Manifestações pró e contra impeachment fortaleceram divisão do Brasil
A deposição da presidente Dilma Rousseff cristalizou uma cultura de política partidária até então adormecida no país
Após anos de passividade da população brasileira com a situação política no país, no ano de 2013 ocorreram diversos protestos, conhecidos como Jornadas de Junho. As motivações iniciais dessas manifestações eram o aumento do passe de ônibus nas cidades brasileiras e a repressão policial durante as mobilizações.
Depois, passaram a envolver uma série de demandas sociais genéricas. Algumas delas como o fim da corrupção ou o bom gerenciamento da verba pública. De lá para cá, as ruas não ficaram mais vazias. Em 2014 aconteceram as manifestações contra a Copa do Mundo (no movimento que ficou conhecido como “Não vai ter Copa”).
Já em 2015, começaram as movimentações contra o governo Dilma Rousseff, reeleito nas urnas. As mobilizações tiveram o ápice em 2016, quando protestantes contra e a favor do impeachment de Dilma tomavam as ruas de todo o Brasil.
Manifestações a favor e contrárias ao impeachment de Dilma Rouseff em São Paulo (Fotos: Rovena Rosa/Agência Brasil) – via GIPHY
Segundo Adriana Rodrigues, doutoranda em Comunicação Social, isso aconteceu devido uma maior quantidade de informação que temos hoje. “Em uma visão global, acredito que a população tenha saído significativamente da inércia. Esta que foi um traço marcante no Brasil. Éramos, se é que ainda somos, um país passivo e a cena muda porque temos mais acesso às informações que há 20 anos”, afirma Rodrigues.
Adriana continua seu raciocínio: “Há mais lugares de discussão política, sobretudo na redes sociais. Então, acredito que uma coisa leva a outra – quanto mais informações temos, maior o poder de mudança”.
O descontentamento com a presidente foi sentido já nas eleições de 2014. Elas tiveram a campanha mais acirrada desde 1989. Em relação à anterior, em 2010, Dilma perdeu 1,25 milhões de votos e foi reeleita com 51,6% dos votos válidos.
Antes de anunciar o ajuste fiscal em dezembro, o governo contava com a aprovação de 52% da população. Porém, com os primeiros impactos do ajuste no início de 2015, esse número caiu para 23%. Posteriormente, sua aprovação chegou a 7% (segundo a revista Veja) ou 10% (segundo a Carta Capital). Este foi o menor índice de popularidade para um presidente em mais de 20 anos.
Além da taxa de rejeição popular da ex-presidente ter atingido níveis elevados, nesse período de economia desfavorável ocorriam novos desdobramentos da Operação Lava Jato. Nela, seriam investigados cerca de 50 políticos, grande parte deles pertencentes a partidos aliados do governo.
Manifestações a favor do impeachment
A primeira manifestação que ocorreu para demonstrar a insatisfação popular foi marcada para o dia 15 de março de 2015. O principal organizador foi o Movimento Brasil Livre (MBL), que publicou um manifesto nas redes sociais citando seus objetivos.
Estes são “imprensa livre e independente, liberdade econômica, separação de poderes, eleições livres e idôneas e fim de subsídios diretos ou indiretos as ditaduras”. O MBL contou com o apoio dos grupos Revoltados Online, Vem Pra Rua e do Movimento Endireita Brasil (MEB).
Conheça os principais organizadores:
- O Revoltados Online foi fundado em 2004 e tinha como objetivo original rastrear pedófilos. Seu ícone político é o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). O grupo defende a volta do voto de papel e a consolidação de um regime parlamentarista no Brasil. Defende também a existência de apenas 5 partidos políticos no Brasil (centro, direita, extrema direita, esquerda e extrema esquerda).
- Já o Vem Pra Rua é, dentro os que participaram da organização, o grupo considerado mais moderado ideologicamente, por não defender o impeachment nem uma intervenção militar.
- O MEB, criado em 2006, é um grupo regional atuante em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Ele é o tradicional organizador do Dia da Liberdade de Impostos em São Paulo. Ele tem como pauta a defesa do estado mínimo, propriedade privada e das liberdades individuais.
