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Discutindo a relação menino-menina na escola

A quebra de estereótipos de gênero e o respeito à diversidade são desafios que devem ser alcançados pelas escolas tradicionais.

Recentemente, diversos veículos de comunicação têm noticiado casos de crianças que, desde muito cedo, possuem maneiras diferentes de se identificar com gêneros e de viver a sexualidade. São crianças das mais variadas idades que não se encaixam nos padrões socialmente estabelecidos sobre ser menino ou menina. Algumas histórias ficaram conhecidas, como a da família de Marlo Mack, mãe de uma garotinha transgênero que se definiu como menina aos quatro anos. Além disso, o caso do menino Arthur, de Ouro Preto-MG, que encontrou apoio do pai ao decidir pintar as unhas ou o caso do pequeno Romeo Clarke, que aos 5 anos adora usar seus mais de 100 vestidos para as atividades do dia a dia também chamaram a atenção de milhares de pessoas.

Mas o que liga essas histórias, além da coragem e determinação das crianças e das famílias em encarar as diferenças e enfrentar os olhares estigmatizados da sociedade é o fato das crianças encontrarem graves problemas de aceitação nas escolas. A escola, que deveria abraçar as diferenças, pode ser o ambiente mais opressivo que existe.

Paradoxalmente, quem tem ensinado a escola a agir no respeito à diversidade são os próprios estudantes. Na contemporaneidade, multiplicaram-se os grupos, os sujeitos, os movimentos e as maneiras de se identificar com gêneros. E cada vez mais torna-se necessária uma maior reflexão sobre as próprias ideias de masculino, feminino, heterossexual, homo ou bissexual, coisas de menino e coisas de menina.

Ilustração: Sophia Andreazza/Especial para o Repórter Unesp

Arte: Sophia Andreazza/especial para o Repórter Unesp

Desfazendo os nós

Vale desfazer a confusão que existe entre os conceitos de sexo, sexualidade e gênero. O sexo é definido biologicamente. Nascemos machos ou fêmeas, de acordo com a informação genética levada pelo espermatozoide ao óvulo. Já a sexualidade está relacionada às pessoas por quem nos sentimos atraídos; e o gênero está ligado a características atribuídas socialmente a cada sexo. O que se sabe hoje em dia é que o dualismo heterossexual/homossexual não é capaz de abarcar as formas de desejo humanas.

Os estudos sobre o tema dizem que a orientação sexual se distribui num amplo espectro entre esses dois polos. É provável que a definição sexual se dê pela interação entre fatores biológicos (predisposição genética, níveis hormonais) e ambientais (experiências ao longo da vida). Mas não há certezas sobre isso. O que é fato é que o sofrimento é uma constante na vida das pessoas que não se encaixam nos padrões sociais de gênero e sexualidade. São piadas, humilhações, agressões físicas e psicológicas, além da exclusão.

Infográfico: Carolina Baldin Meira/Repórter Unesp

Arte: Carolina Baldin Meira/Repórter Unesp

Como se construiu uma sociedade que se choca e entra em pânico ao ver um menino se vestindo de menina? Ou ao ver uma menina que joga futebol? A professora e diretora de escola, Ana Luiza Novo, explica que a resposta está no conceito de gênero. “Tais discussões, por envolverem crenças, conceitos e preconceitos, padrões comportamentais, modelos estereotipados  e incorporados durante séculos pelos indivíduos, acabam sem dúvida alguma chegando a escola e, talvez, seja esse o local onde os conflitos são exacerbados e começam a transparecer por meio das expectativas de pais, de educadores”, afirma a educadora.

A criança ao chegar na escola expande o seu universo social e cultural e passa a conviver com as mais diferentes formas de organização familiar, valores e estilos de vida. Os educadores, por sua vez, também são pessoas que têm suas próprias convicções, que muitas vezes são decisivas e incidem sobre as suas práticas. “Trabalhei durante nove anos em uma creche onde as questões relativas ao gênero, ao sexo e à sexualidade, tinham que ser revisitadas a todo momento. Para as educadoras, até mesmo a ereção ao urinar de um bebê parecia ser tratada como um ato libidinoso” completa Ana Luiza, que atualmente é diretora de uma escola municipal de educação infantil.

