Os rolezinhos, que começaram nos shoppings, agora acontecem nas vilas periféricas e áreas nobres, ainda sofrem muita repressão
Ao som de funk ou RAP e com roupas da moda, jovens da periferia ocupam shoppings ou praças. Muito animados, eles conversam com amigos e paqueras. Tudo o que eles querem é se divertir. É noite de rolezinhos. Porém a diversão dos jovens incomoda outros setores da sociedade.
Os rolezinhos, sinônimo de passear, não são nenhuma novidade. Mas, em 2013, os rolezinhos em shoppings na cidade de São Paulo começaram a ganhar repercussão nacional. No auge do movimento, os encontros eram marcados pelas redes sociais e reuniam milhares de jovens. Assim surge o perfil dos rolezeiros: jovens de bairros periféricos das classes C e D, em sua maioria pardos ou negros. Em resposta à ocupação em massa, alguns shoppings conseguiram ordens judiciais provisórias para barrar e multar os jovens.
Rolezinhos em Bauru
A moda dos rolezinhos também chegou a Bauru. Jovens de vários bairros confirmavam presença em eventos no Facebook e se reuniam no Bauru Shopping e no Boulevard Shopping. Os eventos aconteciam nas noites de sexta e sábado. “A galera sabia que sempre tinha rolê nos shoppings, na praça da Paz e no Vitória Régia”, lembra Murilo Juan, 20. O jovem Matheus Alencar, 21 , conta que frequenta os rolês desde 2007. “Sempre marcávamos pelo Orkut ou MSN”, ele afirma.
Hoje, os rolês em shoppings se esvaziaram. Para Murilo, a ação da polícia e do conselho tutelar em coibir os rolezinhos, consequentemente, fez que com os jovens se afastassem dos shoppings. “Os policiais estavam pegando muito pesado, acabava sobrando para quem não tinha nada a ver. Com isso, os jovens ficaram cada vez mais revoltados e aconteceram até alguns confrontos com a polícia”, explica Murilo.
O lojista, Antônio Carlos Cerigatto, tem quiosques no Bauru e no Boulevard Shopping e nunca teve problemas com os jovens. Ele conta que o Boulevard começou a ter uma maior severidade por parte dos seguranças e então os rolezinhos foram diminuindo. Mas no Bauru Shopping os jovens ainda são vistos com frequência. “No Bauru Shopping, de vez em quando, tem muita gritaria, mas são só jovens na ‘zueira’. O próprio segurança chama a atenção e tudo fica numa boa”. Ainda assim, ele afirmou que a grande maioria dos jovens está apenas passeando mas uma minoria tem um comportamento mais agressivo.
A secretária Cristiane Daniel, enquanto consumidora, nunca se sentiu ameaçada ou atrapalhada pelos jovens, para ela é só um passeio. Porque ela acredita que seja tudo uma questão do que cada jovem busca nesse rolezinho, “se é um encontro, uma curtição ou uma encrenca”.
“Os rolezeiros afastavam os clientes”
O gerente do MC Donalds do Boulevard, Matheus Mazzini, afirma que os rolês incomodavam os clientes e houve muitas reclamações. Porque havia gritos e correria, então “às vezes os seguranças os tiravam a força”. Matheus acredita que a segurança reforçada e a presença da polícia na entrada é a melhor alternativa para evitar algazarra. Pois o Boulevard é um shopping mais familiar e calmo e os rolezeiros, portanto, afastavam os clientes. Segundo ele, “o Bauru Shopping parece ser mais popular, enquanto o Boulevard é mais para as classes A e B”.
A assessoria de imprensa do shopping Boulevard declarou que o estabelecimento não recorreu à Justiça para impedir os rolezinhos. Ela afirma que “os jovens caminhavam pelo shopping tranquilamente e respeitaram as normas de conduta”. A respeito da segurança reforçada, o Boulevard se posicionou contra qualquer tipo de opressão e discriminação com relação à limitação da entrada de visitantes. Enquanto a administração do Bauru Shopping preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Das vilas às áreas nobres
Os jovens continuam se reunindo em outros lugares da cidade, como praças, postos de combustíveis e avenidas. Alguns desses rolês acontecem nos bairros periféricos, os chamados “fluxos de vila”. Também há jovens que preferem ocupar as regiões nobres da zona sul.