Como tudo começou
No dia 13 de março, uma sexta feira, foi realizado um ato organizado por partidos de esquerda, centrais sindicais e movimentos sociais em defesa da Petrobras e contra o ajuste fiscal, programado pela então presidente Dilma.
Mesmo em oposição a essa medida econômica, os participantes se declararam contra o impeachment. Isso porque, segundo eles, a defesa da democracia era uma de suas pautas. Enquanto a Polícia Militar (PM) disse terem participado cerca de 12 mil pessoas, o número estimado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) foi muito maior: 100 mil manifestantes.
O protesto do dia 15 também trouxe divergência quanto ao número de participantes na cidade de São Paulo. O Datafolha calculou que cerca de 210 mil pessoas estiveram presentes na Avenida Paulista, ressaltando que a aglomeração máxima do espaço seria de 950 mil e que esta foi a maior manifestação na capital desde as Diretas Já.
Já a PM estimou em 1 milhão o número de manifestantes na Av. Paulista e suas adjacências. O número total de manifestantes em todo o país foi estimado entre 1,4 milhão e 2,4 milhões pela PM. Os organizadores afirmaram estarem presentes cerca de 3 milhões de pessoas.
As diferenças entre a quantidade de manifestantes de acordo com a fonte que estimava as contagens também foi um aspecto marcante das manifestações, a favor e contrárias ao impeachment.
No infográfico a seguir, estão reunidos dados sobre o número de manifestantes nos principais dias de mobilização, comparando as informações entre a Polícia Militar, os organizadores e o Datafolha. São Paulo é a localização de referência, exceto quando sinalizado.
No protesto de 15 de março, pela primeira vez, os pedidos ouvidos nas ruas eram os de impeachment de Dilma. Além da responsabilização do Partido dos Trabalhadores pelo escândalo da Petrobras. Manifestantes trajavam verde e amarelo. Alguns, a camiseta da Seleção Brasileira de Futebol e muitos aproveitaram um clima de festa para tiraram selfies com policiais.
Foi também a primeira vez em um protesto que foram liberadas as catracas do metrô de São Paulo para os manifestantes. Essa medida foi encarada pela oposição como apoio da administração aos protestos, já que em 2013, a PM utilizou balas de borracha e bombas de efeito moral para impedir que as catracas fossem puladas.
De acordo com pesquisa feita pelo Datafolha na manifestação, o público tinha um perfil socioeconômico elevado. O instituto entrevistou 432 pessoas e traçou um perfil dos manifestantes presentes na Av. Paulista. Concluiu-se que 76% deles possuíam ensino superior completo e 68% tinham salário superior a R$ 3.940,00 mensais.
Com a virada do ano, a população voltou em peso no dia 13 de março de 2016. Este foi o maior ato político a ocorrer no Brasil desde as Diretas Já. A PM contou 3,6 milhões de pessoas, enquanto os organizadores estimaram 6,9 milhões de presentes.
Os pedidos ainda eram os mesmos, mas várias pessoas protestaram contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – o Ministério Público de São Paulo havia pedido, na semana anterior, sua prisão preventiva.
No mapa abaixo é possível conferir quantas pessoas participaram dos protestos nas principais cidades do pais. Clique no ícone do canto superior esquerdo e navegue pelas localizações para ler informações sobre as mobilizações.
As manifestações que se seguiram foram de menor proporção, com um número inferior de cidades aderindo e indo às ruas. Elas ocorreram, em sua maioria, concomitantemente ao protesto a favor da permanência da presidente no poder.
Manifestações contra o impeachment
O processo de impeachment começou no dia 2 de dezembro de 2015, quando Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, aceitou as denúncias de crime de responsabilidade contra Dilma Rousseff. Encerrou-se somente no dia 31 de agosto de 2016, com a cassação do mandato da presidente.
De acordo com Adriana Rodrigues, as pressões sociais foram significativas na alteração do julgamento dos parlamentares e na decisão pelo impeachment. “De certa forma, os governantes sentiram a pressão. Perceberam que a massa populacional não estava de brincadeira”, ponderou a doutoranda em Comunicação Social.
Em contrapartida aos movimentos pró-impeachment, simpatizantes do governo e “defensores da economia” organizaram-se para manifestar seu apoio à presidente. A estruturação dos atos foi feita pelas organizações da Frente Brasil Popular, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Povo Sem Medo. Estas tiveram o apoio de outros movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE).
