Opinião | Uma nova chance dentro das Residências Terapêuticas
Sem os hospitais psiquiátricos, pacientes têm a oportunidade de convívio social
“Sueli, você viu que a Dilma caiu?”, pergunta Cleuza, 55, uma das moradoras das Residências Terapêuticas de Bauru. Além de estar por dentro das notícias mais recentes do país, Cleuza faz curso de costura, pinta as unhas, gosta de escutar música enquanto faz as tarefas domésticas e tem um celular, do qual ela inclusive reclama que está velho. Uma realidade que poderia ser totalmente diferente se ela não estivesse inserida no programa de Serviço Residencial Terapêutico (SRT), que existe em Bauru desde 2005, após o fechamento do Centro de Tratamento e Reabilitação em Saúde Mental “Sebastião Paiva”.
As Residências Terapêuticas, criadas a partir da lei 10.2016, têm como objetivo acolher pessoas de 21 a 60 anos, que sofram de transtornos mentais graves ou severos, de longa internação psiquiátrica e que não possuem apoio familiar ou social. “As casas estão situadas aqui na rua, normal, como a sua e a minha”, explica Sueli Azevedo, psicóloga e gerente das Residências em Bauru. Atualmente, são 37 pessoas inseridas neste programa na cidade. “As pessoas que aceitamos aqui precisam ter o mínimo de autonomia, como saber atravessar a rua e comer um prato de comida”, conta.
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As casas, que podem ter até oito moradores, estão situadas perto do centro de apoio onde ficam psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, disponíveis a todo momento. Apesar de toda a equipe de ajuda, os moradores possuem suas próprias obrigações domésticas e atividades e, até mesmo uma profissão, como Dagoberto, 45, que trabalha na Servimed. Características iguais a qualquer cidadão.
Morando juntas, essas pessoas têm a chance de um convívio social. Na casa de Cleuza, que mora com mais três mulheres, é fácil notar o companheirismo e a relação familiar existente ali. “Essa casa é de todas nós”, responde ela quando perguntam quem era a dona do lugar. A preocupação de uma com a outra, as divisões de tarefas e as brincadeiras são essenciais para que essas pessoas tenham uma vida diferente da anterior nos hospitais psiquiátricos. Embora abandonadas pelas famílias, nas Residências elas têm uma nova chance, com novas pessoas. E o mais importante, tratadas de igual para igual, não só pelas companheiras de casa, mas também pelos profissionais que trabalham ali.
Presas e muitas vezes esquecidas nos hospitais, as pessoas com transtornos mentais agora usufruem da oportunidade de ir e vir, seja à um supermercado ou à casa de amigos. “É uma forma de auxiliar os sofredores e dar uma opção de vida para eles”, orgulha-se Sueli. Prender um ser humano em certo local não é tratá-lo. É preciso que ele tenha o direito de escolher se quer essa nova vida e então, viver, mas com a liberdade que qualquer outra pessoa teria.
Algumas pessoas acreditam que se todos os pacientes morassem em uma mesma casa, seria mais fácil para tomarem os remédios e para ter acompanhamento médico. Contudo, dessa forma, ainda estaríamos segregando-os. A importância de cada um ter sua própria residência, mesmo compartilhada, é fundamental para o tratamento.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, pelo menos 3% da população brasileira possui transtornos graves e 12% necessita de algum atendimento em saúde. Realmente são muitos. Em Bauru apenas 37 pessoas conseguem essa ajuda, essa nova chance. Porém, mesmo se fosse apenas uma, a ajuda deve estar disponível.
Sem as Residências terapêuticas, a vida destas 37 pessoas seria muito diferente do que é hoje. Possivelmente ainda estariam abandonadas, sem nenhuma perspectiva de vida ou, estariam trancadas, longe de qualquer contato com a sociedade. Nas Residências, mesmo que elas não tenham lembranças de quem são ou da onde vieram, elas podem criar novas e, com isso, terem a vontade de viver e de continuarem com seu tratamento. O bordado da Cleuza. O livro da Fátima. A disposição do Fredes. A satisfação de Sueli pelo trabalho . Todos eles provam o quanto toda essa ajuda está valendo a pena.
Reportagem: Bheatriz D’Oliveira
Produção Multimídia: Helena Nogueira
Edição: Monique Ferrarini