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A universidade é universal quanto à sexualidade?

A universidade é considerada um local progressista e aberto às mudanças. Entretanto pode não ser tão receptiva em relação à manifestação das diversidades de gênero.

O Brasil figura como um dos países mais cruéis à comunidade LGBT+ no mundo. Só no ano passado, segundo o Grupo Gay da Bahia, GGB, 313 pessoas dessas comunidades foram assassinadas. Entre as causas, o recorte feito para avaliar o modo como as mortes aconteceram preocupa: entre essas 313 pessoas, muitas perderam a vida por meio de facadas, espancamentos e pauladas. A situação ainda se complicada quando se analisa a realidade das travestis. Se os homossexuais representavam em 2014 10% da população brasileira e 124 do total dos casos de morte, as travestis, que não chegam a 1% da população brasileira, tinham 84 mortes registradas.

Infográfico: Carolina Baldin Meira/ Repórter Unesp

Arte: Carolina Baldin Meira/Repórter Unesp

A sociedade brasileira é tida como muito conservadora e opressora das minorias sociais. Os números não à toa são alarmantes também com relação ao feminicídio, extermínio das mulheres, e ao genocídio da população negra. Lucas Zanetti, estudante de Jornalismo, conta sobre as dificuldades que teve durante o seu processo de aceitação enquanto LGBT. “Posso falar da minha vivência enquanto homem cis, gay e branco. Fui criado em uma família conservadora, então sempre tive muita dificuldade em me aceitar e falar sobre minha sexualidade, devido às diversas repressões que já havia sofrido. Entrei na universidade com 17 anos, quando apenas alguns amigos próximos sabiam da minha condição sexual. Nesta época, já me aceitava, já sabia quem eu era, mas ainda tinha muito medo de falar sobre minha sexualidade”, afirma.

A universidade, então, aparece como mais um espaço de eco das opressões que essa minoria sofre na sociedade, mesmo sendo um local que deveria ser destinado à reflexão e à transformação da realidade social, mas acaba por se apresentar como reprodutor do status quo. Lucas acredita que “a universidade em si, enquanto estrutura não é nada progressista. O que existem são algumas pessoas progressistas, que fomentam a discussão LGBT e de outros grupos historicamente oprimidos. Mesmo assim, a universidade brasileira está longe de contemplar a diversidade brasileira, tampouco a diversidade LGBT”.

Coletivo Prisma

No símbolo do coletivo, os feixes de luz entram no prisma em azul e rosa, representando o masculino e o feminino, e saem ampliando as possibilidades além da dupla homem x mulher. (Crédito: Gabriela Baraldi Passy/Repórter Unesp. Iustração: Gabriela Baraldi Passy, baseada no símbolo do Coletivo Prisma e nos seus cartazes espalhados pela Unesp Bauru)

No símbolo do coletivo, os feixes de luz entram no prisma em azul e rosa, representando o masculino e o feminino, e saem ampliando as possibilidades além da dupla homem x mulher (Arte: Gabriela Baraldi Passy/Repórter Unesp)

Por isso, entende-se como um grande ganho a criação do Coletivo LGBT+ Prisma, grupo organizado e independente de estudantes LGBTs que pautam o tema no ambiente acadêmico do câmpus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru. “Um coletivo LGBT é importante para que as discussões de gênero, sexualidade e expressão sejam debatidas e entendidas não só por LGBTs, mas para os estudantes em geral. Os futuros profissionais precisam entender essas questões para não reproduzirem discriminação e respeitarem a diversidade. É importante no sentido de compartilhamento de vivências, de acolhimento, empoderamento e instrumentalização do grupo LGBT”, afirma o estudante Lucas.

O Prisma surgiu no ano passado, impulsionado pela criação dos coletivos feminista e negro dentro do mesmo câmpus da Unesp. Heitor Miranda é mestrando no programa de pós-gradução em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da universidade e foi um dos fundadores. A primeira reunião foi convocada por meio de um evento no Facebook e mais de 40 pessoas compareceram. “A nossa ideia era um coletivo para a Unesp, não um coletivo só da Faac, da FC ou da FEB [faculdades da Unesp Bauru]. Hoje, participam pessoas que não são só da Unesp, mas que fazem parte, por exemplo, do coletivo LGBT de Bauru, o Juntos”, conta Heitor.

Victoria Martins e Bruno Lima estão no primeiro ano do curso de Psicologia e fazem parte do coletivo desde que chegaram à Unesp. Victoria já passou por outra universidade, a USP, em Piracicaba, onde participou do processo de formação de um coletivo LGBT dentro da faculdade. “O legal de ter um coletivo é você já chegar com algo pra te acolher. É legal ter com quem contar”, diz a estudante. “Achei interessante que mesmo se você não for LGBT, você pode participar das reuniões; o intuito é incluir, e não excluir, que é o que acontece na maioria das vezes com a gente”, aponta Bruno.

“Fazer parte do coletivo me faz sentir que tem uma galera me apoiando. E isso é uma coisa muito importante para qualquer pessoa, inclusive alguém que está num processo, por exemplo, de aceitação, de assumir e viver a sua sexualidade livremente dentro de um lugar que, querendo ou não, ainda é homofóbico e ainda é machista”, conta Heitor, que é esperançoso quanto ao futuro da comunidade LGBT+. “A sensação que eu tenho é a de que as coisas estão mudando um pouco. Não sei quais os motivos disso, mas eu sinto que está um pouco melhor. Eu penso que agora que o capitalismo percebeu que ‘as gay’ é um grande nicho, a coisa vai mudar um pouco mais rápido”, comenta.

As primeiras atividades do coletivo voltado para a universidade foram as duas primeiras edições do Cine Prisma, feitas para receber os calouros da FC e da Faac, nas quais foram exibidos o documentário Paris is Burning, o curta Mundo ao contrário e o documentário T, produzido por alunas do curso de Jornalismo. Os membros do coletivo também espalharam pelo câmpus cartazes que questionam frases ouvidas frequentemente por membros da comunidade LGBT+.

 

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Discutindo a relação menino-menina na escola

Reportagem: Pedro Borges e Gabriela Baraldi Passy
Produção Multimídia: Gabriela Baraldi Passy e Carolina Baldin Meira
Edição: Carolina Rodrigues

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