Manifestar apoio contra o impedimento não significa que o governo não seria criticado. Roque Ferreira, ex-vereador na cidade de Bauru (SP) e integrante das manifestações pró-Dilma, reforça este ponto:
“A cassação de Dilma, a que nos opusemos inteiramente sem apoiar seu governo reacionário, foi feita de forma atabalhoada por parlamentares e partidos inteiramente corrompidos.
– Roque Ferreira, ex-vereador em Bauru (SP)
Em 2015, o apoio à Dilma foi mostrado com ações promovidas em março, abril, agosto e dezembro. Merecem destaque as manifestações de 20 de agosto, que se estendeu por 32 cidades em defesa da permanência do governo.
Ela também apresentou críticas a algumas de suas medidas, como o ajuste fiscal e a Agenda Brasil – além de ser a favor da saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara.
Em 16 de dezembro do mesmo ano, ao menos 21 capitais registraram manifestações contra o impeachment. Gritos entoando frases como “não vai ter golpe” marcaram o protesto. Segundo dados do Datafolha, estavam presentes 55 mil pessoas, enquanto organizadores estimam cerca de 100 mil participantes.
Com o processo de impeachment aberto ao final de 2015, manifestantes continuaram realizando atos a favor do governo Dilma em 2016. No dia 18 de março, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve presente na manifestação em São Paulo, entoando os gritos de ‘não vai ter golpe’ com o povo.
A organização, formada por CUT, PT e sindicatos, afirma que cerca de 500 mil pessoas participaram do ato. Já o Datafolha estima que 95 mil foram à região e para a PM foram 80 mil manifestantes. O levantamento do Datafolha estima que tenha sido a maior manifestação registrada a favor da presidente.
O ex-presidente Lula também participou da manifestação de 11 de abril no Rio de Janeiro. Ele estava ao lado do compositor Chico Buarque e de artistas como Gregório Duvivier e Letícia Sabatella.
No dia 17 de abril, enquanto era votada a abertura do processo de impeachment de Dilma, defensores e contrários à medida acompanhavam com manifestações nas ruas.
No Distrito Federal, em frente à Esplanada dos Ministérios, o público se reuniu, dividido em dois por um muro metálico. Havia telões em ambos os lados para que pudessem acompanhar ao vivo as votações. As estimativas de participantes mais uma vez divergem entre dados da PM (126 mil) e dos organizadores (723 mil).
Já em agosto, o processo estava chegando ao seu fim. No dia 31, foi aprovado o impeachment. Manifestantes já haviam reunido-se no dia 29 para os últimos atos em defesa de Dilma.
Após o impeachment
As manifestações brasileiras dividiram o país politicamente, gerando dualidade, polêmicas e até desrespeito com o outro por divergências de opinião. Para Roque Ferreira, essas manifestações serviram para mostrar que vivemos em um Brasil dividido. Para ele, existem interesses de classes distintos e antagônicos.
Com o afastamento de Dilma Rousseff, o cenário político nacional passou a acompanhar também protestos contra o presidente interino Michel Temer.
O país parou no último dia 28 como forma de chamar a atenção para as mudanças da Reforma Trabalhista. O Repórter Unesp acompanhou a mobilização ocorrida no município de Bauru.
O clima de cisão política permanece nos dias atuais, a pouco mais de um ano das eleições presidenciais de 2018. Militantes de esquerda criticam o alegado “golpe”, que resultou no impeachment. Eles também questionam as medidas tomadas pelo governo Temer, enquanto conservadores veem legitimidade no atual presidente em exercício.
A doutoranda em Comunicação Social, Adriana Rodrigues, ressaltou o problema gerado pela divisão. “O problema da dualidade, nesses casos, é que vem acarretada de muita paixão, aforismos e até uma certa alienação por parte de quem discute. As pessoas sempre vão querer convencer que seu candidato ou partido é melhor, é o mais adequado, o que está mais preparado”, coloca Rodrigues.
Reportagem: Mariana Pellegrini Bertacini e Marina Kaiser
Produção Multimídia: Ana Carolina Moraes e Victor Dantas
Edição: Victor Dantas