Uma indústria que precisa se renovar
Diante da crescente demanda de usuários, novas propostas e o aumento de conteúdo adulto online e gratuito, o mundo pornô se vê entre a renovação e a falência
A pornografia é uma indústria com público crescente no universo das novas tecnologias. Anualmente, estima-se que a palavra “pornô” é consultada mais de três milhões de vezes na web e, segundo o relatório anual das Estatísticas Pornográficas de 2015, espera-se que para 2017 mais de 30% dos usuários de dispositivos móveis os utilizem para acessar conteúdos adultos.
Para especialistas do tema, produções com fins eróticos começaram a aparecer ao final do século XVIII, com o propósito de contestar o conservadorismo religioso. Estas produções vem, desde então, influenciando as concepções sobre sexualidade e gênero na sociedade.
Maria Helena Viela é diretora executiva do Instituto Kaplan, uma entidade que promove a difusão sobre os exercícios dos direitos e das responsabilidades sexuais e afirma que na atualidade, graças à facilidade para acessar esse tipo conteúdo por meio da Internet, muitos jovens utilizam a pornografia da maneira errada. Geralmente, usam como referência para iniciar suas vidas sexuais: “O problema é que ao invés de ensinar, a pornografia pode causar insegurança, ansiedade e, inclusive, distorcer as ideias dos jovens sobre suas relações e práticas sexuais. Nos vídeos, os pênis sempre são enormes e eretos, enquanto as mulheres são maltratadas e exibidas somente como objetos sexuais”, declara Viela.
Porém, essa discussão não é nova. Entre as décadas de 1970 e 1980, nos Estados Unidos, houve um grande debate acerca da pornografia e de como esta poderia ter uma influência negativa na sociedade, acusando-a de mostrar a mulher como um objeto de prazer, sendo responsável pelos altos índices de violência sexual contra as mulheres na época.
Um ponto de vista contrário é defendido pela pesquisadora Melinda Wenner Mover, que depois de extensa pesquisa sobre o tema, afirmou para a revista Scientific American que “não existe prova alguma de que o consumo moderado de pornografia torne os homens mais agressivos, promova o sexismo ou relações abusivas; pelo contrário, evidências sérias demonstram que assistir a conteúdos adultos poderia deixar as pessoas menos propensas a cometer crimes de natureza sexual”.
O debate continua aberto. O que deve ficar claro, porém, é que a demanda crescente por conteúdos mais realistas para o público feminino (35% do público consumidor de pornografia no Brasil são mulheres) e a facilidade de acesso ao pornô grátis na Internet fizeram com que os ingressos globais tenham diminuído em 50% desde 2007 — a indústria deve rever seu posicionamento no assunto, e a renovação parece inevitável.
O pornô sob uma ótica feminista
Aos 37 anos, Erika Lust é uma diretora de filmes para adultos. Ela dirige uma produtora na qual, além de 90% das funcionárias serem mulheres, se promove a criação de um “pornô feminista”. Trata-se de um movimento que nasceu na década de 80 com o propósito de dar voz às diversas experiências sexuais vividas pelas mulheres e assim, criar novos códigos de representação masculina e feminina, mais próximos da realidade.
Para Erika, “o pornô tem que mudar. A indústria está nas mãos de um punhado de homens de meia-idade, cuja visão tem muito pouco a ver com o que eu ou minhas amigas temos”, confessou ao portal Vice.com. É por isso que sua missão é entrar na mente sexual de seu público, criando conteúdos que venham das fantasias sexuais de seus espectadores.
Léa Menezes, uma especialista em estudos interseccionais sobre mulheres, gênero e feminismo, afirma que a pornografia feminista é inovadora no sentido de que, ao permitir que as mulheres “escrevam sobre elas mesmas, as converte em produtoras de suas próprias histórias e sujeitos de seu destino, auxiliando também na construção de um pensamento crítico sobre a sexualidade e, consequentemente, sobre a emancipação feminina”.
Ainda assim, a mudança na indústria pornográfica é realmente possível?
Celia Melo, psicóloga clínica e especialista em sexualidade, acredita que o olhar masculino que por anos vem dominando a produção pornográfica, se deve ao fato de que o “pornô feminista” não é rentável. “O problema é que toda pornografia foi feita para os homens. Acredito que, se houvesse lucro com a pornografia dirigida ao público feminino, as produções mundiais de pornô já a estariam produzindo em grande quantidade. Porém, esse não é o caso, o que se deve provavelmente ao fato de que os homens são mais sensíveis visualmente que as mulheres”.
Segundo estatísticas, Celia está correta. Nos dias atuais, segundo o Covenanteyes.com, 68% dos jovens assistem a filmes pornô pelo menos uma vez na semana, enquanto que entre as mulheres, o número é de 18%.
Não obstante, e diante das oportunidades que a internet oferece, há cada vez mais novas propostas e possibilidades para aqueles que desejem consumir pornografia de uma perspectiva diferente. O Pornceptual é uma dessas opções: trata-se de um coletivo que apresenta a si mesmo como uma plataforma artística, que visa transformar a pornografia comum e mostrar que o conteúdo sexual explícito também pode ser arte.
O movimento, que começou como uma galeria online para a arte erótica, converteu-se numa mídia alternativa para que as pessoas possam expressar sua sexualidade de maneira criativa, convidando qualquer um para criar seu próprio conteúdo pornográfico.
O mundo da pornografia está mudando pouco a pouco, e novas alternativas como o Pornceptual, as WebSexCam e o pornô em sua realidade virtual oferecem experiências mais próximas de quem consome, e convidam a indústria a analisar seus conteúdos e a se renovar, com o risco de perder mais dinheiro no caminho e caminhar para o seu fim.
Reportagem: Julián Vivas
Produção Multimídia: Flávia Gândara Simão
Edição: Daniel Linhares