Reforma do ensino médio gera debate sobre educação no país

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Grade curricular flexível, aula em tempo integral e ensino técnico-profissionalizante integrado ao ensino médio. Estes são alguns pontos da reforma do ensino médio que será aplicada nas escolas brasileiras – públicas e privadas.  

A Medida Provisória (MP) 746/2016, que estabelece a reforma, foi sancionada no dia 16 de fevereiro de 2017.  A MP foi apresentada em 22 de setembro de 2016 pelo governo de Michel Temer, aprovada pela Câmara em dezembro do mesmo ano e pelo Senado dois meses depois.

Deputados durante a votação da reforma do Ensino Médio na Câmara.

Câmara dos Deputados durante a conclusão da votação do texto-base da reforma do Ensino Médio. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A reforma traz diretrizes para serem implementadas no ensino e tenta solucionar uma discussão antiga. Em 2013, uma possível mudança no ensino médio começou a ser debatida na Câmara dos Deputados. Era o Projeto de Lei nº 6840/ 2013, do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).

Em setembro de 2016, foi anunciado que o ministro da Educação, Mendonça Filho, se comprometeria com uma reforma. A reforma foi apresentada como uma medida provisória no final de setembro tendo como base o projeto de lei que tramitava na Câmara. Desde então, a proposta sofreu 567 emendas. Ainda assim, a lei foi sancionada mantendo todos os eixos do texto original.

Trâmites

Ainda em setembro de 2016, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.599. O argumento era de que a reforma foi aplicada como uma medida provisória. Segundo o partido, há violação da Constituição por ser clara a ausência do requisito constitucional da urgência no caso da reforma educacional.

Em dezembro do mesmo ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, posicionou-se contra a MP, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF). O parecer era parte da análise da ADI 5.599, proposta pelo PSOL. Para Janot, a MP é inconstitucional por não apresentar os requisitos de urgência e relevância. Ele ainda defendeu que medidas provisórias não são adequadas para reformas estruturais em políticas públicas.

Entenda os principais pontos da Reforma do Ensino Médio no infográfico a seguir:

Sinal amarelo

Na época da apresentação da MP, as mudanças para o ensino médio foram recebidas com protestos e ocupações nas escolas. Profissionais da educação e estudantes alegavam que não houve diálogo na elaboração da medida. Eles temiam a precarização do ensino público, caso fosse aprovada. As ocupações ocorreram em escolas de todo o país, tendo como participantes tanto estudantes quanto professores.

Estudantes em uma rua de São Paulo com faixas e cartazes protestando contra a reforma do Ensino Médio.

Protesto de estudantes na capital paulista contra a reforma do Ensino Médio. Foto: Daniel Mello/Agência Brasil

Além da reforma, eles protestavam contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto para os gastos públicos (PEC 241). Com a PEC 241, estipulou-se o congelamento das despesas do Governo Federal por até 20 anos. A proposta foi promulgada em dezembro de 2016. A medida enfrentou inúmeras críticas da oposição, principalmente dos partidos PT, PSOL e PCdoB. Especialistas também expressaram sua preocupação com a possível diminuição dos investimentos em saúde e educação, que estão previstos na Constituição.

Mais de mil locais em todo o país foram ocupados em 2016, entre escolas e universidades. Alunos e professores protagonizaram os protestos, se manifestando contra as propostas de mudanças feitas pelo governo, além da falta de infraestrutura das escolas. Eles também reivindicavam mais participação na tomada de decisões. O movimento das ocupações, iniciado em 2015 em alguns estados e municípios por questões relacionadas a seus governos locais, se expandiu e atraiu a atenção nacional.

Entraves

Para o professor de sociologia da rede pública de Bauru, Antonio Claudio Prado Fuzer, a reforma não foi discutida com professores e estudantes e foi decretada de forma autoritária. Além da forma apressada com a qual a Lei nº 13.415 (que promove alterações nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional) foi sancionada, a implementação de tempo integral para o ensino médio, a obrigatoriedade de disciplinas e a possibilidade de contratação de professores com notório saber foram alvo de críticas.

No caso da implementação de tempo integral, por exemplo, o texto da lei não especifica sanções para quem não cumprir a norma de ampliação da carga horária nos próximos cinco anos. Os estados não têm estimativa de quanto custaria esta ampliação. O ministro da Educação, Mendonça Filho, anunciou, em setembro de 2016, que a pasta investiria 1,5 bilhão de reais para viabilizar a ampliação em todo país.