“Agora, trabalhando com crianças maiores (de 3 a 5 anos), ainda percebemos o forte apelo para que brinquem com brinquedos que seriam apropriados para o sexo e o uso de expressões como ‘homem não chora’ ou ‘ você está parecendo uma mulherzinha’, como se fossem atitudes negativas e realmente capazes de definir um gênero”, completa.  Além disso, alguns docentes têm dificuldades em quebrar alguns preconceitos. “Nas brincadeiras, algumas professoras ainda estranham os meninos que frequentam salões de beleza  ou os que insistem  em  brincar de casinha, de cozinhar, de cuidar do bebê. E o incrível é que são essas mesmas educadoras que constantemente se queixam da pouca ou nenhuma participação de seus companheiros em tais tarefas”, explica a educadora.

E é no sentido de educar para a igualdade que diversos projetos trabalham com a questão do gênero e sexualidade nas escolas de ensino infantil, fundamental e médio. “Temos insistido na formação de educadores com a consciência de que a função da escola é acolher, educar e cuidar das crianças, promovendo a convivência respeitosa entre todos. Nossa mais recente proposta, que tem por objetivo quebrar estereótipos, é a ideia da quadrilha livre, para a festa junina. Dessa vez, estimulamos as crianças a dançarem em pares com quem desejarem. Convidamos os pais e mães a participarem também”, comenta Ana.

Ilustração: Sophia Andreazza/Especial para o Repórter Unesp

Arte: Sophia Andreazza/especial para o Repórter Unesp

Além dos projetos desenvolvidos com crianças menores, investir na formação de profissionais sensíveis às questões de gênero é fundamental. Confira, abaixo, a entrevista com Andrea Cronemberger Rufino, professora de medicina da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e doutora em ciências, com o tema sexualidade, pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Repórter Unesp: Quais os prejuízos para as crianças que se sentem oprimidas pelo padrão social imposto?

Andrea Cronemberger Rufino: Os prejuízos para as crianças e adolescentes estão relacionados a elas se tornarem alvo da violência de gênero, dos eventos de homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia, que podem resultar em queda no rendimento escolar e evasão precoce da escola. Esse cenário perpetua as desigualdades de gênero e fecha um ciclo de vulnerabilidades associado à pobreza e à violência.

RU: O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica da Universidade Estadual do Piauí – PARFOR/UESPI – promoveu um debate sobre o preparo dos professores para abordar a sexualidade no ambiente escolar; no caso, o projeto “Gênero e Sexualidade na Escola”. Quais as dificuldades e quais os objetivos do projeto?

ACR:  O Projeto “Gênero e sexualidade na formação de professores da rede básica de ensino” integra uma das atividades de ensino e extensão do Núcleo Corpo e Sexualidades da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. O projeto tem como objetivo ofertar essa temática aos professores de várias cidades do Piauí que são alunos da UESPI pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Rede Básica – PARFOR. A oferta dessa temática se dá por meio da busca do conhecimento prévio dos professores a respeito de gênero e sexualidade. A oferta pretende provocar a autorreflexão deles sobre a própria prática docente nessa temática a partir das dificuldades que eles identificam no cotidiano da sala de aula. Também, pretende-se provocá-los a identificar situações de violência de gênero e por orientação sexual no ambiente escolar e, consequentemente, a desenvolver estratégias para combater e prevenir esses eventos durante a abordagem do tema com os seus alunos. O curso é ofertado em três módulos que totalizam 60 horas em turmas de 25 professores de várias cidades do Piauí.

RU: Recentemente alguns casos ganharam  maior  destaque  na  mídia, como o caso do menino Arthur, de Ouro Preto. Muitas vezes, essas crianças encontram graves problemas de aceitação nas escolas. Com base nisso, quais as perspectivas para a educação sobre o gênero e sexualidade nas escolas brasileiras?

ACR: A perspectiva para a educação em gênero e sexualidade na escola brasileira é provocar mudanças na realidade da desigualdade social de gênero imposta pelo sexismo que sustenta a violência às sexualidades não héteros. A desigualdade de gênero pode influenciar na evasão escolar de meninas, motivada por uma gravidez não planejada ou, ainda, pela imposição do trabalho doméstico a elas. Por sua vez, os eventos de violência homofóbica, lesbofóbica, bifóbica e transfóbica costumam ocorrer precocemente no ambiente intrafamiliar e/ou escolar de crianças e adolescentes. Muitas vezes, antes mesmo que a criança e o adolescente tenham a percepção de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Outra perspectiva é conhecer a realidade do exercício da docência no ensino básico na temática de gênero e sexualidade.

Saiba mais:
A universidade é universal quanto à sexualidade?

Reportagem: Laura Fontana
Produção Multimídia: Gabriela Baraldi Passy e Carolina Baldin Meira
Edição: Carolina Rodrigues

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