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Guerra ao crime organizado não dará fim ao PCC, diz especialista

Organização criminosa que causou pânico em São Paulo em 2006 continua sendo o maior problema de segurança do estado

Doze de maio de 2006, véspera do final de semana do Dia das Mães. São registradas dezenas de rebeliões em presídios da cidade de São Paulo. Tinha início o que seria a maior onda de ataques de crime organizado do estado de São Paulo. Em 2016, completam-se dez anos do acontecido e, ainda hoje, o Primeiro Comando da Capital (PCC) continua suas operações nos presídios.

Os ataques começaram em resposta à transferência de  765 detentos à penitenciária de segurança máxima do estado, em Presidente Venceslau. Entre os detentos estava Marcos William Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC. Após a transferência, agentes penitenciários, policiais, viaturas, delegacias de polícia e penitenciárias foram alvo de ataques da organização em todo o estado durante a madrugada do dia 12. Pela primeira vez, ataques do PCC deixaram as prisões e foram para as ruas.

No dia seguinte, 30 policiais, guardas civis e agentes prisionais morrem e 25 ficam feridos em uma sequência de 64 atentados na Grande São Paulo e no interior. A retaliação policial veio logo em seguida. Toques de recolher passaram a acontecer e a população ficou com medo de sair às ruas. Rumores de que escolas e universidades estavam recebendo ligações de ameaça do PCC fizeram com que tudo na capital paulista fechasse as portas, incluindo comércio e supermercados. Certas linhas de ônibus, principalmente as que passavam por periferias, pararam de funcionar, deixando as ruas da cidade desertas.

Antes dos ataques, detentos ateiam fogo a colchões e roupas em rebelião na Febem da Vila Maria (Foto: Agência Brasil)

Antes dos ataques, detentos ateiam fogo a colchões e roupas em rebelião na Febem da Vila Maria (Foto: Agência Brasil)

Somente entre os dias 12 e 21 de maio, os ataques deixaram cerca de 564 mortos e 110 feridos, sendo 59 agentes públicos e 505 civis. Segundo o Relatório da Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, ligado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, 60% das vítimas foram baleadas na cabeça, indicando morte por execução. O fim dos ataques veio com um acordo entre o governo paulista e o grupo de crime organizado. Segundo o relatório São Paulo sob Achaque, um acordo entre Marcola e a advogada de Cláudio Lembo, então governador, coincidiu com o fim dos ataques, que cessaram 48 horas depois do encontro.

Para Ana Gabriela Braga, doutora em criminologia pela USP e docente da Unesp-Franca, o crime organizado em São Paulo surgiu em reação à violência e à omissão de Estado. Ela também descarta a ideia de embate entre as forças públicas e criminosas, afirmando que ambos coadministram o sistema prisional.

Outro pretexto apontado por especialistas foi a extinção da Política de Humanização de Presídios, em 1983, criada durante o governo paulista de Franco Montoro. A política teve como consequência direta as Comissões de Solidariedade, mecanismo de representação e comunicação com a comunidade carcerária. As comissões eram constituídas por grupos de representantes dos encarcerados, que eram responsáveis por encaminhar as demandas e reivindicações dos detentos. Por esse motivo, as Comissões de Solidariedade eram uma forma de reafirmação dos direitos e garantias dos detentos.

Nos governos seguintes, ocorre uma reorientação política conservadora, responsável por reinverter todas as conquistas da Política de Humanização dos Presídios. A decisão intensificou os motins e rebeliões dentro dos presídios que, por sua vez, provocavam respostas ainda mais rígidas por parte das autoridades. O embate de forças gerou uma cadeia de reações violentas, que tiveram como estopim o Massacre do Carandiru, em 1992. Um ano após o incidente do Carandiru, o PCC se firma como grupo de crime organizado.

O ateamento de fogo a ônibus foi uma das formas mais marcantes de ataque do PCC em 2006 (Foto: Apu Gomes/ Folhapress)

Ônibus foram alvo de ataque do PCC em 2006 (Foto: Apu Gomes/ Folhapress)

Concebido em meio às intenções de facções criminosas, o PCC é, por outro lado, a força de luta encontrada pela população carcerária por seus direitos humanos e reivindicações de vivência e qualidade de vida. Segundo Ana Gabriela, hoje o PCC atua de forma “disseminada” nos presídios, ocupando também prisões fora do estado, e na periferia, estando relacionado a crimes como o comércio de drogas. Ela abomina a “guerra ao crime organizado”, afirmando que “o problema deve ser combatido com a descriminalização do tráfico de drogas”.

 

 

Reportagem, Produção Multimídia e Edição: Helena Nogueira

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