Opinião | Loucura cura?
“A ciência ainda não nos provou se a loucura é ou não o mais sublime da inteligência” (Edgar Allan Poe)
Vivemos tempos agitados. A tecnologia cada vez mais presente em nossa rotina, a velocidade da circulação de informações, o tempo e o espaço que parecem cada vez mais curtos e manipuláveis. Quase um paraíso. Alguns diriam que esse é o próprio símbolo da evolução, do progresso e do desenvolvimento. Outros, justamente o contrário – que estamos nos perdendo de nossa essência, deixando de lado nossa sensibilidade e nos tornando cada vez mais frios e distantes. Por isso, por um lado, a discussão a respeito das tecnologias e a influencia delas em nossa vida tem se tornado frequente – assim como a fizemos na 31ª edição do Repórter Unesp. Sob outro ponto de vista, discutimos mais sobre nós mesmos e tudo o que essa nova realidade tem refletido em nosso dia a dia.
Dizem que de médico e de louco todo mundo tem um pouco. Um ditado antigo mas que tem seu sentido – sentido que, de certa forma, nos faz pensar sobre nosso comportamento. Segundo o dicionário Michaelis:
com.por.ta.men.to
sm (comportar+mento2) 1 Maneira de se comportar; procedimento. 2 Psicol: Em sentido restrito, designação genérica de cada modo de reação em face de um estímulo presente; em sentido amplo, qualquer atividade, fato ou experiência mental, passível de observação direta ou indireta. C. social, Sociol: todas as maneiras de agir relacionadas com a presença ou influência de outros.
Comportar-se, então, tem como base uma série de fatores – tanto psicológicos como sociais. Significa dizer que o mundo, a sociedade, o outro e até nós mesmo esperamos algo do mundo, da sociedade, do outro e de nós. Tudo que está fora disso é, basicamente, anormal, incomum, fruto de uma loucura. Aí está: loucura. O louco, o doente mental, é sinônimo de irregularidade, alguém que não se encaixa aos padrões de comportamento aceitos dentro de uma cultura. À ele, a psiquiatria e a psicologia debruçam seus trabalhos a fim de diagnosticá-los, isolá-los (como nos manicômios), e tratá-los, se possível.
Com o passar do tempo e a evolução do ser humano, a loucura passou a ser questionada e seu diagnóstico se tornou cada vez mais complexo. Em partes, porque a loucura tem muita relação com a cultura – os costumes, hábitos, comportamentos comuns e aceitos por um grupo. Não à toa, nomes como Focault, Freud, Lacan, Birman e tantos outros tentaram desmistificar um campo tão complexo, dentro das mais amplas relações entre a loucura e o homem. Falar sobre qualquer tipo de doença mental é, portanto, extremamente delicado e difícil. Tudo, ao redor do “louco”, é consideravelmente importante.
Como exemplo e como podemos ver aqui, a esquizofrenia é uma doença mental que pode afetar os sentidos do doente e, além disso, tem sido comum no Brasil – com mais de 150 mil casos registrados por ano, segundo dados do Hospital Israelita Albert Einstein. Os relatos de quem sofre com surtos são parecidos e, muitas vezes, estão agregados a outras doenças, como a depressão. Depressão – outro problema que só tem crescido e visto, por muitos, como “o mal do século”. Uma doença de diagnóstico difícil e que pode causar danos irreversíveis a quem sofre. Uma adversidade que exige muita sensibilidade dos profissionais e da família.
Duas doenças, diagnósticos complicados e superação difícil. O louco está sujeito, além de tudo, ao preconceito: o esquizofrênico a avaliações como violento, agressivo e até mesmo sobrenatural; o depressivo, inseguro, mimado, fraco.
Nós, humanos e cidadãos, fazemos de tudo para isolar o louco numa realidade distante da nossa. Na verdade, a loucura tem um “quê” de liberdade – e, por isso, apavora. O louco é livre de pressões, especialmente sobre ele mesmo. Livre das pressões sociais (apesar de estar preso aos seus transtornos mentais). A visão negativa da loucura é fruto da nossa liberdade reprimida.
É importante que nos mantenhamos atentos aos “loucos”: eles podem nos dizer muito a respeito da nossa situação atual. Por isso, a importância da luta antimanicomial, das pesquisas e tratamentos, do apoio familiar e do investimento em leis e estruturas sociais que contribuam no apoio a portadores de doenças mentais. Nossa mente é tão poderosa quanto imaginamos – entender o louco e a sua mente é poder entender um pouco mais sobre nós mesmos.
Reportagem: Camila Padilha Trindade
Produção Multimídia: Bruna Malvar
Edição: Camila Padilha Trindade