Assédio ou elogio?

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A desigualdade de gênero é um problema intrínseco à nossa sociedade, sendo apontada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável: “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. Apesar de ser pauta constante, a mulher ainda sofre diariamente com o assédio. Mas um grande problema é entender a diferença entre assédio e elogio.

Com o machismo tão enraizado na população, é difícil trazer um ambiente seguro e sem constrangimentos para ambos os gêneros, como ainda mostram os dados: quatro em cada dez mulheres relatam já ter sofrido algum algum tipo de assédio sexual, segundo uma pesquisa do Datafolha, que entrevistou 1.427 mulheres e foi divulgada no final de 2017.

Outros dados de 2016, coletados pela ONG Think Olga e divulgados no site do Governo Federal, mostram que o problema é ainda maior quando falamos das “cantadas”. Os flertes com a abordagem realizada na rua acometeram 99,6% das 7.762 entrevistadas. Sendo que 83% delas achou a situação desagradável.

Uma mestranda de história da Universidade Federal da Grande Dourados, Edna Aparecida Ferreira Benedicto, escreveu um artigo analisando algumas postagens na internet sobre o direito de ir e vir da mulher na cidade, justamente sobre a linha entre cantadas e assédio sexual. Em uma de suas análises ela aponta que ”as cantadas de rua, por sua vez, são coibidas por meio do Decreto-Lei nº 3.688, datado de 3 02 de outubro de 1941, no artigo 61, que textualmente diz: ‘Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: Pena-multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.’ Ou seja, a lei não possui nem atualização monetária”, relata Edna.

A nossa lista traz seis relatos que evidenciam a linha nada tênue entre o assédio o elogio:

1 – Os elogios e olhares indesejados começam cedo

As meninas já sofrem desde cedo com os olhares mal intencionados e aprendem que mesmo incomodadas devem aceitar o constrangimento como algo natural, como conta Marina*,15. “Na escola muitas vezes falam sobre os meus peitos, porque são grandes. Uma vez um menino não parava de olhar e eu falei ‘olha aqui no meu olho’. Fico constrangida. É ruim mas já acostumei”.

2 – “Está pedindo”

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Créditos: Giphy

Em alguns casos se julga que a cantada indesejada deve ser aceita de qualquer forma porque a vítima se colocou naquela situação, ao vestir determinada roupa, como relata Karen Sassaki de 20 anos. “Já ouvi em festa quando eu tava com decote os caras comentando sobre isso e falando que eu não tinha direito de falar nada porque eu tava pedindo aquilo”.

3 – Quando um “elogio” muda sua rotina

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Créditos: Giphy

Algumas mulheres que passam por esse tipo de situação, simplesmente ficam com raivas de si mesmas, muitas vezes por se sentirem culpadas por serem tão ingênuas ou por se martirizarem pelo o que estavam vestindo, estarem sozinhas na rua, ter saído tarde, entre tantas outras razões. E essas mesmas pessoas passam a mudar sua rotina depois do acontecimento.

“Eu estava voltando da universidade e tinha um cara dentro de um carro, parado na frente de um prédio. E ele começou a me pedir informação e a gente começou a conversar. Acho que a gente ficou uns 5 minutos conversando, porque eu tava achando muito que ele era uma pessoa educada e eu não vi nada demais. E do nada ele me falou que eu era muito bonita e me perguntou se eu tinha namorado. Ele falou num tom que eu me senti bem mal. Eu sei que no dia o que eu mais senti foi raiva de mim mesma, porque pensei ‘como é que eu caí nessa conversa?’ E eu fiquei pensando que eu não estava no meio da rua em um lugar aleatório, eu estava na na frente da minha casa, então agora esse cara pode vir aqui, ele sabe onde eu moro, na época eu fiquei com muito medo disso, porque ele me viu entrando no meu prédio e eu falei que morava ali.” – Marcela*, 21 anos.

A garota do relato também comentou que a partir disso, passou a não sair tarde de casa e a não usar mais shorts ou roupas curtas quando vai sair sozinha ou pegar um ônibus após o ocorrido, por medo de sofrer alguma situação parecida.

4 – O perigo pode estar mais próximo do que se imagina

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Créditos: Giphy

“Teve um dia que eu fui no bar perto de casa chamar meu avô porque a outra neta dele estava em casa… eu estava com roupas que sempre uso, short e body… e o outro neto do meu vô estava junto comigo e tinha um outro senhor lá que conhece a minha vó. Fui no bar chamar ele e esse outro senhor veio me cumprimentar e deu a mão pra mim e eu cumprimentei também, só que depois ele começou a querer me abraçar e me beijar e os caras que estavam no bar ficaram dando risada da situação, eu fiquei em choque e na hora eu fiquei empurrando ele e ele ficou querendo me abraçar mais, aí fiquei empurrando ele mais forte até que ele me soltou e eu vim embora. Foi horrível. Como eu estava esperando lá fora e meu vô e o outro neto dele estava lá dentro, eles não viram o que aconteceu. E quando eu fui embora eles continuaram dando risada.” – Sara Larissa Ferreira, 19 anos.

