Os carnavais de Bauru – das ruas ao sambódromo
Reverenciado no interior paulista, o carnaval de Bauru coleciona memórias desde o começo do século passado
“Se a única certeza de que o homem terá é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval do próximo ano”, disse Graciliano Ramos, reconhecendo um cenário que influencia até hoje a vida de todos os brasileiros… e bauruenses. Numa cidade com mais de trezentos mil habitantes, estima-se a presença de pelo menos 30 mil pessoas em cada um dos dias de festa neste ano. Uma mobilização considerável e que rende títulos a Bauru como provedora do melhor carnaval do interior do estado de São Paulo.
Considerado como uma das grandes paixões de norte a sul do país, o carnaval tem sua origem na Antiguidade. A palavra deriva do latim – carnis levale – e significa “retirar a carne”, remetendo às crenças do cristianismo sobre o jejum durante a quaresma. Hoje, porém, a festa vai muito além das doutrinas religiosas.
Na Antiguidade, egípcios, hebreus, gregos e romanos – todos eles realizavam festejos pagãos, que celebravam grandes colheitas e até seres divinos. Passado o tempo, já na Idade Media, a festa foi incorporada pela Igreja Católica e tomou sua forma de acordo com a religião. Em todos os casos, o carnaval possuía um elemento em comum: a subversão dos papeis sociais.
No Brasil, a tradição veio com os portugueses, se traduziu em manifestações populares (realizadas, muitas vezes, por escravos) e, mais tarde, nos famosos bailes de carnaval frequentados pela elite em clubes e teatros. Depois vieram as marchinhas, os sambas, os blocos, as escolas de samba… Cada região do país aderiu aos festejos do seu modo e com sua originalidade. Em Bauru, a grande referência foi São Paulo e o Rio de Janeiro.
O Carnaval em Bauru
Logo no começo do século XX, até a sua metade, as primeiras aparições dos festejos carnavalescos foram o que se chama de “corso” – desfile de carros luxuosos com foliões dentro, geralmente fantasiados e que jogavam confetes e serpentinas pelo caminho em que passavam. O percurso que faziam ficava entre as ruas 1º de agosto e Batista de Carvalho.
Em consequência do aumento da popularidade do carnaval não só em Bauru, mas em todo o Brasil, surgiram os famosos blocos de rua. Esses blocos se caracterizavam e se destacavam pela organização popular que os envolviam – como explica Renato Cardoso, publicitário que acompanha há 50 anos a festa na cidade. Segundo ele, “dois blocos ficaram na história, sendo um comandado por Pedro de Campos e outro por Caré e mulatas mostrando o samba para os que iam acompanhar o corso que se dava no sentido centro/estação ferroviária” (sentido que facilitava a movimentação dos carros).
Com a popularização crescente, os festejos foram transferidos para a Avenida Rodrigues Alves e logo surge a primeira escola de samba da cidade: a Mocidade Independente da Vila Falcão, na década de 1970. A nova escola mudou o que se tinha como padrão dos então blocos de rua e, segundo Célio Losnak, professor do Departamento de Ciências Humanas da Unesp de Bauru, “expressou uma organização dos segmentos da classe média”. Depois dela, outras escolas – como a Acadêmicos do Cartola– foram surgindo e complementando o carnaval bauruense.
Nessa época, Bauru também contou com a transmissão do evento pelas rádios da cidade (especialmente a Auri Verde e Bauru Rádio Clube). Renato, que trabalhou na Bauru Rádio Clube, conta que as transmissões eram realizadas “com microfones comparados a tijolos de hoje, em tamanho, e com fios plugados em um equipamento que dava link à central de transmissão”.
A criação de novas escolas de samba, inspiradas nas grandes escolas de São Paulo e do Rio de Janeiro, foi reestruturando a imagem do carnaval na cidade. Na década de 1980, as comemorações foram transferidas para a Avenida das Nações Unidas e, a partir de então, contaram com o apoio financeiro da Prefeitura Municipal, segundo informa o atual secretário da Cultura, Elson Reis. O Governo Municipal se comprometia com um repasse de dinheiro às escolas e com a infraestrutura da festa – arquibancadas, iluminação da avenida, etc.