A obrigatoriedade e restrição de disciplinas também são motivos de dúvidas. A lei impõe o estudo de matemática e língua portuguesa nos três anos do ciclo final. Garante que os “estudos e práticas” de filosofia, sociologia, artes e educação física estarão na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A base, por sua vez, representará 60% da grade curricular. Mas como a BNCC ainda está em fase de elaboração, não se sabe de que forma estas disciplinas serão incluídas no ensino médio.

Diferenças

Para a professora de história de uma escola particular de Bauru, Meireane Jordão, as mudanças na grade curricular afetam de maneira distinta as redes pública e privada. Ela comenta que na rede pública há incertezas sobre a inclusão das disciplinas de humanidades. Na escola privada onde trabalha, por exemplo, o plano é incluir uma aula a mais de história e geografia para o ensino médio. “A diferença é que na escola privada o foco é o vestibular. Estes alunos estarão mais preparados porque eles já vivem uma realidade parecida com a que é proposta para o novo ensino médio. As mudanças nesta rede (a privada) serão mínimas”, explica.

Outra possível diferença entre os ensinos público e privado é quanto à aplicação dos “itinerários formativos”. Meireane acredita que, hoje, a escola pública não tem estrutura – física e intelectual – para viabilizar disciplinas próprias de cada uma das cinco áreas formativas. Esta especialização no ensino médio pode prejudicar o estudante nos vestibulares. A escola privada, segundo a professora, não correria o risco de ofertar as formações generalizadas. Nestas, não haveria disciplinas “cortadas” ou remanejadas para eixos específicos do conhecimento. “É como se na escola pública fosse oferecido um ou dois eixos enquanto a escola particular pode ofertar todos”, conclui.

A lei prevê que professores sem diplomas específicos possam lecionar. É a chamada contratação de profissionais com “notório saber”. Antonio Fuzer acredita que esta mudança pode precarizar ainda mais a carreira docente por desqualificar profissionais da área. O professor de história da rede pública de Bauru, Tiago Grandi, entende que a reforma modifica o cenário principalmente para os profissionais da área de humanidades. “A reforma tem como proposta intensificar as aulas de matemática e português em detrimento de outras disciplinas, tais como a filosofia e a sociologia”, explica.

Necessidade

Afinal, o ensino médio brasileiro precisa mesmo de uma reforma? Para os professores Antonio e Tiago, sim. “O foco deveria ser o ensino, a pesquisa e a extensão, além de uma ampla reestruturação na carreira docente da Educação Básica”, comenta Antonio. Tiago ressalta as condições nas quais a educação pública se encontra hoje. Infraestrutura e condição precária de trabalho dos profissionais, alunos na última etapa da educação básica semianalfabetos e violência nos arredores das escolas são alguns dos fatores mais alarmantes citados por ele.

Os dificuldades da educação básica no Brasil indicam a necessidade de uma reforma. O infográfico abaixo destaca algumas delas:

Antonio e Tiago não acreditam que as propostas do novo ensino médio podem mudar este cenário. O primeiro explica que a reforma intensifica o processo de tecnização do ensino para a educação formal. O segundo questiona o enfoque às disciplinas de matemática e língua portuguesa em detrimento das outras áreas do conhecimento. Para Tiago, o ideal é pensar em como melhorar essas habilidades sem abrir mão dos conhecimentos que cercam as ciências humanas. “A ideia de uma escola integral é uma proposta para isso, Mas a condição econômica de muitos alunos atrapalha essa possibilidade. Muitos precisam trabalhar para contribuir com a renda da própria família”, explica.

 A implementação do Novo Ensino Médio não deve acontecer até 2018. A aplicação da reforma depende da aprovação da BNCC. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a previsão é de que o novo currículo comum seja encaminhado para aprovação do Conselho Nacional de Educação até o fim do primeiro semestre de 2017. Só depois dessa etapa a BNCC será homologada pelo MEC e as mudanças poderão ser implementadas.

Reportagem: Ana Carolina Moraes e Heloísa Scognamiglio

Produção multimídia: José Felipe Vaz

Edição: Nathane Agostini

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