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Nº 23 – 2015 | Racismo na Universidade

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Cartaz com mensagem de combate ao racismo é pichado com suástica, símbolo usualmente atribuído ao nazismo (foto: Michael Barbosa)

A idealização da Academia, por Platão, no século IV a.C., foi um protótipo do conceito moderno de universidade; pensadores influentes fundavam escolas para difundir seus conhecimentos ainda sem considerar a possibilidade do debate. Na Ásia do século V, sob o cuidado de filósofos budistas que promoviam discussões filosóficas, a universidade de Nalanda, em Bihar, Índia,  foi a primeira a concretizar o cerne da definição de universidade carregado até a atualidade: o espaço para debate de temas diversos na busca pelo conhecimento.

As máximas “ensino superior”, “pesquisa” e “extensão” são os pontos determinantes para que as universidades sejam observadas com otimismo na perspectiva democrática. Do lado de dentro, corpos discente e docente gabam-se por uma suposta predisposição à convivência com a pluralidade e ao serviço de interesse público. Do lado de fora, termina-se por engolir a seco a provação do vestibular, o delírio da meritocracia. É espaço de trocas culturais, compartilhamento do Saber. A universidade se tornou o berço do debate, da participação política e cultural, da produção e do acesso ao conhecimento.

Sabemos que há mais entre céus e terra. As universidades são cenário para disputas de diferenciação de hierarquias e para a conceituação de fronteiras político-culturais. O acesso de pobres, mulheres, indígenas e negros à universidade não é um questionamento inédito. A problematização via sistema de cotas, entre outras políticas afirmativas, é produto da conquista de espaços por parte das consideradas minorias; há, no entanto, para além das conquistas, uma luta constante, especialmente contra o tipo de preconceito que segue velado, silencioso e persistente. O espaço das universidades ainda reproduz o alerta contra um passado africano, bárbaro, negro em exaltação à civilização européia branca.

No último dia 22, nos banheiros do Departamento de Comunicação da Unesp – Bauru,  intervenções físicas anunciaram a inevitabilidade de um assunto que caminha por uma rede de significados culturais e políticos há mais de cinco séculos de história brasileira*. As mensagens simbólicas do preconceito velado, encaminhadas constantemente aos negros, às mulheres negras e ao professor Juarez Tadeu de Paula Xavier, chefe do Departamento de Comunicação da Unesp, foram outorgadas pelas paredes da universidade, em aspecto de lei – e para caso de polícia -, à tinta. O velho hábito de preservar ‘aparências europeias’ se escancara na tentativa de reestruturar a velha segmentação física do território negro. Fica a mensagem: universidade não é lugar de gente negra.

Esta edição do Repórter Unesp se debruça sobre a questão do negro na universidade. A presença de pessoas negras nos espaços de produção e confraternização do conhecimento é de extrema importância prática e simbólica na luta contra a discriminação racial. O caso – criminoso – de racismo manifesto no campus da Universidade Estadual Paulista em julho desse ano não deve ser arquivado na universidade, a título de debate interno. É preciso falar sobre isso. Dentro e fora do espaço universitário.

*<<Essas habitações coletivas – cômodos e porções na Sé, ou pequenas aldeias nas periferias, principalmente nas freguesias de Nossa Senhora do Ó e da Penha – articuladas pela urdidura das ruas, dos pontos de quitandas, das bicas e tanques das lavadeiras, dos encontros no mercado, dos refúgios nas matas e do espaço das irmandades na cidade constituíam o território negro no final da escravidão. Desmontá-lo, apagando os traços afro-brasileiros da cidade era fundamental para intensificar o poder das aparências europeias e conferir uma imagem “metropolitana” à cidade e à República nascente.

O ataque era simultaneamente real e imaginário; como em toda operação urbanística, tratava-se de associar um conjunto de intervenções físicas a uma rede de significados culturais e políticos.>>

  • Terreiro – um espaço afro-brasileiro – Raquel Rolnik (A Cidade e a Lei)

 

Adriana Kimura – editora-chefe

adrianac.kimura@gmail.com

Vitor Almeida – editor-adjunto

vitor.garbuiodealmeida@gmail.com

 

NESTA EDIÇÃO:

A intolerância não tem rosto

Coletivo Negro Kimpa, o transformar da dor em luta

Racismo e a lei

Letícia de Maceno, todo o poder da mulher negra

Opinião | A Casa Grande vai ficar pequena

Gabriela Diniz, negra, 2,4% da USP

A universidade não é mais branca

Entrevista | “As cotas não são um privilégio para um grupo, mas para toda a sociedade”

Entrevista | Negro e acadêmico: entrevista com Ricardo Alexino

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