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Brasileiro, cidadão do mundo

América do Norte e Europa são os destinos mais procurados por brasileiros no exterior. No entanto, estudantes que foram para lugares menos buscados, como Ásia e África, voltaram cheios de histórias para contar

Seja para aprender um novo idioma, conhecer uma cultura diferente ou simplesmente passear por lugares novos, o número de brasileiros que visitam o exterior só cresce – em 2012, 175 mil estudantes saíram daqui para fazer cursos em outros países. Esse dado é de uma pesquisa que mapeou o mercado de educação internacional e intercâmbio no Brasil feita pela Belta, Associação Brasileiras de Operadores de Viagens Educacionais e Culturais (Brazilian Educational & Language Travel Association, na sigla original em inglês), uma empresa que reúne as principais instituições brasileiras das áreas de cursos, estágios e intercâmbio no exterior.

Segundo os dados obtidos pela Belta, a maioria dos brasileiros que procuram intercâmbio tem entre 18 e 30 anos e fica fora por seis meses a fim de aprender uma nova língua. Um dado expressivo representado pela pesquisa é que cerca de 90% das agências de intercâmbio afirmam que o destino mais requisitado é o Canadá. Esse número elevado se dá devido à fatores associados ao país, como segurança, qualidade do ensino, facilidade de tirar o visto e hospitalidade.

Lidiane Santos é estudante de história na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e sempre quis morar no Canadá, mas nunca tinha pensado em fazer intercâmbio. Quando participou do programa de bolsas Luso-brasileira do Banco Santander, no entanto, a oportunidade era para a Europa. Ela aceitou e estudou seis meses na Universidade de Coimbra, em Portugal.

Ter a língua em comum, apesar de algumas especificidades portuguesas, ajudou na adaptação na nova universidade. No entanto, Lidiane diz que foi possível perceber algumas diferenças em termos de tratamento por parte dos portugueses: “Estudar em uma cidade como Coimbra, que é uma cidade universitária, que, anualmente, recebe muitos estudantes de todas as partes do mundo, fez abrir a mente para várias coisas diferentes. É algo bastante interessante, perceber que muitas das pessoas estão abertas para aprender e compartilhar sobre a cultura deles”.

Nihon e yōkoso! (Seja bem vindo ao Japão!)

Alguns brasileiros procuram o exterior por um período curto de tempo, no entanto, existem pessoas que desejam uma experiência mais duradoura em outra cultura – quase tornar-se um nativo. O estudante de engenharia mecânica Juan Araujo foi morar no Japão aos quinze anos, sem falar uma palavra de japonês. Depois de seis anos na terra do sol nascente, retornou ao Brasil falando e escrevendo em japonês e com a bagagem cheia de novas experiências.

No Japão, Juan conta que morava em Hamamatsu e, por isso, tinha muito contato com brasileiros – em julho de 2005, a população de brasileiros na cidade de 814 mil habitantes era de 18 mil, fazendo com que fosse a cidade de maior concentração de sul-americanos per capita do Japão. Apesar disso, diz que também tinha contato com muitos japoneses. Sobre esses nativos, afirma que “a diferença de cultura é muito grande”.

Essas diferenças não dificultaram o aprendizado do idioma, pois ele afirma que o japonês é uma língua mais fácil de aprender comparada ao português. “Depois que você consegue aprender algumas palavras bases – para então conseguir aprender outras -, você acaba embalando e consegue se comunicar rápido”, diz. Ele considera os hábitos culturais japoneses espetaculares, afirmando que “são pessoas que respeitam todos, que estão sempre se ajudando”.

Foram muitas as experiências vividas por Juan em seis anos no Japão. Além de ter sentido na pele o terremoto causado pelo tsunami que atingiu o país em 2011, visitou a praia de águas transparentes de Fukui e escalou o Monte Fuji. Na cidade de Fuji, inclusive, visitou também um zoológico em que os animais ficam soltos e interagem com os turistas, que ficam dentro de seus carros.

Com os dados apresentados pela Belta, pode-se perceber que o Japão não é um destino comumente procurado por brasileiros. A Aiesec é uma empresa de intercâmbio que se especializa em oferecer destinos diferenciados para estudantes, como o escolhido por Juan. São duas as categorias de intercâmbios: cidadão global e talentos globais. Na primeira, o estudante fica de seis a doze semanas em países como Colômbia, Peru, Polônia, Rússia e China  e desenvolvem trabalho voluntário. Já na segunda, o foco é a formação profissional, inserindo o estudante em uma empresa internacional por um período de seis semanas a um ano. Alguns países que oferecem essa oportunidade são México, Romênia, Peru, Colômbia, Sérvia e Índia.

