Movimentos culturais se esforçam para ocupar as ruas de Bauru

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Os membros da Casa da Capoeira de Bauru acreditam que movimentos culturais de matriz afro-brasileira nunca receberam a devida atenção de nenhuma gestão

Para promover a cultura e a militância, movimentos como a Casa do Hip Hop sobrevivem do trabalho de seus membros. Isso porque não recebem ajuda de custos da prefeitura. O mesmo acontece com a Casa da Capoeira de Bauru, que atualmente não leva mais a capoeira às ruas. Portanto, há um sentimento de insegurança e desamparo com relação às gestões que passaram pelo município.

“A gente tá reurbanizando, dando uma outra ideia de cidade, uma outra ideia de quem pode desfrutar da cidade”, afirma Renato Franco Bueno a respeito do trabalho que faz pela Biblioteca Móvel – Quinto Elemento. Parte da Casa do Hip Hop, a biblioteca tem como objetivo central ocupar as ruas com livros, saraus e slams e difundir a cultura dos elementos do Hip Hop.

placas de trânsito com o sarau no fundo

Há forte conotação política nas ocupações da Quinto Elemento (Foto: Larissa Cavenaghi)

Tudo começa com a arrecadação de livros. A Quinto Elemento espalha bancas pela cidade para que as pessoas possam depositar livros, doá-los ou  pegá-los emprestados. O objetivo é incentivar a leitura e promover a circulação de conhecimento. “Dizemos às pessoas que o livro não é apenas um objeto de adorno ou de decoração, mas é algo necessário para transformar a sociedade”, conta Willian Rodrigues, membro do projeto.

Choque com movimentos culturais  

“Antes, eu não conseguia ter acesso a muitos livros, porque são caros. E na hora de emprestar em bibliotecas convencionais sempre tem muita burocracia”, conta Gabriela Diniz, estudante de fonoaudiologia. Ela acredita que o projeto tem sido bem recebido por crianças e idosos, embora concorde que algumas pessoas estranhem no início.

Assim, a recepção do público no começo contou com um choque cultural. Não é uma prática comum para os bauruenses um movimento cultural ocupar os espaços públicos. Inclusive, William revela que, quando montam a biblioteca no centro da cidade, as pessoas se assustam. “Depois tem o desconforto em saber que os livros são de graça, sem a burocracia do prazo para devolução, de não precisar de documentos e todos os livros da banca são frutos de doações”, completa.

O estranhamento ainda ocorre quando a Quinto Elemento promove saraus e slams no cruzamento das avenidas Nações Unidas e Duque de Caxias. Embora essas ações tenham ganhado adesão de muitas pessoas, há quem torça o nariz por não poder passar com o carro na rua abaixo do viaduto.

A venda de artesanatos afro também sempre ocorre nos saraus (Foto: Beatriz Milanez)

Os carros passam, a poesia fica

Com o lema de “Os carros passam, a poesia fica!”, o Sarau do Viaduto reflete uma movimentação que há anos acontece nas periferias. “A gente via que sempre que ocorria uma reunião de poetas na cidade era em um formato muito acadêmico e formal. Daí a gente tentou fazer em 2015 e desde então temos continuado”, explica Renato, organizador da Biblioteca Móvel.

Portanto, a intenção é compartilhar da poesia e dos questionamentos sociais. Questões pessoais e crises também têm espaço. “A gente é da quebrada, do Hip Hop, do rap. Ser debaixo do viaduto traz a ideia mais forte ainda da literatura marginal e periférica. Nós estamos à margem, embaixo do viaduto, no subterrâneo”, diz Renato com empolgação.

Embora haja o desafio do choque cultural com o público, a única ajuda que a Casa do Hip Hop recebe da prefeitura é a concessão do espaço na estação do Museu Ferroviário.