Muitas vezes se acredita estar protegido em seu círculo social, no caso do assédio sexual grande parte pode vir conhecidos, pessoas próximas, amigos e até familiares. Muitas meninas ficam confusas, sem saber se aquele elogio, toque ou olhar malicioso realmente possuem maldade ou se é apenas coisa da cabeça delas. Tudo isso dificulta e muito a denúncia até mesmo para os próprios pais por medo de descrença e repreensão.

5 – Do elogio ao toque indesejado

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Créditos: Giphy

“Há uns 3 anos quando eu fazia academia aqui em Piracicaba, tinha um cara que sempre me cumprimentava na academia, mas até aí tudo bem porque eu sempre dou oi de beijinho no rosto de todo mundo de lá. Toda vez ele ficava conversando comigo. Teve um dia que eu estava esperando o meu pai me buscar e eu estava sentada em um sofá na recepção da academia. Ele chegou e sentou do meu lado e começou a conversar, e veio com umas histórias de eu sair na rua com ele conversar e eu disse que não queria. Ele continuou insistindo pra eu sair na rua com ele (já era de noite, lá por umas 20h). Quanto mais não eu dizia, mais ele insistia até que ele começou a pôr a mão na minha perna e apertar, continuando a falar pra eu sair com ele. Nesse momento eu já estava apavorada mas ao mesmo tempo estava em choque e não conseguia fazer nada, nem tirar a mão dele da minha perna eu conseguia. Passou um tempo dele  insistindo e daí graças a Deus meu pai chegou e eu sai correndo. Não falei pra ninguém, nem meus pais nem pros professores da academia. Eu nunca mais voltei a pé da academia de noite por medo dele estar por lá porque ele era daquele bairro, e evitei ao máximo ir na academia nos horários que ele estava. Detalhe que um tempo depois ele me adicionou no Snapchat e ficava mandando foto do pênis dele pra mim” – Gabriela Fazanaro, 19 anos

Algumas pessoas passam dos limites e além de constranger a vítima, avançam e a tocam sem permissão. Mas ainda assim, tem pessoas que consideram esses toques normais, principalmente em ambientes festivos e também podem vir a ser justificados pela roupa que a mulher estiver vestindo no momento.

6 – No âmbito profissional

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Créditos: Giphy

Esse tipo de constrangimento atinge as mulheres até mesmo quando estão trabalhando, isso quando não deixam de ser contratadas por serem mulheres. Algumas sofrem com a desconfiança de estarem em uma posição que muitos julgam ser para homens e, ainda, para quem lida com o público existe a necessidade de se provar como profissional em suas atividades diárias, como Fernanda Ubaid, 30 anos e jornalista, conta:

“Na minha vida profissional o que eu posso dizer que mais acontece são aqueles elogios que a gente sabe que não são bem elogios e que tem outras intenções, muitas vezes ou autores desses ‘elogios’ querem fazer a gente se sentir constrangida. Infelizmente isso é mais comum do que eu gostaria. Na maioria das vezes são pessoas que têm cargos de autoridade, mas também tem aqueles casos em que essa cultura já está enraizada na educação, isso é nítido. E tem também outra forma de desrespeito que são aqueles homens que se sentem intimidados de alguma forma, não olham no olho, não cumprimentam a gente com um aperto de mão…a gente conversa, entrevista, e não olham no nosso olho, desviam o olhar, parece que têm alguma coisa a esconder, desprezam o fato de sermos mulheres…se fosse outro homem que tivesse ali fazendo a entrevista eu acho que a postura  seria muito diferente. Mas a gente aprende a rebater de alguma forma. Nossa postura acaba mudando, a gente acaba ficando mais na defensiva né, porque infelizmente só uma mulher para saber o que é sentir isso na pele com frequência, tanto assédio de pessoas que usam o fato de sermos mulheres ou para elogiar tentando constranger a gente de alguma maneira, sendo que a gente não dá nenhuma abertura para que isso aconteça, ou até pessoas que menosprezam a gente justamente por sermos mulheres, como se não merecêssemos o mesmo respeito. Às vezes as pessoas nem percebem que fazem isso, mas fazem, tá enraizado na nossa cultura e é preciso mudar”.

Repórter e produção multimídia: Thuany Gibertini

Edição: Vandressa Vellini

Foto de capa: Vermelho sensual ou empoderador? (Créditos: Pintrest)

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