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Minha avó tinha

Diz a lenda que, nas ruas do Rio de Janeiro do século XIX, um mascate chamado Belchior vendia objetos e roupas usados. Imortalizado na obra Ideias do Canário, de Machado de Assis, o vendedor ambulante deu nome às lojas que até hoje vendem itens usados, os brechós

Apesar de muitas vezes ainda associados no imaginário popular como locais desorganizados, que vendem roupas e objetos de segunda mão, atualmente os brechós têm conquistado cada vez mais espaço dentro do cotidiano brasileiro. Lojas especializadas em artigos femininos, masculinos, infantis, vintages ou de festas têm recebido a aprovação dos consumidores. Elas ganham um novo significado de exclusividade e diversificação e se transformam no destino daqueles que procuram produtos que não são mais fabricados, assim como peças de marcas famosas por um preço mais acessível.

Segundo Tatiana Mouta, designer de moda que pesquisou sobre a história desses estabelecimentos e sobre os brechós da cidade de Fortaleza durante a sua graduação, um dos primeiros brechós que encontramos registros no Brasil é o Malé Lixo, aberto em Copacabana pela cantora Maysa em 1972, inaugurado por ela após suas visitas a esse tipo de estabelecimento em viagens à Europa.

Com que roupa eu vou?

Roberta Würzius, proprietária do brechó online European Brechó e criadora do site Garimpo Democrático, acredita que a moda vintage foi a responsável pela popularização dos brechós, alavancando as vendas das lojas. “A peça vintage tem história, mas ela precisa ter também bom preço, identidade e um apelativo extra que muitas vezes é a marca dessa peça. As pessoas querem um achado”, explica.

A moda vintage se baseia na recuperação do estilo de vida e do vestuário das décadas de 1920 até 1960. A volta da moda “pin-up” da década de 1950 é um exemplo da inspiração que marcas e consumidores têm buscado nas décadas passadas. O vintage seria qualquer peça que tenha pelo menos 20 anos e menos de 100 anos, quando a peça passa a ser considerada antiguidade.

Roberta explica que, muitas vezes, a consumidora de peças vintage está à procura de exclusividade, algo que não encontra em peças de lojas de grandes redes varejistas. “Agora, por exemplo, estamos de volta com tendências dos anos 70 e a consumidora ‘ligada’ poderá achar peças vintage com características únicas daquela época numa peça antiga num brechó e saberá que ninguém mais vai ter”, afirma.

Consumo sustentável

A designer de moda Tatiana Mouta aponta que há uma relação de interdependência entre a moda e o consumo, mas que o cliente pode aderir à ideia de consumo sustentável ao adotar a prática da regra dos três R’s, por exemplo. A regra consiste em: Reduzir o consumo, Reutilizar objetos e Reciclar produtos que possam ser reaproveitados por meio de processos industriais.

Outra maneira de as pessoas aderirem ao consumo sustentável poderia ser a partir da compra de peças em brechós, pois os objetos de segunda mão reduzem o impacto ambiental da indústria de moda, por não exigirem o uso de novos recursos naturais.

Segundo o SEBRAE, comprar em brechós pode possibilitar bons descontos. Em alguns casos, a economia pode chegar a 80% em relação a lojas tradicionais, principalmente se a peça for de alguma grife famosa.

É essa economia que a blogueira e dona de brechós Roberta Würzius aponta como fator que faria dos brechós uma saída para consumidores continuarem a comprar em momentos de crise. “O Brasil está em uma forte crise financeira e isso tem afetado fortemente a população. As pessoas estão cortando os gastos que consideram supérfluos, que abrange até o setor dos alimentos, imagine então o vestuário”, complementa. Para Tatiana Moura, comprar em brechó é uma alternativa inteligente em tempos de crise financeira.

Apesar disso, Roberta acredita que ainda há resistência por parte da população em relação a compras de peças de vestuário usadas. “No exterior, é muito comum achar lojas de roupas usadas, mas aqui o povo parece ter um certo preconceito”, comenta.

Roberta Würzius destaca que os brechós também podem servir como uma forma de as pessoas livrarem espaço em seus guarda-roupas e ainda poderem ganhar dinheiro. “Principalmente com as mulheres, acontece muito de comprarmos uma roupa e no período de um ano usarmos essa peça uma ou duas vezes ou às vezes nem usar e ela ficar lá guardada e esquecida. Às vezes nem é porque não queremos usá-la, mas as pessoas engordam e emagrecem e acaba nem servindo mais. Então, ao invés de pegar essa peça e deixar ela atirada lá no guarda-roupas, por que não vendê-la e assim adquirir uma nova peça? O que não é bom pra ti pode servir para outra pessoa e vice-versa”, aconselha a dona de brechó.

Solidariedade

Enquanto no Brasil os brechós ainda estão crescendo, a designer de moda Tatiana Moura explica que, na Europa e nos Estados Unidos,  é possível encontrar muitos estabelecimentos que são motivados pela caridade.