A casa da Capoeira de Bauru
instrumentos de capoeira

Dispersar durante as aulas pode ser bastante prejudicial (Foto: Mariane T. Arantes)

Assim como a Casa do Hip Hop, a Casa da Capoeira de Bauru não recebe verbas de custeio da prefeitura e nem o espaço que utilizam é cedido por órgãos públicos. A construção e a manutenção da casa se deu também com a arrecadação e trabalho coletivo das pessoas que cuidam dela.

Embora eles sigam uma vertente da capoeira que veio do nordeste, de Manoel dos Reis Machado, também conhecido por Mestre Bimba, costumam jogar em uma pracinha próxima à casa no Jardim Contorno, que leva o nome do mestre. Esta capoeira mistura também ritmos de batuque e evita a demonstração de todas as técnicas que possuem.

“A gente fez muitas rodas aqui na praça Mestre Bimba, mas o descuido com a cidade e com a própria praça, além do crescente número de usuários de drogas, é preferível usar o nosso espaço mesmo”, explica Alberto de Carvalho Pereira Sobrinho, um dos responsáveis pelo espaço. Alberto acredita ainda que é importante ocupar os espaços públicos, mas não é fácil fazê-lo sem o apoio do poder público, ainda mais quando se trata de manifestações afro-brasileiras.

roda de capoeira

Na capoeira regional, sempre se respeita o mais fraco e que domina menos técnicas (Foto: Mariane T. Arantes)

As críticas vão além, para todas as gestões. “Não é um partido X ou Y, é a maneira de ver a coisa do espaço público. Ela não é vista como algo do público, de quem paga os impostos. É visto como um lugar cedido pelo administrador público. Mas, ao contrário, é um espaço seu e o administrador tem a obrigação de cuidar”, acredita Cristiane, que frequenta a Casa.

Preconceito

Apesar de hoje ser considerada um patrimônio histórico imaterial do Brasil, no decorrer da história a capoeira nem sempre foi vista com bons olhos. Afinal, era um símbolo de resistência negra durante a escravidão que persistiu mesmo com a abolição em 1888. Não só persistiu, como incomodou a certos setores a ponto de ser criminalizada de 1890 a 1937.

Assim, passados tantos anos, Alberto conta que a Casa da Capoeira de Bauru sofreu discriminação mesmo antes de ser construída.  É com orgulho que relembra os dias que algumas pessoas juntaram dinheiro do próprio bolso e construíram o espaço em terreno próprio. A notícia não demorou a se espalhar pelo bairro.

Há diferentes vertentes de capoeira no Brasil (Foto: Mariane T. Arantes)

“Quando a planta estava pronta e nós começamos a fincar as estacas, existia aqui uma associação de moradores. Me chamaram para uma reunião, fiquei até feliz da vida, pois pensei que queriam uma parceria. Quando cheguei lá, ouvi: ‘não vai ter um barracão de capoeira aqui”, conta Alberto. Ele até tentou explicar que não seria um barracão, mas um prédio planejado para ter vidros por todos os lados, um centro cultural para o bairro. Mesmo assim não quiseram a casa. Eis que bateram de frente com a associação, afinal, a prefeitura já havia dado o alvará de funcionamento e conforme construíram o prédio, viram que não era o que imaginaram de início.

Secretaria da Cultura

A respeito das críticas, Paulinho Pereira, diretor do Departamento de Ação Cultural, revela que a secretaria da cultura não possui um projeto voltado para a comunidade negra. Porém, diz que a secretaria apoia os projetos que a comunidade negra apresenta. Quanto à capoeira, há projetos da Secretaria do esporte para ela, contudo funcionam em âmbito fechado.

“A Casa do Hip Hop surgiu do Ponto de Cultura, que é uma parceria da Secretaria da Cultura com o Ministério da Cultura. Já faz quase três ou quatro anos que o Ponto de Cultura acabou. E a verba parou de vir. Eles foram os únicos que continuaram mesmo sem a verba”, acrescenta Paulinho.

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Texto: Wesley Anjos

Produção multimídia: Mariane T. Arantes

Edição: Karina Francisco

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