Bauruenses realizam ato contra reformas trabalhista e da previdência
Greve de 28 de abril reacende a memória de uma das maiores cidades do interior paulista
Bauru. Sexta-feira. 28 de abril. Quatro horas da manhã. Assembleia dos motoristas de ônibus das duas empresas responsáveis pelo transporte público da cidade define que a categoria deve aderir à greve geral de nível nacional.
Enquanto isso, manifestantes já começam uma caminhada pela Rodovia Marechal Rondon. A entrada da cidade na Avenida Nações Unidas é bloqueada pela Polícia Militar. Às sete horas, grupos começam a chegar em frente à Câmara Municipal, local marcado para a maior concentração dos protestos no chamado “Dia Nacional de Lutas”.
Por todo o Brasil, cerca de outras 150 cidades registraram eventos contra as reformas propostas pelo presidente Michel Temer. O principal motivo da greve nacional foram as mudanças propostas na previdência e as alterações nas leis trabalhistas. E em Bauru não foi diferente. Contudo, para entender o movimento que se sucedeu naquela sexta-feira, é preciso voltar um pouco no tempo.
O papel dos ferroviários
Entender a história da classe trabalhadora bauruense é reconhecer a importância que os ferroviários tiveram no processo de construção da cidade durante o século XX. Com isso, a cidade destacou-se em nível estadual, e até mesmo nacional, em termos de reivindicações sociais e trabalhistas.
O processo de urbanização da cidade estendeu-se pelas margens das ferrovias tal qual os mais antigos centros urbanos do mundo se construíram às margens de grandes rios. Ainda que o grosso da economia dependesse das lavouras de café, o escoamento dos grãos por vias férreas fez surgir um vasto contingente de trabalhadores do setor ferroviário. Bauru é uma das cidades-símbolo deste desenvolvimento.
O historiador Henrique Aquino destaca outras organizações além dos sindicatos ferroviários no histórico político da cidade. “O movimento estudantil é muito forte. Há registros de manifestações, inclusive antes de a Faculdade de Bauru ter se tornado a Unesp. Também podemos destacar a importância do movimento operário em resistência ao golpe militar”, afirma Aquino.
Diversos atos de característica trabalhista ocorreram desde 1920, como conta um dos presidentes do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Bauru, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, Roque José Ferreira.
Os ferroviários foram, por muito tempo, a maior classe operária da cidade. Diversas foram as ocasiões nas quais melhores condições de trabalho eram pleiteadas pelos ferroviários. Com a instauração da ditadura, estes trabalhadores tiveram de compor movimentos de resistência.
“Os ferroviários sempre estiveram muito vinculados às demandas de interesse público e do interesse da classe trabalhadora”
Nos anos seguintes, outras manifestações ocorreram pelo país. E, a partir de então, o que ocorreu, de certa maneira, foi um esfriamento de alguns movimentos reconhecidamente mais atuantes. Em Bauru, o desmonte da malha ferroviária durante a década de 1990 impactou diretamente a força dos sindicatos que representavam os trabalhadores do setor.
Roque Ferreira afirma que, considerando o desmonte de toda a malha nacional, o número total de trabalhadores do setor caiu de aproximadamente 250 mil para pouco mais de 15 mil pessoas. Já no tocante apenas à malha entre Bauru-SP e Corumbá-MS, o número caiu de 9 mil para pouco mais de 350 pessoas. O movimento de trens, agora, se dá somente até Três Lagoas-MS.
Se por um lado há a diminuição do número de trabalhadores ligados ao sindicato dos ferroviários, outras categorias ganharam força com o tempo. Atualmente, professores, funcionários públicos, bancários e funcionários da saúde estão entre os mais bem organizadas classes não só em Bauru, mas em quase todo o estado de São Paulo.
Além desses, movimentos sociais das mais diversas orientações políticas têm voltado às ruas, especialmente a partir de 2013.
Em Bauru, de acordo com balanço feito pela Polícia Militar, cerca de 6 mil pessoas tomaram as principais avenidas da cidade nas manifestações daquele ano. Os manifestantes pediam melhorias na educação, transporte público e saúde. A organização dos protestos se deu majoritariamente pela internet.
Em 2015, manifestantes tomaram as ruas novamente. Dessa vez, os protestos eram contra o governo da então presidenta, Dilma Rouseff. As denúncias de corrupção, somadas ao mau desempenho da economia brasileira naquele momento, fortaleceram as manifestações que pediam o impeachment de Dilma.
Após a abertura do processo na Câmara dos Deputados, outros atos aconteceram em 2016. Um dos maiores ocorreu em março daquele ano, quando a Polícia Militar contabilizou 10 mil pessoas presentes em Bauru. Organizações como Movimento Brasil Livre (MBL) compunham os eventos, valendo-se principalmente da internet para divulgar datas e locais dos mesmos.
Greve geral: o cenário atual bauruense
Neste ano, Bauru, assim como o resto do país, passa por momentos de agitação política entre funcionários de diferentes categorias. Em março, a cidade já registrava movimentos contra as reformas trabalhista e da previdência propostas pelo governo de Michel Temer.