 

Repubilika ya Ngola (República de Angola em umbundu)

Contra as estatísticas – uma vez que países da África raramente são considerados destinos de intercâmbio -, Lara Calazans morou por seis meses em Angola. Estudante da Universidade de São Paulo (USP), ela foi pleiteada com uma bolsa CAPES de intercâmbio por atuar no GEPEULAN, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação da Universidade Lueji A’konde (ULAN), em Angola. O Grupo é uma parceria institucional entre USP-ULAN.

Lara conta que foi muito bem recebida. Sua estadia se deu em Luanda – capital do país -, Malanje, Saurimo e Dundo, essa última cidade em que permaneceu por mais tempo. Enquanto em Angola, estudou na Universidade Lueji An’kondi, “nome que homenageia a Rainha do povo Lunda, etnia da região do Dundo cuja língua é tckowe” e conta que as matérias optativas que fez foram essenciais não só para seu desenvolvimento como pesquisadora, mas também para instigar seu apreço por Angola e pela África de modo geral.

Sobre a estrutura social e política de Angola, Lara explica que o país é recente: sua independência se deu em 1975. Com uma população que sofreu por guerras de independência e civil, busca desenvolver-se e recuperar-se. “Passa por um processo longo de reestruturação” e, por isso, “absorve uma grande quantidade de migrantes, os que chegam em maior quantidade são brasileiros, chineses, portugueses e mauritanos”, explica. Lara completa dizendo que a população angolana é “multiétnica e pluricultural, o que enriquece e diversifica a cultura, as línguas faladas, em ritmos, danças e história dos povos”.

A língua oficial de Angola é o português, mas existem diferenças com a modalidade da língua falada no Brasil. No entanto, Lara diz que o sotaque luso é facilmente assimilado por brasileiros. “Meu encantamento por Angola se deu pelas belas paisagens, diversidade étnica cultural e variedade linguística que convivem enriquecendo Angola”, afirma. Segundo a estudante, é comum conhecer angolanos que falem mais de três línguas, “português, sua língua nativa e alguma outra de sua região”, por isso a facilidade de aprender outras como inglês e francês.

“Morar em Angola é morar num outro Brasil, país de gente hospitaleira, alegre, que gosta de conversar e interagir com os estrangeiros, dançar e transformar tudo em vida”, conta Lara. A estudante diz que foi interessante notar que os angolanos admiram muito a cultura brasileira, difundida por meio de novelas, futebol, música, literatura, personalidades brasileiras e igrejas protestantes neopentecostais.

A estudante afirma que uma grande diferença entre Brasil e Angola está na representatividade dos negros e negras. “Não há, como aqui no Brasil, a estigmatização da cor da pele relacionada a classe social”. Lara conta que, ao invés disso, a população, que é majoritariamente negra, materializa em todos os âmbitos a representatividade: nas revistas, nos comerciais publicitários, na valorização da cultura nacional, nas roupas típicas, nas danças que são veiculadas nos canais de rede aberta, nos outdoors. “Negros e negras lindas embelezam Angola sem restrições”, conclui.

E agora, para onde?

Perguntada se, em uma outra oportunidade de intercâmbio, escolheria um destino menos procurado, como África ou Ásia, Lidiane Santos disse que nunca tinha parado para pensar. “Em outro intercâmbio, sempre penso no Canadá, que é onde sempre quis ir, mas talvez escolhesse África do Sul ou Angola, talvez a Índia também”, reflete. Juan Araujo diz que, em outra viagem, também adoraria ir ao Canadá, mas pensa em destinos na Europa, pois gostaria de conhecer Espanha, Inglaterra e Amsterdã.

Lara Calazan mostra que Angola realmente a encantou, afirmando que gostaria de estender sua estada no país. Diz que há muito mais a conhecer e descobrir sobre a diversidade étnica e cultural de lá, mas também apreciaria muito morar na Namíbia, Cabo Verde ou China, esse último país porque também possui uma vasta cultura pouco difundida no Brasil. “Aprendemos muito sobre países europeus e a cultura europeia, eu quero mesmo é viver e aprender dos outros, das histórias não ditas”, conclui Lara.

Reportagem: Caroline Braga
Produção multimídia: Nathália Rocha
Edição: Pedro Borges

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