Angela Motta é advogada, especialista em Direito de Família e fundadora e administradora da página no Facebook: “Violência contra a Mulher? CHEGA”. Angela é ativista na defesa de mulheres que são vítimas da violência masculina e, através da página, busca ajudá-las a procurar seus direitos. Confira uma entrevista com a advogada:
Repórter Unesp: Qual é o objetivo da página “Violência contra a mulher? Chega”? Por que decidiu criá-la?
Angela: A criei quando aconteceu no Rio de Janeiro, o caso da mulher numa comunidade em Jacarépagua, que foi estuprada por vários homens e seu vídeo distribuído na rede social. Aquilo me indignou profundamente. O fato dela ter ido lá para se drogar e concordado em transar com quem ela queria, não dava direito a outros homens de se aproveitarem da situação expondo-a ao escrutínio público. Aquele fato foi o que me fez criar a página.
Minha intenção inicialmente era ajudar mulheres vitimadas, seja por qualquer violência masculina, com orientações pelo Messenger da página, como proceder nessas situações, o que fazer, onde ir, como reagir a um ato violento. Hoje, o objetivo da página se alargou. Além da orientação que fazemos, tentamos através das publicações no feed aberto noticiar tudo sobre o tema que possibilite a conscientização, a discussão sobre o tema, notícias relevantes existentes no Brasil e em outros países, publicações de legislação e novos avanços sobre o tema. Enfim tudo que possibilite de alguma forma a diminuição desse tipo de violência.
Repórter Unesp: Você tem contato com diversas mulheres que relatam casos de violência psicológica? Existe uma orientação para elas se encorajarem a denunciar?
Angela: Sim, tenho. A violência psicológica, no âmbito doméstico nada mais é do que o relacionamento abusivo. E este pode se dar de diversas formas. Não só do homem e mulher como casal, mas também por parentes, qual seja: pai, irmão, primo, tio e por aí vai. Exemplos: “Você tá gorda, se olha no espelho”, “Você não presta pra nada”, “para de frescura, só eu que te aguento”, “tá louca?”, “a culpa é sua, você que procura que eu te trate assim, você merece!”, “Tu é burra mesmo!”, “Não sei como te aturo!” e por aí vai.
Nós tentamos fazer com que esse abuso seja reconhecido pela vítima, que normalmente acha normal esse tipo de conduta masculina. Denunciar esse abuso é muito difícil, até porque raramente é reconhecido pela vítima como violência. Não vi até hoje uma denúncia por essa razão. Normalmente a denúncia acontece ou pela violência física efetiva ou pela ameaça.
De qualquer maneira, sem prejuízo da denúncia, orientamos para que procure grupos de trabalho que falem sobre o assunto, terapia para as partes envolvidas e a colocação do problema para os familiares que muitas vezes não conhecem a existência do problema.
O receio em denunciar reside na dificuldade da prova, pois a agressão psicológica é mais feroz, porque ela mina a autoestima da mulher, a coloca num subjugo sem limites, sem que ela se dê conta disso e também por causa da própria autoridade policial que não “enxerga” como importante esse tipo de violência e manda a mulher de volta para casa.
Repórter Unesp: Qual é o momento ou situação que indica que a mulher deve denunciar?
Angela: Eu sempre digo que para que haja a denúncia há que se ter a demonstração dos fatos. Porque senão não adianta. No meu sentir, qualquer situação de violência imposta deve ser denunciada, mas com provas. Não adianta chegar numa delegacia policial sem esses elementos. Sequer serão levados a termo.
Mas, para efeito de violência psicológica, no âmbito doméstico, qualquer que seja o relacionamento abusivo, o que funciona mesmo, no meu sentir, ou é a mediação ou a reclamação no aspecto civil. Em divórcios e separações é mais fácil a obtenção de reparação desse tipo de conduta, porque as partes e as testemunhas se colocam de forma mais tranquila, a demonstrar tal acontecimento. É uma “briga” no aspecto de um processo civil e não criminal. Já obtive resultados favoráveis nesse sentido.
Repórter Unesp: Você acredita que a mulher está efetivamente amparada pela lei, tanto para denunciar, quanto em relação à punição dos agressores? O que precisa ser melhorado?
Angela: No âmbito doméstico, a lei Maria da Penha, bem como suas ramificações são um grande avanço na luta da violência masculina contra a mulher. Mas, no aspecto do relacionamento abusivo, na prática sua aplicação é pouca.
Particularmente, acho que a melhor forma de coibir a violência psicológica é criar mais núcleos para o enfrentamento deste problema pelo casal ou pelas partes envolvidas, quando essas relações ainda possuem possibilidade de continuidade. Penso que uma condenação criminal, não vai resolver o problema, mas sim acirrá-lo.
Repórter Unesp: O que a mulher deve fazer quando a violência psicológica é cometida no ambiente de trabalho ou por pessoas não tão próximas?
Angela: O assédio moral no trabalho já é mais fácil de ser comprovado, porque os colegas que veem tal abuso normalmente também o sofrem e acabam por se solidarizar com esta vítima que tem coragem de denunciar. Normalmente o assediador moral age com mulheres de uma forma e com homens de outra, mas ele provoca ambos os sexos. Portanto, a prova contra esse abusador é mais frequente e geralmente desemboca no aspecto trabalhista e civil.
Frequentemente desembocam no aspecto criminal quando são casos famosos. O primeiro passo é levar ao conhecimento da empresa ou superior de onde essa vítima trabalhe.
Não sendo a pessoa próxima o melhor a fazer é afastar-se, pois, na prática, se sendo próximo já é difícil a comprovação, imagine se for uma pessoa não tão próxima. Mas, caso haja alguma imposição de constrangimento, esta deve ser levada à autoridade policial, na forma de BO por calúnia, difamação ou injúria, pela codificação penal comum, uma vez que condutas desse tipo fora do ambiente doméstico não são abraçadas pela Lei Maria da Penha.
Repórter Unesp: Como você pretende seguir com a página? Qual o conselho para as mulheres vítimas de violência?
Angela: Nossa maior meta na página, nesse trabalho social que fazemos, é fazer com que essa mulher se ame primeiro! Que reconheça seu valor como pessoa, que tome consciência de seus direitos, que acredite que ela é capaz de sair dessa espiral de violência ou reagir a uma violência imposta por terceiros, que ela dificilmente morrerá se ficar sem a companhia desse agressor, em se tratando do âmbito doméstico. Ao contrário, ela pode morrer sim se continuar com ele.
Repórter: Luis Negrelli
Edição: Aressa Muniz
Foto de capa: Chega de mexer comigo. (Créditos: Pixabay)
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