Julia Soares, 18, frequenta os “fluxos na praça” em seu bairro desde criança. “Todo domingo a gente se reúne, ligamos o som alto, bebemos e dançamos”, descreve. A jovem prefere o rolezinho na vila do que nos shoppings, porque lá são vistos com mau olhares. “Na nossa ‘quebrada’ nos sentimos mais à vontade, porque está todo mundo aqui, os amigos e a família”, afirma Julia.
Repressão policial nos rolês
Julia afirma que a repressão da polícia nos rolês é muito violenta e recorrente: “Eles chegam sem mais nem menos e começam a jogar bomba, spray de pimenta em todo mundo, inclusive em crianças”. Julia conta que nunca sofreu assédio ou assalto nos rolês. Ela desabafa: “Só porque tentamos nos divertir, sempre somos vistos com maus olhos, subjugados como bandidos e vagabundos”.
Em rolezinhos na área sul, o perfil dos rolezeiros se mistura. “Aqui vem pessoas ricas e pobres com carro de som para fazer o mesmo rolê”, explica Henrique Martins, 16 anos. Para quem não tem carro, o acesso é dificultado. “Moramos longe e não dá para vir de ônibus, sempre temos que arranjar carona”, reclamam as amigas Luíza Murback e Gabrielli Teixeira, ambas com 17 anos.
Ainda assim, nas áreas nobres, a repressão policial também se faz presente para dispersar os jovens. “A polícia já sabe que estamos aqui e sempre chega com bombas e bala de borracha”, se indignam Luíza e Gabrielli. “Uma truculência sem necessidade ou motivação”, continua Henrique Martins.
A repressão do polícia militar nos rolezinhos foi citada por 14 dos 15 jovens entrevistados. A ação violenta aos rolezeiros deve ser vista dentro de um contexto muito maior. O perfil do rolezeiro é o perfil das maiores vítimas de violência no Brasil. Segundo o Mapa da Violência de 2016, 59,7% dos homicídios são contra jovens e 70,5% são pretos ou pardos.
“Nós vamos invadir sua praia”
O sociólogo Leonardo Fontes pesquisa sobre mobilidade social, sociabilidade e cidadania nas periferias de São Paulo. Segundo ele, a motivação central para os rolezinhos é a falta e opções de lazer nas periferias.
Em Bauru, esse padrão também se repete. Portanto, como podemos conferir no mapa, as áreas de lazer se localizam na região central e bairros mais caros, que são próximos às avenidas principais da cidade:
Em 2013, o que causou maior repercussão não foi o rolezinho em si, mas o esforço em evitar que esses jovens frequentassem os shoppings. Para Leonardo, o medo dos rolezeiros por parte das classes A e B pode ser entendido pela grande desigualdade socioeconômica e passado escravocrata brasileiro. A melhora na renda das classes C, D e E, nos últimos anos, fizeram esse público frequentar espaços antes quase exclusivos das camadas mais elitizadas, como shoppings e aeroportos. Consequentemente, isso causou um choque cultural. “Há um estranhamento com relação ao comportamento das outras camadas, com preconceito, discriminação e uma certa dose de insatisfação por estarem perdendo seu status socioeconômico anterior”, explica o sociólogo.
Além disso, há o preconceito de associar jovens negros periféricos com a criminalidade e consumo de drogas. “São vários preconceitos que se somam e fazem com que os consumidores e lojistas busquem mecanismos para afastar essas pessoas, contribuindo para a produção de ainda mais discriminação”, conclui Fontes.
É só um rolê?
Nesse contexto de discriminação, o que a princípio seria “só um rolê” acaba se tornando uma espécie de afronta social. Para Leonardo, “mesmo inconscientemente, os rolezinhos acabam tendo um papel político de denunciar a desigualdade social, a discriminação e a falta de acesso a bens e espaços pelos mais pobres”.
Murilo Juan, participante dos rolezinhos, acredita que deveriam liberar os rolês, pois com oportunidades de lazer “os jovens distraem a mente e não ficam pensando em coisas erradas”. Para o rapper Matheus Alex, 22, o rolê existe como uma forma de amenizar o cotidiano desses jovens, como uma válvula de escape.
Texto: Giovana Murça
Produção multimídia: Beatriz Milanez
Edição: Isabela Holl
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