Essa foi a época do auge do evento, com a rivalidade acirrada entre os grupos participantes. Elson afirma que esse é o tradicional estilo de comemoração e o mais acolhido pela população da cidade em relação a outros – como os trios elétricos, por exemplo, que já foram experimentados, mas sem muito sucesso.
Logo no início da década de 1990, a Prefeitura de Bauru propõe que os investimentos do carnaval – que, até então, eram destinados à infraestrutura e às escolas – fossem direcionados para a construção de um sambódromo. Neste ano, mesmo sem o repasse do governo, as escolas se organizaram, produziram seus desfiles e não deixaram o público sem festa.
A construção do sambódromo, garantiu melhorias tanto para a população, com as arquibancadas e iluminações adequadas, como para as escolas, com toda a organização que a passarela proporciona.
O sambódromo inaugurado – e o primeiro desfile nele executado em 1991 – promoveu o carnaval bauruense, chegando a ser, muitas vezes, igualado ao da capital. Elson comenta que, em 1997, teve a oportunidade de ver alguns dos carros das escolas de São Paulo e afirma que “o acabamento de algumas escolas de Bauru daquele ano era do mesmo nível – de acabamento, de estrutura, de beleza – das escolas menores de São Paulo.”
Como nem tudo são flores – e nem todo dia é carnaval – os festejos sofreram um grande recesso com a entrada dos anos 2000. Célio lembra que, na gestão do prefeito Nilson Costa, o governo suspendeu o repasse de verba por falta de dinheiro e, consequentemente, o carnaval foi suspenso. Em 2008 e 2009, houve a tentativa de ressuscitar o carnaval, que aconteceu nos padrões antigos, na Avenida Nações Unidas, e sem ajuda do governo. Só em 2010, já na gestão de Rodrigo Agostinho, a prefeitura voltou a organizar e ajudar as escolas na preparação dos desfiles. Desde então, o carnaval de Bauru voltou a crescer e reestabelecer sua fama de “melhor do interior paulista”.
O carnaval nos clubes
Mesmo com a fama do carnaval de rua e, mais tarde, dos desfiles no sambódromo, se engana quem pensa que só essas eram as atrações de Bauru. Os clubes da cidade também realizaram grandes festas e marcaram muitos carnavais. Os principais clubes eram: Bauru Tenis Clube (BTC), Bauru Country Clube (BCC), Associação Luso Brasileira, Bauru Atlético Clube (BAC) e Clube dos Bancários. Todos eles realizavam festas em seus salões.
As comemorações em todos eles atraíam grande parte da população, “e mesmo as pessoas que desfilavam na rua depois iam aos clubes”, ressalta Célio, que chegou a frequentar, quando mais novo, alguns bailes do Clube dos Bancários e do BAC. O professor relembra, ainda, os bailes organizados pelo Esporte Clube Noroeste, no ginásio conhecido como “Panela de Pressão”, com um caráter mais popular em relação aos outros clubes, que reuniam, em sua maioria, as classes média e alta de Bauru.
Além dos bailes, os clubes também se organizavam para participar do carnaval de rua, montando seus blocos e, inclusive, competindo entre si. Renato conta que um dos momentos que considera mais marcante diz respeito ao Bauru Tênis Clube, com desfile na Avenida Rodrigues Alves e com clubes sociais mostrando seu enredo numa espécie de “esquenta” para o que teria nos salões, a seguir. “O Luso e o BAC sempre consagravam-se campeões e o BTC jamais”, comenta o publicitário. Mas em 1978, segundo ele, o BTC saiu num desfile “luxuoso”, comandado por Paulo Keller e, assim, pela primeira e única vez, foi campeão.
Depois de tantos episódios, o Carnaval de Bauru legitima sua soberania em comparação aos carnavais de outras cidades do interior paulista e, assim, continua preservando sua tradição e suas histórias.
Reportagem: Camila Padilha
Produção de mídia: Caroline Balduci
Edição: Vinícius Passarelli
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