No Reino Unido, a organização não governamental Oxfam usa o dinheiro obtido na venda de itens de doação que recebe para ações sustentáveis e sociais, além de estimular o reaproveitamento dos objetos e a reciclagem. Com mais de 700 lojas físicas e uma loja virtual, a organização vende roupas, brinquedos, livros e outros objetos a um custo mais baixo do que o praticado por outras lojas.

Nos Estados Unidos, organizações como o Exército da Salvação e a ONG Goodwill também revendem as peças e os objetos que recebem através de doações para poderem arrecadar dinheiro para seus projetos sociais.

Na cidade de Bauru, interior do estado de São Paulo, o Bazar da Pechincha é promovido pelo Lar de Idosos Vila Vicentina todas quintas e sextas-feiras em um galpão dentro da instituição. A Vila Vicentina é uma instituição que atende homens e mulheres idosos que residem no local onde recebem alimentação, cuidados médicos por 24 horas e realizam atividades de lazer e oficinas de artesanato, por exemplo. O local também atende idosos que passam o dia na instituição, mas que não residem no local. Os idosos são encaminhados pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de Bauru, através da avaliação e indicação das assistentes sociais do Centro.

A entidade recebe verbas municipais e federais que não são suficientes para a manutenção da Vila. Por isso, anualmente, a instituição realiza campanhas para arrecadação de fundos. O Bazar da Pechincha funciona a partir da doação de objetos, móveis e roupas para a instituição, que passam por triagem e o que não for utilizado na própria instituição é revendido a preços simbólicos. Todo o dinheiro arrecado é utilizado para a manutenção do local. É possível encontrar móveis, geladeiras e roupas no local.

Os preços são pré-estabelecidos para cada peça. As roupas mais simples podem custar  R$1,00 e as mais elaboradas não costumam passar de R$5,00, podendo ser um pouco mais caras no caso dos casacos e vestidos de festa.

O Bazar da Pechincha acontece no endereço da instituição, na rua Jorge Pimentel, 2-5, Vila Engler, Bauru – SP, todas as quintas e sextas-feiras, das 09h às 16h.

Bazar da Pechincha aceita doações e vende a baixo custo. Localização é de fácil acesso na cidade de Bauru

Bazar da Pechincha aceita doações e vende a baixo custo. Localização é de fácil acesso na cidade de Bauru

Sem sair de casa

Seguindo a tendência das compras online, os brechós também ganharam a internet. São muitas as opções para adquirir novas peças sem precisar sair de casa e foi justamente isso que levou Roberta Würzius a criar o Garimpo Democrático.

Dona de um brechó online desde 2009, o European Brechó, Roberta sentiu a necessidade de um blog que reunisse informações sobre os demais brechós que existiam na internet, fazendo a divulgação dos mesmos neste espaço, de forma gratuita e democrática. E assim nasceu o Garimpo Democrático em 2010. Atualmente, além de fazer a divulgação de brechós virtuais, o blog também traz dicas de moda e estilo para suas leitoras.

Lojas virtuais garantem opções de consumo colaborativo, beneficente e de luxo.

Lojas virtuais garantem opções de consumo colaborativo, beneficente e de luxo

Outra opção que tem crescido são os grupos nas redes sociais de troca e venda de peças de vestuário. Na cidade de Bauru, 332 quilômetros distante da capital de São Paulo, o grupo do Facebook “Desapego das Meninas Bauru” tem mais de 29 mil membros que vendem e trocam roupas, calçados, maquiagens, cosméticos e outros produtos.

Com regras para que o grupo funcione sem conflitos, a compra e venda costuma acontecer através da postagem de fotos dos produtos com sua descrição e preço na legenda. A partir daí, os membros interessados na peça formam uma “fila” a partir de comentários na postagem. Fica com a peça a primeira pessoa a fechar o negócio, sendo que a maioria dos grupos proíbem leilões.

Mas a compra de roupas online pode gerar dor de cabeça, caso o consumidor não se atente a algumas regras e dicas. Pois, muitas vezes, não será possível trocar a peça depois da compra efetivada e nem mesmo provar a roupa antes de fechar o negócio.

Roberta Würzius deu algumas dicas de como evitar cair em uma cilada. 

Roberta Würzius deu algumas dicas de como evitar cair em uma cilada

Outro fator que o consumidor deve prestar atenção ao fazer compras nos brechós virtuais é a existência do custo do frete, que normalmente não estará previsto no valor da peça. Nos grupos nas redes sociais, esse problema costuma ser eliminado, pois a maioria dos membros deve morar na mesma cidade ou região, o que permite que comprador e vendedor se encontrem para fechar a compra, e até mesmo para que o consumidor possa experimentar o produto antes de comprá-lo.

Serviço:

Lar de Idosos Vila Vicentina
Rua Jorge Pimentel, 2-5, Vila Engler, Bauru – SP.
Bazar da Pechincha acontece todas as quintas e sextas-feiras, das 09h até as 16h.

Reportagem: Bianca Arantes
Produção multimídia: Flávia Nosralla
Edição: Carolina Baldin Meira

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