Gestão “Gratia” Cultura
O leão que sempre rugiu para o início dos filmes sob o emblemático “Ars Gratia Artis”, Arte pela Arte, parece agora bem menos estressado e mais assessorado. Tudo porque o conceito de sua arte, o cinema, e de tantas outras, alterou-se profundamente com o passar dos tempos.
Novas perspectivas, políticas públicas e profissões das áreas culturais fizeram com que boa parte dos “idealizadores culturais” (iniciativa privada e pública) se desdobrassem para atender às novas demandas de um rico campo. As políticas nacionais, embora a muitos anos-luz do ideal, já tratam da cultura com as ideias e os cofres mais “abertos”. Com mais recursos, atenção e menos impedimentos, eram nítidas a necessidade de mudança: é preciso pensar, planejar e gerir os projetos culturais. Para tanto, um dos mais notáveis ramos profissionais, a Gestão Cultural, surge com intuito de valorizar, construir, consolidar e administrar a Cultura nacional. Só nos falta descobrir a Cultura e sua gestão.
O campo da gestão cultural nasceu da necessidade de organização daquilo que gestores já faziam, na prática. A professora e especialista da área cultural, Luzia Ferreira, afirma que os gestores culturais eram considerados “sujeitos intencionais”, ou seja, geriam projetos sem métodos, forma ou regras bem estabelecidas e fundadas. “Os profissionais da área sempre tiveram um perfil prático ao mexer com a cultura. O indivíduo procurava a melhor estratégia para o seu ‘fazer cultural’, buscando consolidar sua atividade para o espaço cultural. Todos ‘iam fazendo’, verificando resultados e adaptando-se sempre que possível, e esse processo sempre foi muito solitário”, conta.
Não há, ainda, a “boa forma” para a gestão cultural, mas o papel de um gestor da área perpassa pelas necessidades para um bom planejamento e gestão do projeto de cultura. Entre a prática e a teoria, o gestor cultural necessita estar antenado às tendências das esferas públicas e privadas, além de planejar e adotar pesquisas que delineiem o projeto, aplicar técnicas gerenciais, estudar as formas para o financiamento cultural, produzir, distribuir e difundir o projeto, e dialogar com programas, políticas e projetos culturais diversos que possam auxiliar ou “conversar” com seus próprios projetos.
O Sociólogo do IPEA, Frederico Barbosa, ressalta que o gestor cultural é muito importante para o planejamento e produção dos projetos, mas aponta a dificuldade em se pensar a profissão, sem antes pensar em políticas sistêmicas. “O gestor é um sujeito capaz de desenhar um projeto em função da qualidade do que se está sendo proposto e não necessariamente seguindo as questões de mercado. Mas o gestor ainda tem uma ação em projetos e não uma ação sistêmica”, destaca. Ainda com relação ao campo cultural, Frederico Barbosa ressalta a necessidade de política pública universal. Para isso, o primeiro passo é dispormos de um sistema de financiamento mais poderoso, e posteriormente criarmos a capacidade para que instituições dialoguem para utilizarem melhor os recursos disponíveis. Segundo Barbosa, a cultura, assim como gestor, que dela depende, vive de uma articulação pontual, baseada em editais.
Os desafios da profissão
O caminho para a consolidação da profissão é árduo. Embora se mostre um campo extremamente fértil, a gestão cultural ainda sofre problemas sobretudo na hora de delinear suas referências, enquanto profissão. Segundo Luzia Ferreira, especialista da área cultural, o gestor trabalha hoje como prestador de serviços. “Não existe ainda nenhum profissional que se nomeie e considere um gestor cultural, que entenda de produção cultural de todas as áreas. Isso, aliás, está longe de existir”. Antes de se assegurar como profissão, no entanto, a gestão cultural necessita ter um plano de carreira consolidada e ser incluída em estudos mais aprofundados. “É preciso ter uma literatura específica, um estatuto e um código de ética. No final das contas, a gestão cultural precisa ser regulamentada, necessita estar incluída como política educacional”, afirma Luzia Ferreira.
Os cursos de qualificação propostos por algumas instituições espalhadas pelo Brasil oferecem uma base para a atuação do gestor, mas ainda não conseguem pensar na profissão com eficiência. “Esses cursos de qualificação técnicos e tecnólogos precisam ser revistos, já que apresentam problemas pela sua especificidade. Esses cursos se assentam em determinada área, e um gestor tem que entender de tudo”, alerta Luzia.
Rayan Lins é gestor cultural, na Paraíba, e endossa o discurso de Luzia. “Nós temos fortes críticas ao modelo de escolas e universidades existentes hoje, tanto ao conteúdo defasado, mas também às práticas metodológicas. Nós, gestores culturais, estamos praticando por meio de experiências e laboratórios ‘código aberto’ para sistematizarmos tudo isso em conceitos e teorias”, afirma.
E de que um gestor precisa, afinal?
Se os cursos precisam ser revistos e a gestor parece não se manifestar como um gestor cultural, de fato, o que um profissional da área necessita? Segundo Luzia Ferreira, um gestor cultural precisa ser um indivíduo antenado para as mudanças e compreender as dinâmicas do setor cultural. Além disso, o profissional deve entender muito sobre a legislação e ter uma visão social e global sobre a cultura, já que os cursos deveriam ser amplos o suficiente para o aluno ter condição de “entender sociologia, história da arte, da cultura, educação da cultura. Do contrário, formamos gestores por nichos: gestor para a dança, para a música, para o cinema”, enfatiza.
Mas não depende apenas do profissional. Luzia Ferreira lembra a importância das políticas públicas no processo de formação de um gestor. Para a especialista, o que falta na América Latina é desenvolver mecanismos que dão conta das atividades enquanto gestor de cultura. “Há falta de investimento público. Não podemos depender que o incentivo privado absorva os gestores culturais, pois sua ação está vinculada ao que dá lucro. Deveria haver gestor cultural para os projetos culturais que não dão lucro, mas os investimentos públicos não dão conta dessa área, que é necessária para a democratização da cultura”, afirma.
Rayan Lins, gestor cultural, também acredita que o poder público poderia influenciar positivamente a gestão cultural. “Enxergamos uma luz no fim do túnel com o Sistema Nacional de Cultura, mas faltou também a gestão cultural nos estados e municípios, que ainda sofrem com a política de apradinhamentos, o nepotismo, com os cargos de confiança e a falta de concursos públicos. As políticas públicas para a cultura ainda precisam avançar muito em todas as esferas, mas principalmente nos estados e municípios”, critica o gestor. Rayan Lins acredita que a falta de Gestores Culturais qualificados a frente de secretarias e fundações de cultura agrava o cenário da Cultura no país, já que esses profissionais não participam das discussões referentes às políticas culturais. “O gestor cultural também faz falta nas instituições privadas a exemplo dos centros culturais dos bancos e outras grandes empresas, para que sejam trabalhados programas de cultura que atendam em toda complexidade e alcance que a cultura demanda”, finaliza Rayan.
Reportagem: Gabriel Oliveira
Produção: Paula Monezzi
Edição: Mariana Tavares