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O direito de se acabar com a violência

Os direitos fundamentais são pouco valorizados, mas podem ser o primeiro passo para a desconstrução das violências sociais

O horizonte de nossas vidas reflete uma tendência sistêmica: ninguém projeta o futuro aguardando melhorias. Parece-nos que, com o passar dos tempos, as nossas percepções mudaram para pior, já que as atribuições só aumentam, o tempo torna-se cada vez mais escasso, o corpo, menos saudável, e as violências diárias, mais intensas e permanentes.

Tornamo-nos vulneráveis, e cada vez menos conscientes do que criamos em nosso meio social: desenvolvemos bolsões de pobreza, intensificamos confrontos, agilizamos crises, violentamo-nos diariamente. Acostumamo-nos com a nossa destruição e a do próximo. A premissa mundial é poética e profética: “violente o próximo como a ti mesmo”.

As violências cotidianas, causadas pelas omissões e as ações vitimizadoras, não representam ou fazem relações somente às “infrações” atreladas ao Código Penal. Violência social (diária ou cotidiana) corresponde a toda e qualquer agressão aos princípios que dignificam o Homem.

Nesse cenário de contradições, violências e impasses sociais, surge a Declaração Universal de Direitos Humanos: um discurso produzido pelo Homem e para o Ser humano na busca pelas garantias dos direitos fundamentais.

A Cultura da Violência

Clodoaldo Cardoso, coordenador do Observatório de Educação em Direitos Humanos da Unesp de Bauru, explica que direitos humanos e violência andam juntos. O discurso universal, segundo ele, faz referência ao conjunto de valores que dão dignidade aos seres humanos – como moradia, saúde, educação, salários, entre outros – e seus fundamentos estão amplamente relacionados à violência. “Uma sociedade que não tem os valores de dignidade garantidos provavelmente tem a violência ampliada dentro do espaço social. Buscar a conquista desses valores significa combater a violência”, afirma.

Embora o Brasil esteja entre as dez maiores economias mundiais, amarga a 85ª posição no ranking internacional que mede o Índice do Desenvolvimento Humano, o que reflete a  ineficiência do país no combate às violências sociais.

Segundo Clodoaldo, o país possui uma Cultura da violência, que tem sua origem nas profundas desigualdades entre as classes. “Essa Cultura penetra em todas as camadas e setores da sociedade, é o desrespeito constante à população, por parte das elites e não só por parte dos governos. Quando alguém, por exemplo, não tem atendimento médico hospitalar sofre uma violência gravíssima. Isso representa o que chamamos de violência estrutural”, completa.

Os direitos humanos não conseguem destruir, completamente só, essa “produção cultural”, quase invisível aos olhos da maioria. O pesquisador propõe que só resolveremos essas questões com mudanças profundas na sociedade. “A sociedade está estruturada para o interesse de determinada classe, os ricos. Embora boa parte da população tenha percebido isso, o brasileiro continua elegendo a camada mais rica da sociedade. Com a mudança na infraestrutura, você cria uma sociedade que tem uma cultura de respeito aos direitos humanos”, argumenta.

O brasileiro e os Direitos Humanos

Quando se menciona direitos humanos, há dois perfis de compreensões possíveis: o primeiro assinala que o documento é inquestionável, legítimo, na defesa dos direitos fundamentais, e a segunda ressalta que a Declaração não passa de letras em papel.

A pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) e professora da UFBA, Mariana Possas, desconstrói essa concepção. “As pessoas tratam direitos humanos de maneira muito estática, como se fosse uma norma a ser aplicada e respeitada. Eles não são diferentes daquilo que já possuímos na Constituição, por exemplo”, enfatiza Mariana.

Além disso, o brasileiro parece não estar acostumado com o enunciado da Declaração Universal. A pesquisadora conta que parte da população brasileira “concorda, por exemplo, que direitos humanos é um ‘direito para bandido’. Em democracias mais desenvolvidas, ao contrário, você tem uma maior internalização dos direitos fundamentais. Nós temos uma conscientização menos amadurecida, sobretudo aos que se referem à cidadania” relata.

Infográfico o que é aceitável que um governo

Infográfico: percepção dos Direitos Humanos no Brasil

As Políticas dos Direitos Humanos no Brasil

As políticas públicas referentes aos direitos humanos, segundo Mariana Possas, ainda não geram resultados, pois podemos verificar uma série de violações ao discurso da Declaração. Contudo, a pesquisadora ressalta a escassez de dados, o que, em geral, dificulta a pesquisa para a materialização de ações eficazes. “No Brasil é muito difícil medir a violação dos direitos fundamentais e isso dificulta a produção de boas políticas no campo. O fato de nós não termos dados concretos não nos impede de fazer políticas, mas diagnosticar os problemas, precisamente, a gente não consegue”, afirma.

Além de não se mostrarem amplas, as iniciativas públicas nem sempre conseguem suprir as demandas sociais que determinariam o fim ou pelo menos auxiliariam no combate às violências diárias. “O brasileiro não é educado para conhecer seus direitos. O pobre agradece ao patrão quando esse paga o salário daquele. Mas o cenário está mudando. Nos últimos anos houve um trabalho de conscientização que está alterando o pensamento da população”, destaca Clodoaldo.

A violência e a zona de conforto

Anterior a qualquer debate, a capacidade inerente do brasileiro de se conformar com a violência social arrefece a necessidade da busca pela solução. Mariana Possas explica que o brasileiro está “acostumado” a violência. “Há um conceito chamado Acumulação Social da Violência: você vive, e com o passar dos tempos, um certo acúmulo foi gerado e, de geração em geração, você potencializa a normalização da situação de violência”, explica.

As soluções para a violência social, sem dúvida, ocupam terrenos maiores do que os dos direitos humanos. Contudo, o reconhecimento dos direitos fundamentais é um dos primeiros passos para a garantia das liberdades, dos direitos e deveres do corpo social. Além do relato de Mariana Possas sobre a “normalização da violência”, Clodoaldo ressalta o tom filantrópico brasileiro, mas revela o desafio: “O Brasil é um dos países que apresenta o maior número de campanhas para pobres, com ONGs, campanhas, e organizações filantrópicas. E por que o cenário não muda? Por causa da estrutura. O povo sempre acha que o problema é do governo, mas o próprio governo está amarrado estruturalmente. Temos que superar essa estrutura”.

Reportagem: Gabriel Oliveira

Produção: Isis Rangel

Edição: Mariana Ribeiro

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