Os professores, por exemplo, aderiram à paralisação realizada no dia 15 de março. Treze escolas da cidade, entre municipais e estaduais, permaneceram fechadas naquele dia.
Os funcionários da saúde, ligados à Fundação para o Desenvolvimento Médico Hospitalar – FAMESP, além do posicionamento mediante as pautas nacionais, pediam reajuste salarial, o que não ocorre há dois anos. Os profissionais pedem que o salário seja corrigido em, no mínimo, 9%.
A fundação ofereceu 3% de aumento. Além disso, reclamam por um aumento no valor do vale-alimentação, passando dos atuais 330 para 500 reais. Eles decidiram entrar em greve no dia 31 de março. Até o momento da publicação desta reportagem, a FAMESP e funcionários não haviam chegado a um acordo.
“Sem o movimento não haveria conversa com a Famesp. Ela colocou para nós o que ela queria e queria que a gente engolisse”
Diante de tudo isso, o que Bauru, a décima oitava cidade mais populosa do estado, representa em termos de força política no cenário local e nacional? Para Aquino, por mais que boa parte dos sindicatos tenham perdido força ao longo dos anos, a cidade é um polo aglutinador. O historiador acredita que o funcionalismo público é o grande protagonista do ativismo político da cidade.
Já para Roque, a cidade está num período de mudanças. Ele reconhece que muitas categorias estão desmobilizadas e que a operária ainda é uma das mais atuantes na cidade. Além disso, o sindicalista também acredita que Bauru tem um papel de destaque na região justamente por sua diversidade de atividades trabalhistas.
Durante as manifestações do dia 28, foi possível perceber a grande atuação da classe operária em Bauru. Contudo, muitos dos manifestantes que ali estavam reivindicavam outras pautas além das duas principais.
Era o caso do Movimento Estudantil de Bauru. Os estudantes se reuniram para demonstrar sua insatisfação com a reforma do ensino médio, também realizada no governo de Michel Temer.
Segundo a prefeitura, 49 escolas municipais aderiram à paralisação. Já entre as estaduais, 26 permaneceram fechadas na sexta-feira, segundo a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo).
Durante toda a manhã da greve, o trajeto foi debatido com a Polícia Militar. A intenção inicial era que a carreata saísse da Câmara Municipal para se encontrar na Avenida Nações Unidas com o outro grupo que começou seu protesto na Rodovia Marechal Rondon.
Quando isso acontecesse, os dois grupos seguiriam até a Praça da Paz. No entanto, as duas carreatas se encontraram ainda na avenida Rodrigues Alves e o trajeto acabou sofrendo alterações.
Enquanto os manifestantes seguiam pelo centro da cidade, muitos comércios ainda mantinham suas portas abertas. Com frequência, as pessoas que tomavam a palavra nos microfones dos carros de som convocavam lojistas e funcionários a fecharem suas portas e se juntarem às pessoas nas ruas.
Entretanto, nem todas as lojas atendiam aos pedidos dos manifestantes e seguiam de portas abertas. Membros do Sindicato dos Comerciários estiveram presentes e já antecipavam que nem todas os comerciantes adeririam à greve.
“Nossa estratégia de luta é entrar no corpo a corpo com o trabalhador comerciário para mostrar o que a gente vai perder com isso“
Não houve registros de acidentes, mesmo com o trânsito parcialmente prejudicado, e nem de depredação de patrimônio público. Com frequência, os oradores que estavam em cima dos carros de som rememoravam o caráter pacífico do movimento e pediam união entre os presentes, por mais que suas orientações políticas pudessem ser diferentes.
Quando a manifestação chegou ao Teatro Municipal, alguns manifestantes queriam retornar à Rodovia Marechal Rondon. Contudo, muitas mulheres presentes no ato discordavam da decisão, pois várias delas estavam acompanhadas de crianças e pessoas idosas. Devido ao desentendimento, uma participante do ato chegou a ser agredida fisicamente por um homem.
Ao final do protesto, os presentes retornaram à avenida Rodrigues Alves, em frente à Câmara Municipal. Segundo os organizadores, pouco mais de 10 mil pessoas estiveram nas ruas. A Polícia Militar, por sua vez, contabilizou cerca de 4 mil presentes.
Paralelamente, funcionários da Transurb Bauru faziam sua própria paralisação no ponto de entrada e saída dos ônibus próximo à quadra 2 da Rua Sérgio Arcângelo. Lá, agiam conforme as pautas dos demais sindicatos contra as reformas trabalhistas e de providências propostas pelo governo Temer. O Coordenador Regional – Bauru da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Itamar Calado ressalta os atos realizados no dia 28/04 e as pautas que levaram a eles.
“Enquanto o governo insistir na reforma da previdência, na reforma trabalhista e na terceirização da mão de obra, nós vamos estar na rua protestando”
As mobilizações terminaram por volta do meio-dia, apesar de já estarem com um número menor de pessoas desde às 11h30. Perto das 14h, os ônibus retomaram as suas atividades normais, circulando pela cidade toda. Abaixo, você confere um vídeo com os principais acontecimentos da greve geral em Bauru.
Reportagem: João Pedro Pavanin e Mariana Hafiz
Produção multimídia: Matheus Ferreira
Edição: José Felipe Vaz de Assis