Frente À Pandemia de Covid-19”.
No artigo, os entrevistados relataram problemas e dificuldades com a tecnologia, cancelamento de eventos, aulas e apresentações.
A pesquisa ainda aponta que a palavra “devastador” foi utilizada de forma recorrente para definir os impactos da pandemia na atuação dos profissionais. O fato corrobora o estudo feito pela UBC/ESPM.
A criatividade e adaptação foram as soluções encontradas por esses profissionais para conseguir contornar os problemas causados pela pandemia e ainda manter uma fonte de renda, como conta a própria Camila.
E para quem é aluno e professor?
“Eu quero ser músico”. Essa é a frase que determinou a vida de Gabriel Pranches, 23 anos, estudante do 9º semestre de Guitarra – Jazz/MPB do Conservatório de Tatuí. Além disso, ele é professor de guitarra, músico de palco e estúdio.
Na adolescência, ele tomou a maior decisão de sua vida, ao escolher a música ao invés de uma carreira em computação. Através do conselho de professores e músicos, Gabriel optou por estudar no conservatório, enquanto também realizava o curso de produção fonográfica na FATEC de Tatuí “Professor Wilson Roberto Ribeiro de Camargo”.
A fonte de renda de Gabriel sempre veio da música, principalmente por meio de aulas, shows e produções fonográficas.
Para o músico, as dificuldades para reunir os grupo de estudo foram barreiras para a aprendizagem durante a pandemia: “nós não conseguimos mais fazer [os estudos] pessoalmente, muita coisa no podia mais acontecer.”
De acordo com ele, o Conservatório tem professores e músicos de alto nível, porém que não estavam preparados para aulas online. A suspensão de aulas e a falta de preparo levou a um atraso e diversas perdas de experiências durante o período pandêmico.
A produção musical virou um destaque para Gabriel, sendo uma nova paixão e oportunidade:
Para a professora Camila, “o ambiente digital amplia as possibilidades.” afirma.
“Eu não poderia estar presente em vários lugares ao mesmo tempo e também não poderia ter acesso a algumas apresentações que a gente teve acesso durante a pandemia com as lives”. Por fim, Camila comenta sobre o futuro: “eu acredito bastante nessa transformação digital que veio pra ficar, mas a questão híbrida, ela vai ser importante porque as coisas não são instantâneas”.
Para quem quer empreender na economia criativa, o planejamento é algo essencial. Esse é o recado dado por Camila que afirma que além da habilidade musical é necessário ter a habilidade de planejar.
Reportagem realizada pelos alunos de Jornalismo:
Alex Silva (entrevista, texto, arte, pesquisa e locução)
Fábio Henrique Pinto Celestino (entrevista, foto e edição)
Gabrielle Aguiar (texto e revisão)
Giovana Silvestri (entrevista, arte, texto e revisão)
Giulia de Oliveira (arte e revisão)
Mariana Fiorini (entrevista, pesquisa, texto e revisão)